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Competência e estruturação da Justiça Desportiva (parte III): o controle antidopagem

Crédito para foto: Markus Spiske, via Unsplash

Trabalhamos em colunas anteriores a estruturação geral da Justiça Desportiva, especialmente diante da previsão do art. 217 da Constituição Federal. Vimos, em linhas gerais, que a Justiça Desportiva, apesar do nome, não integra a estrutura formal do Poder Judiciário, possuindo competência para apreciar questões envolvendo competições e disciplina. Trata-se de um contencioso administrativo privado e próprio da cadeia esportiva com a finalidade de assegurar o cumprimento de regulamentos e assegurar que as competições transcorram com tranquilidade e isonomia entre os competidores, notadamente na seara disciplinar. Questões contratuais amplas ou trabalhistas envolvendo o desporto são de competência da Justiça Comum lato sensu.

Também salientamos que, dentro da perspectiva da organização piramidal do esporte, cada modalidade esportiva possui sua estrutura própria relativa à Justiça Desportiva. Ou seja, ao contrário do senso comum, não há um único TJD ou STJD, mas TJD ou STJD do futebol, do voleibol, do basquete, etc. Cada tribunal aprecia questões disciplinares ou regulamentares conforme a ótica ou lógica de cada esporte, o que parece salutar numa primeira mirada, exceto no doping, como veremos adiante. Até quase uma década atrás, os tribunais desportivos julgavam normalmente casos envolvendo punições a atletas por conta do controle antidopagem, vide os famosos casos Jobson e Guerrero, por exemplo, os quais futuramente chegaram ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS).

É sabido que o doping é questão disciplinar sensível. O esporte cultua valores como o mérito esportivo, a imprevisibilidade do resultado, a ética e o equilíbrio das disputas. O controle de dopagem se impõe exatamente porque o uso de certas substâncias, além de prejudicar a saúde dos atletas, desnivelam o desempenho dos competidores, sendo imperativo de proteção ao próprio esporte. Daí o papel da Agência Mundial Antidoping (WADA), que busca coordenar os esforços de combate ao doping mundo afora, estabelecendo políticas e métodos a serem observados nesta seara, além de divulgar periodicamente a lista atualizada de substância proibidas e fornecer autorização excepcional para fins de uso terapêutico.

A questão é que, no Brasil, os tribunais desportivos tradicionais nunca tiveram a expertise necessária para julgar casos de doping, fora o problema da falta de uniformização e diferentes critérios adotados nos julgamentos em cada esporte, fato causado pela ausência de um tribunal que centralizasse as ações nesta seara em todas as modalidades esportivas. Nesse contexto, por conta da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016, a WADA[1] passou a exigir que o país se adequasse às normas internacionais, especialmente via criação de um tribunal central, específico e especializado para apreciar casos de doping em relação a todas as modalidades esportivas, retirando tais julgamentos das mãos da Justiça Desportiva tradicional.

Com sede em Brasília, junto ao Ministério do Esporte, o Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem[2] (TJDAD) foi constituído em dezembro de 2016 (por força da Lei 13.222/2016, que alterou a Lei Pelé e estabeleceu ser função do CNE – Conselho Nacional do Esporte – aprovar o Código Brasileiro Antidopagem (CBA) e instituir as diretrizes relativas ao procedimentos de controle de dopagem exercidos pela ABCD – Agência Brasileira de Controle de Dopagem[3]) e começou a atuar efetivamente em maio de 2017.

O TJDAD, a partir de então constituído, é integrado por 9 (nove) especialistas na área indicados pelas Confederações, atletas e Governo Federal, garantida a paridade entre seus membros, está apto a oferecer decisões especializadas e adequadas aos padrões e exigências internacionais, além de assegurar um padrão decisório para todas as modalidades. Dividido em 3 (três) Câmaras, com 3 (três) integrantes cada, o tribunal tem competência para julgar casos de doping em primeira instância. Eventual recurso será julgado pelo Pleno, constituído por 9 (nove) membros. No âmbito internacional, os atletas podem recorrer ao TAS/CAS, na Suíça. Todos os processos correm em segredo de justiça, sendo que os nomes dos envolvidos e as decisões somente são divulgados após decisão final.

De qualquer sorte, o controle de dopagem persiste como um grande desafio. Especialmente no esporte de alto rendimento, muitas disputas são resolvidas no detalhe. A questão é que as nações mais ricas e desenvolvidas possuem e dedicam recursos crescentes para investir em novas substâncias que melhoram o desempenho dos atletas, e é inevitável que as agências de controle estejam sempre “atrasadas”, pois o conhecimento de novas substâncias e sua inclusão na lista proibitiva demanda tempo. Feita a inclusão, novas substâncias já estão sob desenvolvimento e o ciclo vicioso recomeça. Entretanto, as agências de controle vêm empreendendo alguns avanços significativos nos últimos anos, especialmente a partir do desenvolvimento de novos métodos de testagem e da realização de testes “surpresa” fora dos períodos de competição.

No caso brasileiro em específico, o TJDAD (e também a Justiça Desportiva tradicional) precisa avançar rumo à profissionalização de seus membros. Não é justificável que, no contexto da indústria esportiva, os auditores da Justiça Desportiva sigam atuando no regime do amadorismo e do voluntariado.

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[1] Para acesso ao Código Mundial Antidoping em português: https://www.gov.br/abcd/pt-br/composicao/regras-antidopagem-legislacao-1/codigos/copy_of_codigos/cdigo_mundial_antidopagem_2015_portugus_-_web.pdf/. Acesso em 14/08/2024.

[2] Para acesso ao site institucional do TJDAD: https://www.gov.br/esporte/pt-br/composicao/orgao-colegiado-1/tribunal-de-justica-desportiva-antidopagem. Acesso em 14/08/2024.

[3] Para acesso ao CBA, na íntegra: https://www.gov.br/abcd/pt-br/composicao/regras-antidopagem-legislacao-1/codigos. Acesso em 14/08/2024.

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