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Com que calçado eu vou?

Agora vou mudar minha conduta”. Assim Noel Rosa inaugura os versos da canção “Com que roupa?”. Mas talvez essa frase possa ter que se aplicar também ao atleta Jô em relação à escolha de suas chuteiras.

Na partida contra o Bahia, realizada no último fim de semana, o atacante do Corinthians tornou-se o centro das atenções, e todos os olhares voltaram-se para os seus pés. Não por sua atuação propriamente dita, por algum lance de destaque ou por qualquer gol marcado; o que parecia importar (e incomodar) era a cor da sua chuteira.

O verde identificado por torcedores causou reações negativas devido à rivalidade com o Palmeiras. O jogador, por sua vez, pronunciou-se afirmando que a chuteira era azul turquesa e que “jamais usaria uma chuteira verde”, pois “não desrespeitaria a torcida e muito menos a tradição do time”. Não parece ter sido suficiente: o clube alvinegro emitiu nota oficial comunicando a aplicação de advertência e multa ao atleta.

Não entraremos aqui no mérito da cor da chuteira – se era verde, azul ou qualquer outra. Tampouco pretendemos nos aventurar a definir se o uso de um item de cor verde configura “desrespeito” (usando o termo mencionado pelo próprio jogador) ao clube e à sua torcida. A questão é: qual seria a base legal para essa punição?

Primeiramente, é preciso lembrar que a chuteira é o único item do uniforme básico de um jogador de futebol em relação ao qual ele possui liberdade na escolha do que vai usar. Camisa, calção e meias são fornecidos pelo clube, a quem compete definir o fornecedor, as cores, o design e as marcas ali expostas. Não por acaso, é nas chuteiras que os fornecedores de materiais esportivos que patrocinam atletas veem a oportunidade de destacar suas marcas, mesmo que os jogadores atuem por equipes cujos uniformes sejam fornecidos por concorrentes – o que, inclusive, leva à multiplicação do uso de cores mais chamativas (sejam elas verdes, azuis ou de quaisquer outros tons).

Dito isso, e retomando a pergunta anterior, é de se presumir que a multa anunciada pelo clube tenha como base legal cláusulas previstas no(s) contrato(s) em vigor entre ele e o atleta. O plural se justifica na medida em que usualmente os jogadores de futebol, além do contrato de trabalho, celebram junto à entidade de prática desportiva contrato de natureza civil que tem como objeto a cessão do uso de imagem. Nesse contexto, e considerando a relevância econômica da associação de imagem entre clube e atleta, é razoável admitir que o instrumento contratual estipule algumas vedações ao jogador – dentre as quais se supõe que possa figurar a proibição de uso de equipamentos de determinada cor, sob pena de multa em caso de inadimplemento.

Conforme acima exposto, o calçado é uma importante ferramenta para exibição de marcas de materiais esportivos. A ponto de causar não apenas a polêmica desta semana, mas também outras em modalidades esportivas distintas.

Outro exemplo foi a recente notícia de que os jogadores e as jogadoras das seleções brasileiras de voleibol seriam obrigados(as) a usar tênis fornecidos pela patrocinadora da confederação, sob pena de redução de suas remunerações. Aparentemente, não se tratava tecnicamente de uma imposição, mas de uma escolha: a manutenção da remuneração em sua integralidade ou a liberdade de exibir a marca de empresas concorrentes em seus tênis. A iniciativa desagradou aos atletas, inclusive porque alguns são patrocinados por outras marcas e contam justamente com a utilização de tênis por elas fornecidos como uma contrapartida aos valores recebidos pelo patrocínio. Posteriormente, acabou sendo liberada a escolha dos calçados pelos atletas.

Mais uma vez sem entrar na análise subjetiva sobre a conveniência da adoção dessa medida, vale perguntar: haveria alguma ilegalidade na iniciativa da confederação? A relação jurídica entre entidade de administração do desporto e atletas costuma ser bastante distinta daquela em que figura como contratante uma entidade de prática desportiva; e usualmente os contratos que regem a relação entre as partes são de natureza civil, não se estabelecendo vínculo empregatício. Partindo da premissa de que as partes tenham celebrado um contrato nesses termos, a princípio seriam válidas cláusulas que impusessem aos atletas obrigações de usar equipamentos e expor marcas de patrocinadores da entidade, como contrapartida ao recebimento de remuneração.

Enfim, seja no futebol, no voleibol ou em qualquer outra modalidade, o exame de situações como essas sob a ótica jurídica depende das circunstâncias verificadas no caso concreto e, fundamentalmente, da análise do(s) contrato(s) celebrado entre as partes envolvidas. Daí a importância da elaboração de instrumentos contratuais bem desenvolvidos e que expressem corretamente o acordo entre as partes. Somente assim ficam claras as obrigações de cada um, e se responde objetivamente aos atletas com que calçados (e eventuais cores) eles vão ao campo (ou quadra) de jogo.

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