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Como explicar a intervenção do Estado Novo no esporte?

Na última coluna continuei a falar acerca da chamada Cisão Esportiva ou Dissídio Esportivo que se deu no início do século XX. As disputas entre os dirigentes de Fluminense (Guinle) e Botafogo (Meyer) seriam resolvidas ainda no seio da organização autônoma do esporte, conforme pacto proposto por Vasco da Gama e América do RJ.

Mas como o futebol chegou a esse ponto tão grave de divisão? Alchorne de Souza (O Brasil entra em ação! Construções e reconstruções da identidade nacional (1930-1947). São Paulo: Annablume, 2008, p. 44) conta que Arnaldo Guinle era contrário ao profissionalismo, ao ponto de sua Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA) ter expulso o Vasco da Gama de seus quadros por sua postura pró-atletas profissionais. Ocorre que seu arquirrival Rivadávia Meyer já havia tomado a AMEA de Guinle em 1932. O dirigente do Fluminense passa então a surpreendentemente defender o profissionalismo como forma de retomar o controle do futebol no seu estado.

O movimento para a criação do profissionalismo começou quando Arnaldo Guinle e seu grupo perceberam que poderiam dominar o campo esportivo se criassem uma nova liga de futebol. Sabiam que o profissionalismo era uma questão de tempo. Porém, naquele momento, a AMEA era o órgão responsável pelos esportes no Rio de Janeiro, e o grupo de Guinle levava uma grande desvantagem no interior da associação. Criar uma nova liga também significava esvaziar o poder de oponentes como Rivadávia Correa Meyer, Paulo Azeredo e João Lyra Filho, todos ligados ao Botafogo (id. ibid., p. 44).

Antes de continuar nesta história, chamo atenção de que, na passagem acima, já surge o nome do Pai Fundador do Direito Esportivo no Brasil, João Lyra Filho, justamente como dirigente do Botafogo e aliado ao grupo de Rivadávia Meyer em oposição ao de Guinle.

Voltando, pois, ao Dissídio Esportivo dos anos de 1930, como contei na coluna passada, Guinle e Meyer dividem totalmente a organização do futebol entre profissionalistas (FBF) e amadoristas (CBD), e essa extrema desorganização acaba por resvalar no próprio Movimento Olímpico Brasileiro.

Em meu livro “Constituição e Esporte no Brasil” (Ed. Kelps, 2017), pode-se ler que surgem dois fatos importantes nesse momento da Cisão Esportiva: (i) a participação de Luiz Aranha, presidente da Federação de Atletismo do Rio Grande do Sul, na assembleia do CND de 1933, chamada para deliberar acerca das desfiliações dos clubes pela AMEA; e (ii) o pedido de militares a Getúlio Vargas por uma intervenção total do Estado no esporte.

Luiz Aranha, irmão de um dos principais nomes da Revolução de 30, Oswaldo Aranha, era ligado ao Clube 3 de Outubro, movimento remanescente do tenentismo que havia auxiliado na vitória da Revolução de 1930 e que tinha forte ascensão sobre o governo. Desfrutava da confiança de Getúlio Vargas, que já o havia convidado para assumir funções de proa, como a própria chefia da Casa Civil da Presidência (id. ibid.,p. 47). Rivadávia percebe a importância de Luiz Aranha e o alça à presidência do Conselho Administrativo da CBD, o que acarreta na renúncia do presidente da entidade, Renato Pacheco.

Assim, Guinle passa a ter o controle do campo que reúne os mais representativos setores do esporte, porém sem poder se vincular ao sistema FIFA, e Rivadávia determina os rumos da CBD, filiada à FIFA, mas pouco representativa. O problema de legitimidade interna da CBD passa a ser resolvido com sua proximidade com Luiz Aranha e a liderança do governo Vargas.

Quanto à intervenção total do governo no esporte sugerida pelos militares, conforme narra Alchorne de Souza (ibid., p. 51), no final de 1934, o Ministério da Marinha remeteu aos dirigentes esportivos um projeto pelo qual os esportes passariam a ser comandados por um Conselho Supremo formado por membros do governo e dirigentes esportivos ainda em conflito. Luiz Aranha propõe outra saída, de modo que, em vez do “esporte oficial” dos militares, defendia o “esporte oficializado”: “os clubes permaneceriam em poder da iniciativa particular, e que o papel do Estado seria de dar reconhecimento e apoio econômico às práticas desportivas” (id. ibid., p. 47). Porém, o Estado fiscalizaria as entidades e delas cobraria uma postura patriótica. Depois, em 1936, o deputado federal paranaense Paula Soares propõe uma emenda dando plenos poderes ao governo sobre os esportes, conforme noticia o Jornal dos Sports de 17 de outubro daquele ano, indicando que o parlamentar cogitava a criação de um Departamento Nacional de Sports no Ministério da Educação para oficializar o esporte nacional, mas que aguardaria ainda a posição dos dois lados da Cisão Esportiva quanto a uma possibilidade de prévia conciliação.

Ocorre ainda a enorme confusão causada nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, em que duas delegações distintas de atletas e entidades brasileiros chegam à Alemanha. Em 1935 o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) é reorganizado pelo grupo de Guinle e organiza uma delegação. Do mesmo modo, a CBD envia outra equipe. Os jogos de Hitler assistiram a um verdadeiro pandemônio por parte dos brasileiros, e o representante oficial do governo Vargas no evento era nada mais nada menos que Lourival Fontes, chefe do Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que viria a se tornar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Um notório fascista.

Isso teria sido a gota d’água para a decisão de Getúlio Vargas de intervir diretamente do esporte.

Aqui é onde entra justamente a proposta de Vasco da Gama e América RJ para recompor o setor esportivo brasileiro contra a intervenção estatal em 1937. Esse pacto dura somente quatro anos, até 1941, quando definitivamente o Estado Novo impõe a tutela esportiva.

Esse será o nosso assunto para a próxima semana.

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