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Condenação de Ex-Dirigentes do Internacional: Um Marco Histórico para o Futebol Brasileiro

Caio Werneck Machado Botelho[1]

Pedro Felipe Studart Lavander Lessa dos Santos[2]

Há nove anos, uma investigação do FBI, em parceria com a inteligência do Departamento de Justiça dos EUA, levou à detenção de 14 dirigentes esportivos acusados de corrupção. Esse fato gerou uma reviravolta no futebol e ficou popularmente conhecido como “Fifagate”. O escândalo resultou em 34 indiciamentos de cartolas e empresários. Embora seja complexo quantificar anos de atividades irregulares, também provocou a devolução de milhões de dólares por parte do governo norte-americano. A revista “Isto é”, em 2015, relatou detalhadamente o caso:

“Iniciadas há 4 anos, as investigações do FBI concluíram que os presos receberam fortunas em propinas na venda de direitos de transmissão de jogos pela tevê, nos contratos de marketing para as Copas do Mundo de 2010 e 2014 e nos acordos de patrocínio para a seleção brasileira. No mesmo dia em que as prisões foram realizadas, Loretta Lynch, secretária de justiça dos Estados Unidos, deu uma entrevista em Nova York ao lado de diretores do FBI e da Receita Federal americana. Segundo Loretta, as autoridades da FIFA embolsaram cerca de US$ 150 milhões ilegais como parte de uma complexa rede de subornos. ‘O esquema é generalizado e está profundamente enraizado numa organização que gera receitas bilionárias’, disse Loretta. De acordo com o FBI, a corrupção se prolongou por mais de 20 anos e envolve diretores da FIFA, empresários de marketing e intermediários que se aproveitam da popularidade do futebol para enriquecer de maneira ilícita”.

O livro “O Lado Sujo do Futebol”, de 2014, descreve com maestria o vínculo entre esporte e corrupção. Trata-se de contexto que persiste há anos, que talvez sempre tenha existido, mas que, infelizmente, demorou sobremaneira a receber a merecida atenção e o devido cuidado.

“A desilusão com o futebol é um fenómeno recente. Até a popularização da internet e o surgimento das redes sociais, críticas e denúncias eram restritas a raros colunistas de jornais e de revistas especializadas. O noticiário era dominado pela relação espúria da TV Globo com a CBF e por uma crónica esportiva majoritariamente complacente ou limitada. Para a população, portanto, tudo parecia ir muito bem; para os cartolas, melhor ainda. Por trás dos ídolos e apresentadores sorridentes havia uma poderosa máquina de maquiar o esgoto que corre nos subterrâneos do futebol. No entanto, a internet rompeu a barreira que protegia os cartolas e provocou nos torcedores a catarse dos sentimentos de frustração acumulados. Blogs, sites e acesso ao noticiário internacional fragilizaram a blindagem. Em pouco tempo, a revolta transbordou para as ruas, para desespero dos cartolas”.

Recentemente, o Brasil se chocou com um outro caso, que envolveu o Sport Clube Internacional, no Sul do país. As investigações que levaram à condenação de ex-dirigentes de um dos maiores times do futebol sul-americano basearam-se em desvio de verbas em obras, fraudes na contratação de atletas e irregularidades em acordos trabalhistas.

Vitorio Piffero, ex-presidente do Inter, e Pedro Affatato, ex-vice-presidente de finanças do “colorado”, figuraram em decisões proferidas, no dia 04/03/2024, pela 2ª Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro de Porto Alegre. A sentença (que admite recurso) versa, especialmente, sobre manipulação das finanças do clube gaúcho.

Piffero foi condenado a uma pena de 10 anos e 6 meses de prisão, começando em regime fechado, por estelionato — vantagem ilícita obtida com uso de meio fraudulento (artigo 171 do Código Penal) — e participação em organização criminosa — associação de 4 ou mais pessoas para obtenção de benefício de qualquer natureza, praticando-se infrações com penas máximas superiores a 4 anos (artigo 1º, §1º, da Lei nº 12.850/2013). Por outro lado, Affatato recebeu uma pena maior, de 19 anos e 8 meses de reclusão, a ser cumprida igualmente em regime fechado, pelos mesmos crimes de Piffero acrescidos do delito de lavagem de dinheiro — conversão de recursos financeiros obtidos de forma ilícita em lícitos, por meio, conforme elucida a doutrina, das fases de colocação (placement), ocultação (layering) e integração (integration).

