Se a situação já estava difícil, a pandemia de Covid-19 agravou ainda mais a saúde financeira de clubes do futebol brasileiro. Segundo dados da ‘Sportsvaleu’, agência especializada em marketing esportivo, R$ 10,2 bilhões é o valor total que as 20 equipes com as maiores dívidas têm a pagar. O número, que foi de R$ 8,7 bilhões no ano passado, é o maior da história e representa um aumento de 17% em comparação com 2019.
Atlético-MG (R$ 1,2 bilhão), Cruzeiro (R$ 962,5 milhões), Corinthians (R$ 949,2 milhões), Botafogo (R$ 946,2 milhões) e Internacional (R$ 882,9 milhões) encabeçam a lista dos endividados. Apesar disso, esses e outros clubes parecem ignorar esses números ao seguirem fazendo contratações, algumas com valores surreais para a realidade do futebol brasileiro. Segundo especialistas ouvidos pelo Lei em Campo, isso acontece por inúmeros fatores.
“Não há regras nas federações ou nos regulamentos dos campeonatos que impeçam clubes endividados que contratar ou inscrever atletas. A exceção ocorre quando as cobranças são feitas por outros clubes, utilizando-se de órgãos internos e reconhecidos pela FIFA e CBF, que conseguem aplicar sanções desportivas aos devedores, como no caso da proibição de registrar novas atletas até que a dívida seja paga. Mas como a maioria das dívidas não podem ser discutidas dos tribunais das federações e acabam sendo cobradas no Poder Judiciário, que não pode aplicar semelhantes sanções desportivas, não há como impedir que devedores contumazes continuem gastando, sem antes pagar seus credores. Nem mesmo a Receita Federal ou a Justiça do Trabalho podem aplicar sanções desportivas, cabendo apenas a tentativa de penhorar bens e receitas, que nem sempre estão disponíveis na conta dos clubes”, explica Carlos Ambiel, advogado especializado em direito desportivo.
“Clubes endividados conseguem continuar gastando o que não tem porque o futebol brasileiro vive uma eterna promessa de Fair Play Financeiro. Destaque-se que 2020, na teoria, seria o ano em que punições passariam a ser aplicadas aos clubes devedores, mas por conta da pandemia, tudo foi postergado”, afirma Pedro Juncal, advogado especialista em direito desportivo.
Apontado como uma saída para evitar o endividamento, o Fair Play Financeiro, questionado no futebol europeu nos últimos dias após a transferência de Lionel Messi para o PSG, foi cogitado para o Brasil em diferentes situações, mas até agora não saiu do papel. O atual mecanismo determina que, ao longo de três anos, os clubes fiquem zerados ou tenham lucro comercial na balança de contratações e vendas de jogadores. Na prática, em três anos, um time tem que arrecadar ao menos a quantia que gastou em negociações de atletas.
Por aqui, um caminho utilizado pelos clubes para tentar solucionar os problemas financeiros é o Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro). Instituído em 2015 através da Lei 13.155, o programa de responsabilidade fiscal do futebol, na qual associações desportivas podem parcelar suas dívidas fiscais a juros baixos por até 20 anos, desde que algumas exigências sejam cumpridas.
“No que toca ao fisco e à justiça do trabalho, diversos clubes que devem centenas de milhões adotaram ao Profut e são partes em acordos coletivos na justiça do trabalho. Novamente, com a pandemia, diversos desses clubes se utilizaram das alterações legislativas que os favoreceram para deixar de cumprir algumas das obrigações. A verdade é que há clubes que apenas adotarão uma política austeridade financeira quando sofrerem punições esportivas. A movimentação na seara jurídica nunca é rápida e fácil o suficiente para impor o temor necessário à maioria dos clubes”, ressalta Juncal.
Todo clube que esquecer de cumprir seus compromissos financeiros, seja o pagamento para outra equipe por uma transferência internacional, ou mesmo o compromisso básico de honrar o acordo de pagar seu empregado em dia, está sujeito a sofrer sanções.
Em caso de atraso de pagamento de salários a jogadores, a punição pode acontecer via CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas). Vasco e Sport já passaram por essa situação recentemente.
Já quando houver uma dívida internacional por conta de contratações, a FIFA é a responsável por aplicar as punições. Nos últimos meses, o Cruzeiro foi o clube brasileiro que mais teve seu nome ligado à entidade máxima do futebol em processos por inadimplência. A Raposa começou o Campeonato Brasileiro da Série B de 2020 com menos seis pontos devido a uma ordem de pagamento não cumprida.
Para Carlos Ambiel, a principal solução para evitar que clubes endividados continuem contratando seria “a criação de regras mais rígidas de Fair Play Financeiro dentro dos regulamentos das federações e da CBF”.
“Isso impediria que clubes devedores contratassem ou inscrevessem novos atletas ou até impedindo suas participações em determinadas competições. Mas como essas restrições não podem ser aplicadas pelo Estado e precisariam ser aprovadas pelos próprios clubes, não há qualquer perspectiva de mudança de cenário para os próximos anos”, completa o advogado.
O esporte passou a inserir regras que auxiliam na gestão responsável e no combate aos absurdos do negócio recentemente e isso prometer causar grandes transformações. No futebol não há mais espaço para amadores, irresponsáveis e/ou criminosos. O campo já tem mostrado isso e agora a Justiça começou a cobrar.
Crédito imagem: Stock
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