O Ministério Público de Milão encaminhou nesta terça-feira (15) ao Ministério da Justiça da Itália o pedido de extradição e prisão internacional de Robinho e seu amigo Roberto Falco, ambos condenados em última instância, no dia 19 de janeiro, a nove anos de prisão por violência sexual em grupo contra uma mulher. Conforme o Lei em Campo explicou em outras oportunidades, a Constituição Federal de 1988 não permite que o jogador seja extraditado, no entanto, o país europeu pode pedir para que a pena seja cumprida em solo brasileiro.
O que pode acontecer com Robinho?
O grande problema do caso envolvendo o ex-jogador do Santos e do Milan é que graças a um conflito de leis, há muito insegurança jurídica. Apesar disso, especialistas avaliaram o que pode acontecer com Robinho já que ele não pode ser extraditado para a Itália.
“Como não cabe a extradição, a justiça italiana pode solicitar a transferência de execução (por meio da Lei de Imigração 13.445/2017, arts. 100 e 101), ou seja, executar a pena aqui já que não pode ser executada lá”, avalia o advogado criminalista João Paulo Martinelli.
“Considerando a interpretação dada até agora pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), de que a Transferência de Execução de Pena também pode se dar em casos de brasileiros natos, todos os demais requisitos parecem presentes no caso. Assim, parece alta a probabilidade de a condenação italiana ser homologada, com a subsequente expedição de mandado de prisão”, considera o advogado Davi Tangerino.
“O nosso Código Penal fala da homologação da sentença estrangeira exclusivamente para fins de medida de segurança ou reparação do dano (art. 9º). Dessa forma, não cabe a homologação de sentença estrangeira para a execução de pena de reclusão. Se esse processo for encaminhado ao Brasil para fins de reparação do dano, há quem suscite a possibilidade de o próprio Ministério Público apresentar uma nova denúncia e instaurar um novo processo penal aqui, pelos mesmos fatos, para chegar a uma condenação com as provas que foram obtidas na Itália. Particularmente, não tenho registro de um caso similar, tenho registros de outros casos em que a cooperação foi solicitada e brasileiros foram inteiramente processados, condenados e cumprem pena aqui. O caso do Robinho é complexo, não tem um precedente”, conta Cecília Mello, advogada e ex-desembargadora no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Segundo o artigo 9º do Código Penal Brasileiro, “a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para: I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; II – sujeitá-lo a medida de segurança. Parágrafo único – A homologação depende: a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça”.
No acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre Brasil e Itália, feito em 1989 e modificado em 1993, ficou definido no parágrafo 3º do artigo 1º, que “a cooperação não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações”.
No entanto, a Lei de Migração (13.445/17), nos artigos 100 a 102, prevê a transferência de execução de pena para os casos em que a extradição não é possível devido à nacionalidade.
Ao ser questionado pelo Lei em Campo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que inúmeros brasileiros que cumprem pena no exterior solicitam para serem transferidos para o Brasil por meio do instituto da transferência de pessoas condenadas prevista nos artigos 103 a 105 da lei 13.445/17 e também em tratados internacionais firmados pelo Brasil. Esse instituto possibilita ao condenado cumprir a pena em seu país de origem.
“No caso em que há uma sentença de outro país contra um brasileiro e ele já se encontra no Brasil, uma vez que não é possível a extradição, o Estado estrangeiro poderá solicitar a transferência de execução de pena prevista nos artigos 100 a 102 da lei 13.445/17 para que essa pena seja transferida e aplicada no Brasil. O pedido deve partir do Estado estrangeiro e ser enviado ao Brasil por via diplomática ou diretamente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública”, explicou a pasta.
“Para ser preso no Brasil é necessário que haja homologação da sentença condenatória aqui. A homologação é o ato de transformar a sentença estrangeira em documento nacional para ser cumprido. A nova lei do estrangeiro e o acordo de cooperação entre Brasil e Itália permitem que a pena seja cumprida aqui, mas o trâmite é muito moroso”, explica Martinelli.
“Toda essa discussão tem levado a questionamentos sobre uma forma de homologar integralmente a sentença condenatória aqui no Brasil, para fins de execução da pena em sua plenitude. De qualquer maneira, a iniciativa deve partir do Estado italiano e, assim, parece que vai ocorrer. Teremos uma discussão ampla sobre o tema, inclusive sobre a necessidade de talvez modificarmos a nossa legislação”, analisa Cecília Mello.
Segundo uma apuração do ‘UOL Esporte’, nos últimos três anos (de janeiro de 2019 a janeiro de 2022) a Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República (SCI – PGR) recebeu somente um pedido de transferência de execução da pena. O pedido foi feito pela Suíça e está tramitando no STJ.
De acordo com a Secretaria de Cooperação Internacional da PGR, “a transferência de execução de pena envolve a homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Porém, não há prazo para o trâmite do processo, que segue as regras do Tribunal e as especificidades do caso concreto”.
Em entrevista ao ‘ge’, em janeiro, o diretor-geral de relações internacionais e cooperação judiciária do Ministério da Justiça da Itália, Stefano Opilio, ressaltou: “no caso da impossibilidade da extradição, vamos pedir a execução da pena no Brasil”
Relembre o caso
O caso aconteceu na boate Sio Café, durante a madrugada do dia 22 de janeiro de 2013. Na época, a vítima, uma jovem albanesa, comemorava seu aniversário de 23 anos. Além de Falco e Robinho, um dos principais jogadores do Milan na ocasião, outros quatro brasileiros foram denunciados por terem participado do ato. Como todos já haviam deixado a Itália no decorrer das investigações, eles não foram acusados, sendo apenas citados nos autos do processo.
Em novembro de 2017, Robinho e Falcon receberam o primeiro veredicto, do Tribunal de Milão, após longa investigação da justiça italiana: foram condenados a nove anos de prisão por cometerem violência sexual em grupo. A corte se baseou no artigo “609 bis” do código penal italiano, que fala da participação de duas ou mais pessoas reunidas para ato de violência sexual, forçando alguém a manter relações sexuais por sua condição de inferioridade “física ou psíquica”, no caso sob efeito de bebidas alcóolicas. Já o parecer da segunda instância, Corte de Apelação, ocorreu em 2020.
O último capítulo dessa triste história foi escrito em 19 de janeiro. A Corte de Cassação não aceitou o recurso dos advogados do jogador e confirmou a condenação de Robinho e Roberto Falco.
Crédito imagem: Getty Images
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