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Com início das apurações no STJD, entenda o que pode acontecer em “caso Rafael Ramos”

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) começará as apurações do inquérito desportivo que investiga a denúncia de injúria racial de Rafael Ramos, do Corinthians, contra Edenilson, do Internacional, em partida disputada no dia 14 de abril, pelo Campeonato Brasileiro. Conforme apuração do Lei em Campo, o auditor do Pleno do STJD, Paulo Feuz, vai ouvir o jogador corintiano nesta terça-feira (31), às 12h (de Brasília), no Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo (TJD-SP). Já o jogador colorado será ouvido na segunda-feira da próxima semana, dia 6 de junho, no mesmo local. Os advogados de ambos os clubes foram convidados a participar.

Após a oitiva das partes, o auditor Paulo Feuz vai decidir quais outras provas serão produzidas no inquérito.

O caso não é simples e precisa do tempo necessário para ser investigado por inteiro. O Lei em Campo ouviu especialistas.

O que pode acontecer com Rafael Ramos, caso seja comprovada a injúria racial contra Edenilson.

“É preciso certa cautela em tecer comentários definitivos ou apressados sobre questão tão sensível e delicada. Em eventual julgamento na Justiça Desportiva, a produção de provas será fundamental para a verificação da veracidade dos fatos e das circunstâncias relevantes do caso via respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa de ambas as partes. Dito isso, caso seja comprovada a injúria racial, na esfera desportiva o atleta do Corinthians estará sujeito às sanções referentes à infração disciplinar prevista no art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que pune o atleta por praticar ato discriminatório relacionado a preconceito em razão de raça com suspensão de cinco a dez partidas, além de multa que será graduada entre cem reais a cem mil reais”, explica o advogado Carlos Henrique Ramos.

O artigo 243-G do CBJD pune o atleta que: “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. A pena para esses casos é suspensão de cinco a dez partidas e multa que varia entre R$ 100 a R$ 100 mil.

A advogada Fernanda Soares, colunista do Lei em Campo, também acredita que – caso confirmada a denúncia – a pena será pesada para Rafael. “Em relação ao atleta, este pode ser suspenso por 5 a 10 partidas, além de ter que pagar uma multa que pode ir de 100 a 100 mil reais”, explica ela.

O que pode acontecer com o Corinthians, caso a denúncia seja confirmada?

“Há ainda a possibilidade de, caso a infração seja considerada como de extrema gravidade (art. 243-G, parágrafo terceiro; CBJD), sejam aplicadas penas mais severas, tais como perda de pontos, de mando de campo ou exclusão da competição, embora essa possibilidade me pareça remota nesse momento”, explica Carlos Ramos.

Fernanda Soares também entende que “caso a injuria racial seja confirmada, clube pode sofrer penas severas, tais como a perda de mando de campo, a perda de pontos ou até a exclusão do campeonato. Tudo dependerá de como o tribunal vai avaliar a questão”.

Neste ano, seguindo a política institucional de combate ao preconceito, o artigo 54 do Regulamento Geral de Competições da CBF passou a considerar “de extrema gravidade a infração de cunho discriminatório praticada por membro de qualquer poder do clube em partidas de competições coordenadas pela CBF”.

Essa mudança foi feita no documento para esta temporada após um caso ocorrido no ano passado, quando o jogador Celsinho, do Londrina, ouviu do presidente do conselho deliberativo do Brusque, Júlio Antonio Petermann: “vai cortar esse cabelo seu cachopa de abelha”. Após o Brusque perder três pontos na Série B do ano passado, o STJD reformou a sentença e determinou o pagamento de multa de R$ 60 mil e a perda de um mando de jogo.

Para uma punição pesada, o STJD precisa entender que o ato foi de extrema gravidade e, assim, invocar o artigo 170 do CBJD:

inciso V – perda de pontos;

inciso VII – perda de mando de campo;

inciso XI – exclusão de campeonato ou torneio.

O caso

Tudo aconteceu no segundo tempo da partida. Edenilson relatou ao árbitro Bráulio da Silva Machado que foi chamado de macaco por Rafael Ramos, que negou e disse que falou “fod*-se c*****” durante uma disputa de bola.

O juiz relatou o caso na súmula, mas ressaltou que nenhum dos membros da equipe de arbitragem conseguiram atestar o que aconteceu.

