Por Higor Maffei Bellini
O esporte, como um todo, não se encontra localizado em uma dimensão paralela onde não é afetado pelos acontecimentos sociais e políticos ocorridos no planeta Terra. É por este fato que o esporte vem sofrendo as consequências dos protocolos municipais, editados para tentar barrar o avanço do novo coronavírus.
Assim, é nosso papel entender quais os protocolos destinados a tentar evitar a propagação da Covid-19, bem como os métodos e procedimentos adotados por um ente público, em quaisquer um dos três níveis governamentais, seja este do poder executivo, legislativo ou judiciário. Ou também por empresas sejam elas públicas, de economia mista ou privadas, visando preservar as pessoas que necessitam desenvolver as suas atividades naquele determinado local.
Estes protocolos podem entrar em vigor a depender da pessoa que os editar, podendo ser por meio de Medida Provisórias, leis ou ainda de decretos se vierem provenientes dos entes públicos, integrantes do poder executivo ou legislativo. Ou podem vir, para a mundo, por meio de resoluções administrativas ou portarias se expedidas por empresas e demais entidades de direito privado.
Em abril de 2020 o Supremo Tribunal Federal em decisão do ministro Alexandre de Moraes, … “assegurou aos governos estaduais, distrital e municipal, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios, competência para a adoção ou manutenção de medidas restritivas durante a pandemia da Covid-19, tais como a imposição de distanciamento social, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais, circulação de pessoas, entre outras. A decisão do ministro, a ser referendada pelo Plenário da Corte, foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 672, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra atos omissivos e comissivos do Poder Executivo federal, praticados durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia”. A decisão do STF está em sua página oficial, na internet, ao explicar o resultado do julgamento. (http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441075&ori=1 )
Em razão desta decisão os prefeitos passaram a ter competência, para dentro dos limites municipais, pelas quais são responsáveis em administrar, estabelecer as medidas ainda mais restritivas à realização de atividades e circulação de pessoas, que as adotadas em níveis federais e estaduais, visando os melhores locais para proteger a população. Trata-se, assim, de uma competência que pode ser considerada como concorrente, que ocorre quando todos os ententes podem legislar sobre um determinado assunto, como aquela existente para tratar das questões ambientais agora aplicada a saúde, segundo o artigo 24 XII da Constituição Federal, que assim determina:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
…
XII- previdência social, proteção e defesa da saúde.
É em razão deste artigo da Constituição Federal, aliado à decisão do STF, que os prefeitos podem editar os protocolos, determinando as medidas que naquela localidade devem ser obedecidas pelos clubes de futebol e outras entidades esportivas, que nela se encontram instaladas. Assim são obrigados a obedecê-las, bem como as equipes adversarias que até ali necessitam se deslocar para disputar uma partida ou uma competição completa.
Quando os protocolos municipais se encontram alinhados com os estaduais não existe maiores problemas para as equipes de futebol, posto que não havendo divergências as equipes daquele município têm a mesma realidade fática e jurídica, igual a das demais equipes de todo o estado. Estamos tratando da questão em nível estadual, porque ainda não se iniciou o Campeonato Brasileiro de Futebol masculino e ainda não retornaram os jogos da Copa Liberadores e da Copa do Brasil masculinas, bem como não foi reiniciado o Campeonato Brasileiro Feminino em qualquer uma das suas divisões.
Contudo, quando estes protocolos municipais estão desalinhados dos estaduais, trazendo mais restrições a circulação de pessoas e estabelecendo condições mais severas para a realização de atividades esportivas, surgem problemas para as equipes de futebol que se encontram sediadas naquele município ou que até ele precisam se deslocar para disputar as partidas.
Um exemplo de problemas que os protocolos municipais trazem para as equipes de futebol pode ser encontrado no município de Pelotas, no Rio Grande do Sul, que pelo seu conteúdo fez com que fosse determinado a suspensão da realização do clássico Bra-Pel, uma vez que um dos jogadores do jogadores da equipe do Pelotas foi diagnosticado com Covid-19, após ter participado de treino coletivo com os demais companheiros, no dia 14 de julho de 2020. Outro jogador da equipe do Brasil também testou positivo, na semana de 10 a 19 de julho de 2020.
Conforme o protocolo municipal estabelece os empregados das empresas (lembro que o jogador de futebol é um empregado do clube), quando diagnosticados devem ser afastados por quatorze dias, assim como aqueles outros empregados com quem teve contado, segundo o estabelecido no decreto municipal de número nº 6.267, de 22 de abril de 2020, com as mudanças subsequentes, o que pode e deve estar sendo aplicado por analogia, aos jogadores de futebol.
Assim, todas as equipes localizadas na cidade de Pelotas estão proibidas, de jogarem na cidade para poderem cumprir com o protocolo municipal. Dizemos na cidade porque se desejassem treinar e jogar em outra localidade poderiam, seja dentro do estado do Rio Grande do Sul ou em qualquer outro.
Por serem os protocolos municipais restritos a área da localidade em que foram editadas, pode acontecer de ao atravessar algumas ruas que estas restrições não sejam válidas, diminuindo assim as restrições que uma equipe tenha em relação a outra, ou que uma parte do elenco tenha em relação à outra.
Esta diferença de tratamentos que os municípios estão adotando, em relação às medidas de prevenção a propagação do coronavírus, estão afetando como os campeonatos estaduais de futebol, no ano de 2020, terminarão, posto que pode acontecer de equipes serem obrigadas a mudar de localidade, para poderem treinar, já que um município pode ter restrições a realização de atividades físicas, enquanto outros não. E a equipe precisar treinar para disputar o final do campeonato estadual, porque as demais equipes já estão treinando dentro de campo e fazendo treinos em conjunto, para acertar a parte coletiva da equipe.
