Há algo importante em jogo no esporte: a transparência na gestão. Mais do que uma necessidade legal, é um compromisso moral que os dirigentes de entidades esportivas precisam assumir com parceiros, colaboradores e sociedade. E o bom nesse jogo é que já temos a quem aplaudir, mesmo depois do gol contra feito pela FIFA.
No futebol, o modelo associativo preza exemplos que vem de cima – FIFA –, sendo estes normalmente clonados pelas entidades a ela filiadas. Por isso, bons modelos seriam sempre importantes. Nem por isso, mal exemplos precisam ser copiados.
Em novembro de 2018, um juiz do Comitê de Ética da FIFA foi preso na Malásia acusado de usar o cargo para faturar com benefícios pessoais. O caso aconteceu poucos meses depois de o Conselho da FIFA ratificar, em julho de 2018, o novo Código de Ética. Nele, a palavra “corrupção” simplesmente sumiu. Logo ela, que havia sido decisiva no combate ao maior escândalo da história do esporte.
Um escândalo de corrupção normalmente ganha nome. O maior que o futebol já viu se chamou “Fifagate”.
No dia 27 de maio de 2015, o FBI foi até um hotel em Zurique com mandados de prisão para 14 dirigentes esportivos, entre eles José Maria Marin, ex-presidente da CBF. Todos acusados de corrupção. Cinco meses depois, o Comitê de Ética da FIFA (que tem independência estatutária da entidade) afastou, entre outros, o então presidente Joseph Blatter. Dois meses depois, Blatter e Michel Platini, ex-presidente da UEFA, foram considerados culpados por gestão desleal e conflitos de interesse e afastados do esporte por oito anos.
Gianni Infantino assumiu a FIFA prometendo transparência e um novo modelo de gestão. Mas a entidade não criou, nem se esforça para implementar, planos eficazes de integridade. Ou seja, está ainda muito longe da aplicação efetiva de um projeto de compliance.
Compliance é um programa que busca o cumprimento de leis e regras por meio de procedimentos e mecanismos que envolvam todos os níveis de uma organização, gerando cultura comportamental mais organizada e ética nas instituições. Simplificando, o programa nada mais é do que desenvolver, estimular, cobrar e monitorar colaboradores, do presidente ao estagiário, a fim de evitar atos ilícitos nas empresas.
Sem dúvida, ao banir a palavra “corrupção” do Código de Ética, a FIFA jogou contra o esporte, mas nem por isso esse jogo está perdido.
Hoje a legislação britânica anticorrupção proíbe e tipifica como crime a corrupção privada, ativa ou passivamente – a UK Bribery Act. Essa lei prevê, aos indivíduos que praticarem a conduta criminosa, pena de até dez anos de prisão e multas potencialmente ilimitadas. Vale lembrar que o “Fifagate” foi investigado e processado com base na legislação anticorrupção americana, o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act).
No Brasil, mecanismos de transparência e ética são, além de uma questão moral, exigência legal também no esporte. A Lei de Incentivo ao Esporte, o Profut, a Lei Pelé (no art. 18), o decreto 8.420/2015, que regulamenta a Lei Anticorrupção (12.846/2013), já cobram das entidades do esporte mecanismos de gestão responsável em troca de crédito e benefícios fiscais. O novo projeto de Lei Geral do Esporte, que tramita no Congresso, vai além: tipifica o crime de corrupção privada no Brasil.
A boa notícia é que já temos a quem aplaudir: gestores preocupados com a lei, com as normas e, principalmente, com o futuro das entidades que administram.
Eles vêm dando exemplos que precisam ser elogiados e replicados. O Comitê Olímpico Brasileiro instituiu um Conselho de Ética em março de 2018 e contratou, em agosto do mesmo ano, um executivo para ficar à frente da função de Líder de Conformidade. O Comitê Paralímpico Brasileiro também tem dado repetidos exemplos de gestão responsável, tendo estatuto, ouvidoria, código de ética. No futebol, o Conselho Deliberativo do Internacional criou uma comissão que investigou irregularidades na gestão anterior, apontou gestão temerária, expulsou cinco ex-dirigentes e encaminhou o relatório ao Ministério Público. A própria Confederação Brasileira de Futebol tem falado em compliance, inclusive distribuindo cartilhas e orientações para as federações estaduais aplicarem.
A corrupção é um mal que assola o mundo, a política, as empresas e o esporte. Segundo dados da Thomsom Reuters, em 2017 mais de 500 bilhões de euros foram perdidos para corrupção na Europa. Com aplicação efetiva de compliance, a corrupção perde espaço, e a entidade/empresa/clube ganha pessoas dispostas a investir em um negócio sério e transparente.
As principais empresas do mundo já entenderam essa necessidade, aplicaram programas de pntegridade efetivos e passaram a faturar mais, tendo muito menos problemas legais.
As entidades esportivas precisam adequar-se às necessidades do mercado, uma vez que o esporte se transformou também em um negócio econômico-financeiro milionário. Em todo negócio sério, exigem-se políticas de governança e transparência, para se tornar mais rentável financeiramente e honesto com seus parceiros.
Sumbra Rajoo, o juiz do Conselho da FIFA preso por corrupção, já foi liberado, uma vez que goza de imunidade diplomática em função do cargo que exercia na entidade (no dia seguinte à prisão, ele foi afastado do cargo). O importante é que até um caso desses serve de aprendizado, escancarando como as entidades esportivas precisam criar mecanismos internos que as protejam em situações assim.
Portanto, não se quer aqui lamentar o gol contra da FIFA, ao tirar a palavra “corrupção” do novo Código de Ética. Mas, sim, ajudar a mostrar que o esporte brasileiro já começa a apresentar bons modelos de administração.
E lembrar, mais uma vez, que existe um mecanismo que é eficiente no combate à corrupção e que ajuda a tornar a gestão mais competitiva no mercado: compliance.
Investir em compliance efetivo é mais do que uma necessidade legal, é um compromisso público do gestor com duas palavras indispensáveis na gestão de um negócio: transparência e ética. Um compromisso que ele assume não só com o presente, mas também, principalmente, com o futuro da entidade.