“Aos 31 minutos do 2º tempo, no momento em que a partida estava paralisada, fui informado pelo jogador nº 8, da equipe SC Internacional, sr. Edenilson Andrade dos Santos, que seu adversário nº 21, sr. Rafael Antônio Figueiredo Ramos, havia proferido as seguintes palavras para ele: ‘foda-se macaco’. Neste momento paraliso a partida e chamo os jogadores envolvidos para relatarem o que havia acontecido, sendo que o jogador Edenilson Andrade dos Santos, confirma as palavras anteriormente citadas e o jogador Rafael Antônio Figueiredo Ramos, afirma que houve um mal-entendido devido ao seu sotaque (português) e diz ter proferido as seguintes palavras ‘foda-se caralho’. Devido a distância dos atletas e barulho da torcida nem eu, nem outro integrante da equipe de arbitragem consegue ouvir ou perceber qualquer das palavras acima citadas. Então dou continuidade a partida”, relatou Bráulio.

Após o apito final, Edenilson prestou depoimento e registrou um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil. Rafael Ramos foi preso em flagrante pelo crime de injúria racial contra o volante e foi liberado mediante ao pagamento de fiança de R$ 10 mil.

Justiça Comum

Além da esfera desportiva, o caso também está sendo investigado pela Polícia e pode haver processo penal.

O advogado criminalista João Paulo Martinelli explicou o que deve acontecer.

“Haverá uma investigação policial, um inquérito, e a partir daí o Ministério Público pode oferecer uma denúncia por crime de racismo. Nesse inquérito será ouvido o árbitro, pessoas próximas e os principais envolvidos. Se o juiz receber a denúncia, haverá um processo e o jogador do Corinthians (Rafael Ramos) se tornará réu de uma ação penal”, afirma.

É importante diferenciar a injúria racial do racismo. A diferença consiste basicamente na vontade do agente. Quando se trata de injúria qualificada é de ofender a honra subjetiva exclusiva da vítima e não uma raça ou etnia como um todo, que é o caso de racismo. O crime de injúria racial qualificada está prevista no art.140, parágrafo 3, do Código Penal, e prevê a pena de reclusão de um a três anos e multa.

Abertura de inquérito

No dia 16 de maio, a Procuradoria do STJD solicitou a abertura de inquérito para apurar a denúncia de injúria racial de Rafael Ramos, do Corinthians, contra Edenilson, do Internacional.

No pedido, a Procuradoria reforçou que o inquérito é “o instrumento próprio para apuração da existência de infrações disciplinares ou sua consequente autoria”. Além disso, ela entende que “os fatos devem ser analisados com maior profundidade para que se prossiga com as medidas adequadas e apropriadas para a situação”.

“Ante à possibilidade da oitiva de mais depoimentos, bem como a reunião de novos documentos e mídias que corroborem com o depoimento do atleta Edenilson, em respeito à causa antirracista e à condução isenta dos procedimentos neste STJD, em especial por esta Procuradoria, faz-se necessária a apuração detalhada da prática da referida e repudiável conduta discriminatória”, justificou a Procuradoria.

Com o pedido de instauração de inquérito, a Procuradoria solicita os seguintes procedimentos:

a – oitiva dos atletas EDENÍLSON ANDRADE DOS SANTOS e RAFAEL ANTÔNIO FIGUEIREDO RAMOS, envolvidos diretamente nos fatos relatados na súmula da partida;

b – oitiva do árbitro e dos auxiliares que atuaram na partida realizada entre as equipes do Internacional (RS) e Corinthians (SP);

c – a juntada da súmula da partida realizada entre as equipes do as equipes do Internacional (RS) e Corinthians (SP), no dia 14/05/2022;

d – a colheita e a exibição das imagens de vídeo, bem como dos áudios disponíveis, inclusive dos microfones de toda a equipe de arbitragem, dos meios de comunicação, da equipe mandante, do estádio, e de todos demais que possam auxiliar este inquérito;

e – sejam oficiadas as autoridades responsáveis pelas investigações criminais em curso, inclusive a a 2ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre;

f – sejam determinados atos complementares, se necessário, e a designação de auditor processante, na forma prevista nos artigos 81 e 82 do CBJD.

Crédito imagem: Getty Images

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