Os antigos dirigentes do Inter não foram os únicos a enfrentar as consequências nefastas de suas ações. Empresários proeminentes dos ramos da construção civil e da contabilidade também foram identificados no esquema corrupto e sentenciados na Ação Judicial em tela. Segundo as investigações, os crimes praticados acarretaram um desvio substancial dos cofres do clube gaúcho, de mais de 13 milhões de reais.

Para o Jornalista e Mestre em Direito Andrei Kampff, é preciso enfatizar a necessidade de os clubes profissionalizarem suas administrações, bem como implementarem medidas internas de conformidade, com o intuito de salvaguardar as instituições. Além disso, Kampff destaca que, no caso do Internacional, tudo começou internamente, com o clube analisando suas contas, realizando votações, expulsando os dirigentes implicados e encaminhando os consequentes registros ao Ministério Público.

Os trâmites judiciais tiveram início após o Conselho Fiscal do “colorado” identificar irregularidades nos números da gestão de Piffero. A fim de apurar mais a fundo o assunto, foi instaurada uma comissão de sindicância, que implicou a representação ao Ministério Público que justificou as investigações. Na opinião de Kampff, isso simboliza uma conquista não só do modelo associativo, mas também da democracia privada no esporte.

Acontecimentos recentes, como o do Inter, evidenciam que as instituições esportivas estão dando cada dia mais importância à organização e lisura, reconhecendo-se o compliance como um aliado crucial para esse avanço. Dirigentes com mentalidade mais executiva e profissional já perceberam que sem uma gestão administrativo-financeira bem estruturada, aliada à transparência e definição de regras claras, a realidade do futebol brasileiro dificilmente será transformada de forma efetiva.

Cabe ressaltar que o compliance “é um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais, que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como a atitude dos seus funcionários” (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 30). Em outras palavras, o programa de compliance consiste em incentivar, exigir e monitorar a conformidade de todos os colaboradores com as diretrizes da empresa, do presidente aos estagiários, com o objetivo de evitar a prática de atividades ilegais.

O estelionato, as organizações criminosas e a lavagem de dinheiro, por óbvio, não são “privilégios” do Brasil nem do futebol. Infelizmente, já se tornaram costumeiras notícias de escândalos abrangendo políticos, grandes empresas e, até mesmo, personalidades do esporte, a exemplo do já mencionado “Fifagate” e da “Máfia do Apito”, denunciada em 2005, na revista “Veja”, pelo jornalista André Rizek. No entanto, não se pode classificar o episódio envolvendo ex-dirigentes do Internacional como algo comum. Trata-se, em verdade, de um caso muito emblemático, já que, pela primeira vez, as investigações abarcaram figuras do alto escalão e mergulharam a fundo nas finanças de um clube.

Em síntese, pode-se dizer que as condenações de Vitorio Piffero e Pedro Affatato, muito mais do que manchar a passagem de ambos pelo Sport Clube Internacional (que foi rebaixado em seus mandatos), representam uma significativa vitória do “colorado” e do desporto. Ademais, destacam o imperioso compromisso de os gestores repensarem os modelos de prevenção de fraudes no mercado esportivo. Para os fãs, fica uma boa notícia: o Poder Judiciário está bastante atento. E o “Lado Sujo do Futebol”, ao que tudo indica, encontra-se ameaçado.

Crédito imagem: Gazeta do Povo

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Referências bibliográficas:

CANDELORO, Ana Paula P.; RIZZO, Maria Balbina Martins de; PINHO, Vinícius. Compliance 360º: riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mundo corporativo. São Paulo: Trevisan Editora Universitária, 2012.

ISTO É. Cartolagem bandida. Edição nº 2374. Data da publicação: 29 de maio de 2015. Disponível em: https://istoe.com.br/420478_CARTOLAGEM+BANDIDA/. Acesso em: 26 de março de 2024.

RIBEIRO JÚNIOR, Amaury; CIPOLINI, Leandro; AZENHA, Luis Carlos; CHASTINET, Tony. O lado sujo do futebol: a trama de propinas, negociatas e traições que abalou o esporte mais popular do mundo. São Paulo: Planeta, 2014. p. 343-344.

[1] Pós-graduando em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Graduado em Direito pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Graduado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Membro pesquisador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo do Ibmec RJ (GEDD Ibmec). Advogado. E-mail: [email protected].

[2] Graduando em Direito pelo Ibmec RJ (9° período). Membro pesquisador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo do Ibmec RJ (GEDD Ibmec). E-mail: [email protected].

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