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Como foi possível ao governo decidir quem foi o Campeão Brasileiro de 1987?

Iniciada a fase de submissão da Pirâmide Olímpica no Brasil ao Estado, ou seja, a partir do momento em que o Decreto-lei n. 3.149, de1941, começa a viger, passava a ser motivo de atenção dos gestores do governo da área o funcionamento de uma justiça esportiva.

O ambiente de crescente profissionalização no futebol e necessidade de maior controle do Estado Novo sobre o setor esportivo geraria quase que naturalmente a criação de um aparato parajudicial para processamento e julgamento de infrações disciplinares e conflitos ocorridos durante as competições esportivas.

Foi sobretudo após a renúncia de Luis Aranha ao comando do Conselho Nacional dos Desportos (CND) que o Estado passa a ter maior projeção enquanto última instância da justiça esportiva brasileira.

O fato de João Lyra Filho ainda ter assumido o comando do colegiado ainda no início dos anos de 1940 dá início ao caráter de “tribunal” ao CND.

É justamente esta premissa que servirá mais de 40 anos depois para que, já sob a presidência de Manoel Tubino, o CND declare um clube como Campeão Brasileiro de Futebol (esta história eu prometo contar em detalhes mais à frente, mas já está lá no meu último livro, Constituição e Esporte no Brasil, Ed. Kelps, 2017).

Pretendo a partir desta edição da Coluna contar como este aparato “judicial” foi sendo montado pelo Estado brasileiro para dotá-lo também do controle da justiça esportiva no país.

Para muitos, o Decreto-lei n. 3.199, de 1941, teria criado o modelo de justiça esportiva que desde então imperaria no país. Entretanto, há que se ler o texto desta norma com atenção, porque nela não se verifica menção, ainda que subtitular, acerca do instituto, sua organização, procedimento e sanção em matéria disciplinar.

Valed Perry (Futebol e Legislação Nacional e Internacional. Rio de Janeiro, 1973, p. 46) diz que efetivamente a justiça esportiva brasileira só foi organizada quatro anos após a edição daquele Decreto-lei, ou seja, em 1945. Estranhamente, o texto do Decreto-lei de 1941 havia deixado em aberto a continuidade do regime em que as entidades de administração do esporte se regiam quanto à matéria de disciplina em competições em uma situação de liberalidade. A própria Portaria do Ministro da Educação e Saúde n. 254, de 3 de outubro de 1941, editada já sob a vigência daquele Decreto-lei, ao regular a forma como as confederações e federações deveriam redigir seus estatutos (ato mais do que intervencionista), dispôs acerca da justiça esportiva do seguinte modo:

8. As confederações e federações adotarão um código de disciplina e de penalidades, que será aplicado pelas federações e associações que lhe forem direta ou indiretamente filiadas, e bem assim um manual que especifique lodos os direitos e deveres dos atletas profissionais.

Ou seja, liberdade total para que cada confederação adotasse suas próprias regras de disciplina e justiça esportiva.

Assim, o “problema” da liberalidade na organização de tribunais esportivos e no regramento do tema disciplinar por parte das entidades nacionais de administração do esporte, somente foi “corrigido” em 1945 com a Resolução do Conselho Nacional do Desporto n. 48/45. Esta norma tornou o referido órgão estatal colegiado o órgão de cúpula da justiça esportiva brasileira.

Como você deve estar lendo na minha coluna, as razões para este “endurecimento” podem ser encontradas tanto em uma situação fática como em um duplo compromisso ideológico dos principais artífices do movimento esportivo nacional.

Do ponto de vista fático, como o profissionalismo ainda dava seus primeiros passos no futebol e em outras poucas modalidades, a preocupação inicial do Estado Novo foi se apropriar da autoridade do movimento esportivo nacional, subordinando verticalmente todas as entidades nacionais e regionais a um comando único e centralizado realizado pelo CND, sob a direção de “sportsmen” de sua confiança. Relegou-se, talvez ainda por certo desinteresse, a justiça esportiva a um segundo plano quanto ao controle do Estado.

Conforme já abordado acima, Valed Perry considera que nem mesmo uma justiça esportiva existia antes de 1945. Antes da centralização de seu comando a cargo do CND não existia ou não condizia com aquela noção de que sociedade civil e Estado se confundiriam, como defendiam os revolucionários de 1930.

Este era um problema crucial enfrentado por Lyra Filho à frente da missão que desempenhava perante o Estado Novo. Deveria ele manter a adoção de uma linha de pensamento afeita à “culturologia” de Oliveira Vianna, que não vislumbrava possibilidade de emancipação da sociedade frente ao Estado naquele momento de transição? Tese essa que derivou no chamado “insolidarismo social do brasileiro”, resultando nos extremos de centralização nas mãos do Estado de tarefas que poderiam ser resolvidas fora de seus umbrais. Ou, ao contrário, manter-se-ia fiel ao princípio da autonomia das organizações esportivas?

Ainda que a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) pudesse ter se beneficiado, ao menos momentaneamente, com a intervenção do Governo Vargas no ambiente esportivo, tratava-se, neste caso, de ataque direto ao núcleo duro da autonomia esportiva. A intervenção, neste caso, se dava justamente contra a possibilidade de as entidades de administração do esporte manterem sua autarquização frente ao Estado quanto ao controle do que ocorria em matéria disciplinar em suas competições. Era uma retirada de prerrogativa própria do nascente sistema transnacional do esporte e repassá-lo ao Estado brasileiro, tornando-o, inclusive, revisor das decisões tomadas no âmbito da justiça esportiva das entidades.

Este dilema acompanharia o acadêmico João Lyra Filho frente às decisões do gestor governamental João Lyra Filho.

Espere para poder ler o desenrolar deste enredo nas próximas colunas.

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