Uma decisão da CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas) de 2019 esclarece um ponto bastante importante, que sempre é questionado quando há transferência de atletas envolvendo vultuosos valores: o Certificado de Clube Formador (CCF) não é necessário para que os clubes recebam valores devidos à título de mecanismo de solidariedade.
O direito ao mecanismo de solidariedade se baseia no passaporte desportivo do atleta.
Já para receber valores à título de indenização por formação é necessário possuir o Certificado de Clube Formador.
Vamos entender?
Para entender essa decisão é importante dar um passo atrás: mecanismo de solidariedade e indenização por formação são dois institutos diferentes.
A indenização por formação tem a função de compensar os investimentos realizados pelo clube na formação do atleta e deve ser paga, nas transferências nacionais, ao clube portador de Certificado de Clube Formador.
A indenização é devida em duas situações: a) Quando o atleta sob Contrato de Formação se recusa a assinar o 1º contrato profissional com o clube certificado como Formador. b) Quando o clube certificado como Formador não consegue exercer o seu direito de preferência na renovação do 1º contrato profissional de atleta por ele profissionalizado.
Relevante destacar que o 1º contrato profissional pode ser assinado quando o atleta completar 16 anos de idade.
Há algumas condições para que o clube formador receba a indenização por formação:
- O atleta deverá estar regularmente registrado e não pode ter sido desligado do clube formador.
- A indenização será limitada a 200 vezes os gastos efetuados com a formação do atleta, especificados no Contrato de Formação.
- O pagamento da indenização somente poderá ser efetuado por outro clube, no prazo máximo de 15 dias da vinculação do atleta ao novo clube, a fim de permitir o novo registro.
É importante que os clubes certificados fiquem atentos aos requisitos e condições estabelecidos pelo artigo 29 da Lei Pelé para que tenham direito ao recebimento da Indenização por Formação.
A cobrança da Indenização por Formação pode ser feita através da CNRD. A Indenização por Formação é devida somente em caso de transferência nacional. Caso o atleta se transfira para o exterior, o clube terá direito ao FIFA Training Compensation, na forma do Regulamento de Transferências da FIFA.
Já o mecanismo de solidariedade é uma ferramenta de redistribuição das receitas provenientes das transferências de um atleta, em favor dos clubes que contribuíram para a sua formação.
Essa ferramenta foi instituída pela FIFA e incorporada à lei Pelé em 2011, criando o mecanismo de solidariedade nacional, prevendo a retenção e repasse de valor correspondente ao percentual respectivo quando da ocorrência de transferências onerosas entre clubes brasileiros.
Então, hoje a Lei Pelé prevê a INDENIZAÇÃO POR FORMAÇÃO no artigo 29 e o MECANISMO DE SOLIDARIEDADE no artigo 29-A, cada qual com fundamentos e requisitos próprios, e foco em objetivos diferentes.
A fundamentação da decisão da CNRD sobre esse tema traz um ponto muito interessante: a indenização por formação trata de uma “relação existente entre CLUBE e ATLETA, no momento da sua formação e da sua profissionalização, atribuindo proteção jurídica ao clube desde que ele disponibilize ao atleta a estrutura adequada para promover sua formação”
Já no mecanismo de solidariedade “a relação é entre CLUBES, e não se cria direitos ou deveres ao atleta. Os direitos e deveres são dos clubes em receber e pagar um percentual calculado “sempre de acordo com a certidão fornecida pela entidade nacional de administração do desporto” – certidão essa que corresponde ao passaporte esportivo emitido pela CBF.”
A decisão da CNRD traz entendimento do TAS nesse mesmo sentido[1]:
“A letra do Art. 29-A da Lei Pelé não faz qualquer referência a ‘entidade de prática desportiva certificada’ ou a ‘entidade de prática desportiva formadora’. A expressão ‘contribuíram’ parece abranger, de forma ampla, todas as entidades desportivas […] que […] desempenharam uma contribuição na formação do atleta – independentemente de serem ou não entidades certificadas ou entidades de formação. Parece evidente que ao optar pela expressão ‘contribuíram’, o Legislador do artigo 29-A da Lei Pelé pretendeu tornar o acesso ao Mecanismo de Solidariedade aberto a uma ampla gama de entidades desportivas ao invés de restringir o acesso ao mesmo. A lógica que subjaz ao artigo 29-A nesta matéria está igualmente em consonância com o espírito condutor da regulamentação FIFA quanto ao Mecanismo de Solidariedade […], o qual dispõe que esta compensação deve ser distribuída ‘ao(s) clube(s) envolvidos no seu treino e educação ao longo dos anos’ […], sem fazer referência a quaisquer requisitos quanto às entidades envolvidas nesse treino e formação.”
Assim, o direito ao mecanismo de solidariedade se baseia no passaporte desportivo do atleta; os clubes não precisam ser titulares do CCF para ter direito a recebê-lo.
Crédito imagem: CBF
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[1] Proc. CAS 2015/A/4012, Santos F.C. x Tuna Luso Brasileira, v.u., j. 30.11.2015.