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Como seu aliado Bolsonaro, Flamengo estica a corda

Não é novidade para ninguém o alinhamento existente entre o Presidente da República, Jair Bolsonaro, e o Flamengo, não só pelas inúmeras vezes que vestiu a camisa do clube rubro-negro, mas por diversas outras vezes em que ocorreu um alinhamento para beneficiar alguma das partes. E parece que esse alinhamento vai além dos interesses político-negociais, chegando ao comportamento com relação às decisões judiciais e as normas relativas à contenção da pandemia.

​Duas decisões esportivas do time nos últimos dias mostram que a preocupação com a saúde pública, com os regulamentos das competições e com as normas públicas brasileiras está longe de ser real. Problemas com a Anvisa e com o regulamento da Copa do Brasil podem deixar a equipe longe de dois títulos na temporada.

​Tudo começou no dia 20 de agosto, quando o Flamengo fechou a contratação de Andreas Pereira. Até aí, tudo estava bem. A equipe carioca trazia mais um nome relevante para reforçar seu elenco na disputa por títulos.

​O jogador, até então no Manchester United, chegou ao Brasil na noite daquela sexta-feira (20), vindo diretamente do Reino Unido. Segundo os protocolos nacionais, o atleta deveria cumprir 14 dias de quarentena antes de poder exercer livremente sua atividade profissional. E é aí que o problema surge.

​Em geral pouco se discute sobre a condição de jogo dos atletas, e quando há essa discussão ela fica restrita a duas dimensões dessa condição, o registro do contrato na entidade de administração da modalidade e a condição de jogo jurídico-desportiva. Mas há também uma outra dimensão que deve ser considerada, que é a condição legal.

​Para que um atleta tenha condição legal de participar do jogo, ele deve cumprir todos os requisitos presentes nas normas públicas do país para que possa exercer sua profissão. O mais óbvio deles é o contrato de trabalho, mas não é o único. Atletas estrangeiros, por exemplo, precisam de um visto específico de trabalho, apenas para citar mais um exemplo simples.

​Durante a pandemia, normas específicas foram criadas pelo Estado para evitar a proliferação do vírus e, desta forma, novas normas passaram a reger o exercício profissional no país. Uma dessas normas impedia o atleta Andreas Pereira de estar em campo nos 14 dias após deixar o Reino Unido, prazo que se encerrou no dia 03 de agosto. Antes disso, o atleta não tinha condição legal de jogo.

​Além da condição legal, o atleta também não tinha condição jurídico-desportiva de jogar, uma vez que a entidade máxima de administração do futebol, a FIFA, definiu em seus protocolos relativos à Covid que todas as normas nacionais relativas à doença deveriam ser respeitadas por atletas, clubes e seleções.

​Ou seja, há uma previsão dentro da estrutura desportiva que remete às normas públicas, que podem limitar a condição de jogo em razão de viagens ou realização de exames. Isso faz com que a ausência da condição de jogo se dê também em razão de outra das dimensões, tornando ainda mais robusta a tese de que o atleta não teria condição de jogo até o fim de sua quarentena obrigatória.

​Sendo assim, o atleta participou de duas partidas sem ter efetivamente condições de jogo, os jogos contra Grêmio (Copa do Brasil) e Santos (Campeonato Brasileiro). O artigo 214 do CBJD traz que o clube que incluir na equipe ou fizer constar na súmula atleta que não possua condição de jogo perderá o número máximo de pontos atribuídos a uma vitória (no caso do futebol, 3 pontos), além de não serem computados os pontos e gols marcados pela equipe na partida. Caso o jogo seja em uma competição eliminatória, não sendo possível retirar os pontos, a equipe será automaticamente eliminada da competição.

​Com isso, o Flamengo deveria perder os 3 pontos e os 4 gols de saldo obtidos no confronto com o Santos, além de ser eliminado da Copa do Brasil.

​E pode ser exatamente esse o motivo para a equipe carioca não se preocupar com a possibilidade de eliminação decorrente de outra infração que pretende cometer. É, o caso é exatamente esse: o clube sabe que cometeu uma infração disciplinar que deve resultar em sua eliminação e não está preocupado com a infração que cometerá no jogo de volta, porque se tiver força política para derrubar uma infração evidente junto ao tribunal, também deve ter força política para derrubar a segunda infração.

​“Mas que infração é essa?”, você deve estar se perguntando. E eu explico. No dia 4 de agosto o Flamengo conseguiu uma liminar junto ao STJD para que pudesse ter público nas partidas em que fosse mandante, desde que houvesse autorização do poder público. Essa liminar foi concedida pelo Presidente do Tribunal, Otávio Noronha, e ainda que existe uma divergência interpretativa, há um embasamento razoável para essa decisão. Com base na liminar, o Flamengo poderá ter público em suas partidas. Perfeito.

​Mas (e aqui temos um mas bem grande), essa liminar não autoriza o clube a descumprir regulamentos de competições. E o protocolo de retorno do público aos estádios elaborado pela CBF é claro ao dizer, em seu item 2 – b – 2 que se o público não for liberado na partida de ida, a partida de volta também ocorrerá sem a presença de público. Desta forma, ao identificar o descumprimento do regulamento, o Grêmio pode se recusar a entrar em campo.

A não realização da partida terá sido em razão de descumprimento de regulamento por parte do Flamengo e, com isso, o W.O. deverá ser declarado, garantindo ao Grêmio a vaga na fase seguinte da competição.

Por outro lado, caso a equipe gaúcha decida entrar em campo, não haverá mais que se falar em W.O. ou eliminação (por este motivo) da equipe carioca. A partir do momento em que a partida se realizar, o máximo que pode acontecer é a punição do Flamengo com base no artigo 191 do CBJD, em razão do descumprimento do regulamento.

Vale a aposta, já que a corda está esticada. E vale ficar de olho para ver como se comportará o STJD em um caso tão sensível e importante para este e outros momentos.

Independente de qual seja, essa decisão será histórica!

Crédito imagem: Flamengo

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