Por este motivo as federações estaduais de futebol erram ao fazerem reuniões, visando o retorno das competições apenas com os secretários estaduais e os presidentes e diretores médicos das equipes, porque os clubes estão localizados em cidades e estas cidades podem não permitir a realização de atividades pelas equipes de futebol.
No estado de São Paulo, ainda existem cidades com times de futebol e que voltam a disputar o estadual dia 22, quarta-feira, mas que não poderiam treinar em suas cidades de origem porque estas estão em zonas de restrição à atividades físicas, fazendo com que as equipes sejam obrigadas a mudar de cidade para poderem treinar, como é o caso da Inter de Limeira, que está treinando em Sorocaba. Ou fazendo ainda com que que estejam treinando em suas cidades, com autorização especial da prefeitura, enquanto as demais atividades estão proibidas, em razão dos casos de Covid-19 na cidade.
Desta forma os protocolos das cidades relativos ao combate da Covid-19 estão afetando o futebol de diversas maneiras, impondo restrições aos atletas, que podem ser utilizados no caso de contato com pessoas que tenham a Covid-19, sejam estas pessoas contaminadas, outros atletas ou não, impondo aos jogadores que estes fiquem também em isolamento. Isso pode retirar das equipes o número mínimo de jogadores para iniciar um jogo e fazer com que seja necessário pedir pela entidade esportiva impossibilitada de se utilizar dos seus jogadores a remarcação do seu jogo, para evitar a ocorrência de um W.O. Este fato lhe causaria além da perda de pontos, as sanções administrativas e disciplinares estabelecidas nos regulamentos.
Outra mudança que a Covid-19 está trazendo ao futebol é a relativa a realização de treinamentos nas dependências do próprio clube, porque a entidade esportiva pode estar localizada em uma cidade onde está proibida a realização de prática de atividades esportivas, em razão do elevado número de casos naquela localidade. Provocando assim, ainda que de forma momentânea, uma perda de identidade dos clubes com a sua torcida.
Podem provocar ainda a mudança do local de disputa da partida, porque o estádio onde a equipe manda os seus jogos está localizado em um cidade onde a prática esportiva está proibida, e até por isso já estaria treinando em outra cidade, como pode estar obrigando aos visitantes terem de adotar medidas de verificação da saúde incompatíveis com o período necessário para a realização do jogo.
Ainda sobre a mudança do local de realização dos jogos por estes terem de ser realizados, ainda, com portões fechados pode fazer com que as equipes, por questões de custo prefiram jogar em centros de treinamentos. Estes, tendo uma estrutura menor, mas adequada a receber as duas equipes, a arbitragem policiamento e imprensa, leva a uma redução de custo para a equipe. O que também pode impedir torcedores, mais fervorosos, de ficarem ao redor do estádio, fazendo com que exista uma aglomeração não desejada de pessoas, naquele local. Porque se existir torcedor do lado de fora de um estádio, existirão ainda vendedores ambulantes, sejam de comida ou roupas dos clubes ou guardadores de carros para atender aqueles torcedores que estão ao redor, por exemplo.
Pensar que não existirão torcedores ao redor de um estádio apenas, porque o portão estará fechado é desconhecer os sentimentos de um torcedor por seu time, que o fazem arriscar a sua saúde para acompanhar a um jogo, ou comemorar um título como demonstram as festas acontecidas na Europa.
Contudo, qualquer clube de futebol que discordar destas medidas municipais e que não tenha condições financeiras ou de logística, de mudar a cidade para os seus treinamentos ou para receber os seus jogos, poderá buscar a justiça comum estadual, para tentar reverter as restrições impostas às suas atividades naquela cidade. Não é a justiça desportiva a competente para analisar estas questões, porque não se trata de questão disciplinar nem de infração ao CBJD ou às regras da competição.
Aqui demonstramos como os protocolos municipais para o combate à Covid-19, estão afetando o futebol, fazendo com que seja necessário repensar como as equipes brasileiras se comportarão com a cidade na qual foram criadas. Isso porque na atual cultura esportiva do Brasil não é comum que as equipes se mudem para a realização de períodos de treinamentos ou jogos, para outras cidades. E repensar as vedações a vendas de mandos de jogos, que acontecem quando as equipes recebem valores, para disputar partidas em outras praças que não a sua de origem.
Não defendemos a criação de bolhas para a realização das competições esportivas, como fez a NBA na cidade de Orlando, estado da Flórida, onde os atletas são testados e ficam todos alojados em hotéis, de onde saíram apenas para jogar e treinar. Mas defendemos, sim, que as federações levem em considerações as peculiaridades de cada cidade e permitam aos seus filiados, os clubes, mudarem as cidades onde treinarão e mandarão os seus jogos, sem implicações disciplinares.
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Higor Maffei Bellini é advogado, mestre em Gestão Integrada Saúde e Meio Ambiente do Trabalho, SENAC/SP; Master of Laws (LL.M.) em Direito Americano, Washington University of St. Louis; mestrando em Direito Esportivo PUC/ SP, especialista em Direito do Trabalho, Uni Fmu; especialista em Direito Ambiental Cogeae PUC/SP; especialista em Educação do Ensino Superior Cogeae PUC/SP. Presidente da comissão de direito desportivo na OAB Butantã