Já pensou uma mulher perder seu emprego por estar grávida? É o que aconteceu com Lara Lugli, 41, ex-jogadora do Volley Pordenone na temporada 2018/2019, que teve seu contrato rescindido com o clube italiano de vôlei após anunciar sua gravidez. O caso aconteceu em 2019, mas só veio a público agora.
O contrato da italiana foi rescindido de forma automática e, cerca de um mês depois, a jogadora acabou sofrendo um aborto espontâneo. Agora, a briga é na Justiça. Além da rescisão, o clube processa Lara por perdas e danos consequentes de sua gravidez e por ela não ter avisado que “tinha intenção de ser mãe”.
“As mulheres, em qualquer tempo, desde o início do primeiro código, foram transcritas como subjacentes. Essa desconstrução necessária precisou de um movimento jurídico para amparar a dor e a evolução das sociedades. La Costituzione Italiana é, nesse aspecto, semelhante à Constituição Federal Brasileira. Ambas, são a Lei Maior na estrutura legal de seus países. Ditam que todos são iguais perante a lei, sem discriminação de sexo. Asseguram a paridade no trabalho e usam termos com ‘incentivo’ ou ‘essencial função familiar’ para driblar o termo genérico e abrir portas para desigualdade de gênero”, afirma Débora Ferrareze, advogada especialista em direito trabalhista.
A principal justificativa do Pordenone é de que Lara deveria ter manifestado o desejo de engravidar e que, ao omitir a informação, a jogadora “violou a boa-fé contratual”.
“É inimaginável que uma agremiação venha a processar uma mulher, que é atleta e que engravide no curso contrato de trabalho, porque se estaria negando um direito básico a toda mulher que é permitir escolher se deseja engravidar ou não. Como a legislação brasileira é diferente da italiana, casos como esse jamais se repetiriam aqui, está na lei”, afirma o advogado especialista em direito desportivo Higor Bellini.
Casos como esse não teriam sucesso no Brasil. A legislação brasileira proíbe, através da Lei 9.029/95, qualquer ato discriminatório contra a mulher, que é gestante ou que pretende engravidar, no âmbito na relação de emprego. Não é permitido questionamentos sobre o teste de gravidez ou se a mulher pretende engravidar.
“Se fosse no Brasil, a atleta poderia entrar com uma reconvenção e pleitear indenização por danos morais, não porque lhe processaram, mas pela forma discriminatória que o clube agiu em relação a sua gravidez”, explica Bellini
O estopim para o caso parar na Justiça aconteceu quando Lara exigiu receber seu salário referente ao mês de fevereiro, antes de saber que estava grávida, e acabou não recebendo.
“Se uma mulher engravidar, ela não pode fazer mal a ninguém e não deve compensar ninguém por isso. Meu parceiro e eu sofremos o único dano por nossa perda (o aborto), e todo o resto é tédio e baixeza de espírito”, desabafou Lara em suas redes sociais.
Após a manifestação pública da jogadora, a Associação Nacional de Atletas da Itália escreveu uma carta ao Primeiro Ministro italiano, Mario Draghi, e ao Presidente do Comitê Olímpico Italiano, Giovanni Malagò, para questionar “o que pretendiam fazer para acabar com a vergonhosa situação a que as mulheres italianas estão expostas, como o caso da atleta Lara Lugli”.
“Este caso é emblemático porque mostra que a iniquidade da condição feminina no trabalho esportivo é tão internalizada que não só é considerada correta como anula completamente um contrato legítimo. (…) Nesta iniciativa inescrupulosa reside o verdadeiro escândalo cultural do nosso país, que chegou a nublar a consciência dos empregadores do trabalho desportivo, a ponto de esquecer quais são os direitos fundamentais das pessoas”, disse a Associação Nacional de Atletas da Itália no documento.
Para Débora Ferrareze, “é preciso reestruturar uma nova ordem. Redes de apoio, líderes com representatividade, conscientização, diálogo para que homens e mulheres construam pontes de civilidade”.
O caso agora será alvo de uma investigação após uma solicitação da deputada Laura Boldrini do Partido Democrata.
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