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Combate ao racismo: uma luta de todos, do esporte e do futebol

Por Rafael Teixeira Ramos & Ana Cristina Mizutori

A partida entre Flamengo e Bahia ocorrida no dia 20 de dezembro pelo Campeonato Brasileiro 2020 foi marcada pelo fato de que o atleta do time baiano – Ramirez, teria cometido injúria racial contra o jogador do clube rubro negro – Gerson.

O recente e expressivo ato de protesto contra ofensa racista cometida pelo quarto árbitro em uma partida da Champions League, que ocasionou na saída dos atletas e membros da comissão técnica do PSG e Instanbul Basaksehir do campo, interrompendo o curso da partida, parece não ter sido suficiente para reforçar que não há mais espaço para atos de racismo, e que tais posturas não serão mais toleradas.

Nos últimos anos, após diversos e lamentáveis acontecimentos discriminatórios, as manifestações antidiscriminatórias surgem com progressivo rigor. Nota-se cada vez mais rechaçadas as atitudes, direta ou indiretamente, que ocasionem alguma das diversas formas de marginalização de etnias, “raciais”, culturais, certos grupos de indivíduos ou quaisquer outras formas.

No ordenamento jurídico vigente, tem-se previsão legal de punição a partir do âmbito constitucional, mas também especificamente por via do direito penal, civil, trabalhista e desportivo.

O artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal preconiza que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção ao “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Ainda, a Carta Magna, em seu artigo 5º consagra que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”.

O artigo 20 da Lei 7.716/89 alterada pela Lei nº 9.459/97 prevê que “aquele que pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, imputa-se o crime de racismo, podendo ser apenado com reclusão de um a três anos e multa.”

A caracterização do racismo reside no objetivo de ofender uma raça como um todo. Portanto, para que o bem jurídico tutelado seja atingido no racismo, necessário se faz que a conduta do agente seja um preconceito ou discriminação contra uma raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional amplamente abrangente – como um todo.

Por sua vez, a injúria qualificada prevista no artigo 140, §3º do Código Penal impõe que àquele que “injuriar alguém em específico, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro através de palavras ou frases depreciativas e/ou pejorativas no tocante à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, poderá incorrer na pena de reclusão de um a três anos e multa.” Uma das diferenças entre a injúria qualificada e o racismo consiste na intenção de ofender a honra subjetiva de outra pessoa, portanto, de humilhar o ofendido, atacá-lo através da hostilização de seus aspectos raciais.

A objetividade jurídica do racismo compreende a dignidade da pessoa humana, igualdade substancial, proibição de comportamento degradante, não segregação, enquanto que na injúria qualificada o bem jurídico tutelado consiste na honra subjetiva e a imagem da pessoa ofendida.

A prática do racismo constitui crime inafiançável, imprescritível (art. 5°, XLII da CF/88) e compreende crime de ação penal pública incondicionada, sendo imprescindível a existência de dolo como elemento subjetivo para este tipo penal. Assim, na injúria racial se exige dolo específico para macular a honra subjetiva de outrem, ao mesmo passo que é crime de ação pena pública condicionada à representação do ofendido.

O artigo 953 do Código Civil impõe ao ofensor o dever de indenizar o ofendido pelos danos morais sofridos em crimes contra à honra. Portanto, aquele que sofrer injúria, difamação ou calúnia poderá pleitear a reparação do dano através da indenização correspondente, imputada em face do agressor. O parágrafo único do referido dispositivo legal prevê ainda que caso o ofendido não possa comprovar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar o valor da indenização com base nas circunstâncias do caso.

A injúria racial ou racismo ofendem à diversidade na tentativa de depreciar outrem, estigmatiza-lo, inferiorizá-lo em razão de determinadas características físicas e/ou peculiaridades.

Nesses termos, resta devida a indenização por danos morais ao ofendido, tanto como caráter pedagógico – como forma de coibir que tal conduta se repita, também como compensação financeira ao ofendido.

Sem prejuízo da aplicação de todos os dispositivos legais acima citados, no âmbito do direito desportivo, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, em seu artigo 243-G impõe a possibilidade de suspensão de cinco a dez partidas ao atleta, treinador, médico ou membro de comissão técnica que praticar ato discriminatório, ultrajante, desdenhoso ou relacionado a preconceito de origem étnica, raça, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Ainda, sob a ótica dos princípios e direitos fundamentais no espectro do Direito do Trabalho, ofensas raciais no ambiente laboral consistem em ato lesivo da honra praticada em serviço, ato de improbidade e de indisciplina (art. 482, a), h) j)), – hipóteses específicas de justa causa. Uma vez caracterizado e comprovado o ilícito trabalhista o empregador pode proceder à cessação do contrato de trabalho por justa causa.

O técnico do tricolor baiano teve seu contrato de trabalho encerrado tão logo o fatídico ocorrido. Apesar de inexistir confirmação a respeito do motivo da demissão de Mano Menezes, é bem possível que o Esporte Clube Bahia se valesse de tal medida como forma de afugentar qualquer postura inadequada do técnico, mormente no tocante a um assunto tão caro ao clube.

Caso se confirme, a injúria a qual teria sido proferida por Ramirez contra Gerson, agravada pela ofensa racial, traduz-se em lamentosa situação, sobretudo porque, o atleta ofensor representa a camisa do Esporte Clube Bahia, cuja localização geográfica conta com relevante histórico de descendência africana.

No esporte, os casos de racismo ou injúria qualificada (agravada pela ofensa racial) ocorrida durante disputas e/ou entre membros da comunidade esportiva, além de violar todos os dispositivos legais descritos acima, afronta diretamente os preceitos e os princípios do desporto.

Os atletas e pessoas que integram o setor são responsáveis por movimentar um mercado em que circula receitas expressivas e atrai a atenção de grandes massas, formada por pessoas das mais diversas idades e classes sociais.

Muito mais do que entretenimento, o esporte abrange uma dimensão tamanha que ocupa, perante a sociedade, um pilar capaz de difundir informações. Por este poder de influência sobre massas, o esporte representa um poderoso aliado no combate à discriminação, desde mensagens educativas e punições ostensivas à campanhas publicitárias e atos de protesto.

O mundo não tolera mais práticas discriminatórias. O esporte, por meio de sua função social, através de diversas formas de protesto, tem rechaçado cada vez mais tais condutas.

O futebol, no que lhe toca, tem como constituição histórica grandes nomes, jogadores das mais diversas regiões, sendo certo que prevaleceram as suas habilidades e aptidões técnicas, independentemente de raça, cor, etnia ou crença.

No Brasil, o combate ao racismo não é mais uma opção. Medidas de repulsa à práticas de condutas racistas devem ser adotadas com veemência. O esporte – sobretudo o futebol, transpõe-se como aliado nesse destacado enfrentamento, em respeito à conjuntura histórica, arraigado através de memoriosa luta, bem como, em vista à expressiva quantidade de brasileiros negros e pardos.

Portanto, o esporte, em sua função social precípua, deve promover medidas instrutivas e edificantes no confronto ao desprezo de determinadas etnias.

Quando se trata de luta contra atos racistas, esta é uma luta de todos, é também do esporte e do futebol.

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