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Começou o Campeonato Brasileiro: quem ama, deveria cuidar

No último final de semana, a bola rolou para o Campeonato Brasileiro de 2024. Tenho certeza que, para a maioria dos torcedores, a sensação de “finalmente!” foi inevitável. E por qual motivo? Pela sensação de tempo perdido com os campeonatos estaduais. Não pretendo com esta afirmação defender a sua abolição (muitos deles são efetivamente charmosos e funcionam para manter acesa a chama das rivalidades locais), mas apenas que a manutenção da configuração atual não mais se justifica, especialmente porque tumultua o calendário das competições mais importantes do ano. E já passou da hora de se reorganizar o calendário do futebol brasileiro, o qual precisa refletir as mudanças experimentadas no cenário do futebol nacional nos últimos anos.

No recorte histórico dos anos 90, por exemplo, os campeonatos estaduais (e essa lembrança é muito viva em minhas recordações afetivas de infância e adolescência) gozavam de inabalável prestígio. Ocupavam quase metade do calendário anual. A Copa Libertadores não era uma obsessão como agora. Eram pouquíssimas as vagas e era relativamente comum as equipes privilegiarem as competições locais em detrimento da competição continental, escalando equipes reservas ou mistas nesta última.

A partir dos anos 2000, o futebol brasileiro foi, paulatinamente, se “nacionalizando”. Especialmente a partir de novos acordos com as emissoras de televisão e a maior difusão da TV à cabo, as cotas e premiações para o Campeonato Brasileiro e para a Copa do Brasil aumentaram exponencialmente. Com as mudanças implementadas pela CONMEBOL no sentido de ampliar o número de participantes da Copa Libertadores e a mais recente consolidação da Copa Sudamericana, além do aumento das premiações pagas a cada avanço de fase eliminatória, as competições nacionais e continentais tornaram-se as “galinhas dos ovos de ouro” dos clubes. Com isso, os campeonatos estaduais, com raríssimas exceções, nitidamente perderam atratividade e sofreram paulatino enxugamento. O campeonato carioca, a título ilustrativo, embora ainda seja um relativo sucesso de público, especialmente após as controvérsias envolvendo a MP do Mandante à época da pandemia da COVID-19, praticamente tornou-se um campeonato que não paga premiação ao vencedor.

Ocorre que, mesmo com a redução do tamanho dos campeonatos estaduais, estes ainda absorvem quase 4 meses do calendário, consumindo cerca de 15 datas, (fora os “meios de semana” livres), as quais fariam toda a diferença para a devida valorização do produto principal, que é o Campeonato Brasileiro. A CBF, neste ponto, maltrata suas próprias competições ao incorporar o lobby das Confederações estaduais por questões eleitorais.

Voltemos ao início. Com o fortalecimento das competições e das rivalidades nacionais e, com os estaduais ainda pouco enxutos, o Campeonato Brasileiro (38 datas), a Copa do Brasil e as Copas continentais ficam “espremidas” no calendário em um período de pouco mais de 7 meses. Para que se note a discrepância: as cerca de 15 datas dos estaduais consomem quase 4 meses, ao passo que, caso uma equipe avance às fases finais de todas as competições, terá de disputar mais de 50 partidas em cerca de 7 meses até o final do ano.

Fica claro que os estaduais, caso mantidos, precisam ser ainda mais encurtados para cerca de metade das datas atuais, funcionando apenas como uma pré-temporada ou preparação para as competições nacionais. Vale frisar, nesse ponto, que o velho argumento de que as equipes menores precisam dos campeonatos estaduais para sobreviver não merece guarida. As equipes de menor investimento precisam, em verdade, de um calendário completo espalhado ao longo do ano, que lhes garantam rentabilidade e a real possibilidade de participar de competições. Manter o formato atual dos campeonatos estaduais, pouco rentáveis e atrativos, prejudica as equipes de maior porte e não resolve os desafios daquelas de menor investimento, pois sua subsistência não se garante de janeiro a abril. Um país continental como o nosso, não deveria ter apenas quatro divisões do Campeonato Brasileiro estruturadas pela CBF.

 Nossa proposta possibilitará que as datas do calendário nacional e internacional possam ser “espalhadas” ao longo do ano e, ao final, que o produto nobre do futebol nacional, o Campeonato Brasileiro, não seja relegado a segundo plano.  Este vem sendo constantemente preterido pelas copas e disputado por grande parte das equipes sem sua força máxima. O campeão brasileiro não pode ser a equipe que mais cedo foi eliminada das copas. Inevitável a lembrança do último Campeonato Brasileiro (2023), quando a partir das 10 rodadas finais, com as praticamente todas as equipes “liberadas” das copas, a competição ganhou em emoção e parecia imprevisível àquela altura, com as equipes disputando os jogos finais com total foco e vários candidatos reais ao título na efetiva disputa. No entanto, infelizmente, esse não era o recorte do real Brasileirão como disputado na maior parte do tempo.

Desconsiderando o debate sobre a criação da Liga de clubes, que ficará reservado para uma futura coluna, a CBF precisa implementar esforços, juntamente com as agremiações, para valorizar seu melhor produto. Neste ano, ainda teremos a Copa América (a FIFA estabelece em seus regulamentos que as convocações são obrigatórias) como agravante, a qual deixará várias equipes desfalcadas por quase 10 rodadas, afetando seriamente o mérito desportivo e o equilíbrio competitivo. É preciso avançar na qualidade dos gramados, no aprimoramento da arbitragem e na introdução de tecnologias mais modernas e confiáveis no VAR que possibilitem menor interferência humana, na segurança dos eventos (a CBF acaba de alterar seu RGC para terceirizar aos clubes tal responsabilidade para além do entorno dos estádios, ao invés de trabalhar juntamente com as autoridades de segurança pública), no estabelecimento de regras de fair play financeiro, na paralisação completa das competições das datas FIFA, no combate à manipulação de resultados e na melhor organização do calendário.

Todos amamos o Campeonato Brasileiro. Mas como diz o ditado, “quem ama cuida“. No entanto, o produto prime do futebol nacional vem sendo muito maltratado. Vale a reflexão. Racionalizar o calendário deveria ser o primeiro passo.

Crédito imagem: CBF/Divulgação

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