Duas notícias importantes nesse início de 2021 mostram uma nova postura do esporte com relação a atleta flagrado pelo consumo de “drogas sociais”, como maconha e cocaína. Na primeira, o goleiro Rodolfo, flagrado por consumo de cocaína, teve a punição por doping reduzida pela Comissão Disciplinar da Conmebol e volta a treinar com os companheiros de Fluminense. Na outra, o novo Regulamento Antidoping da UEFA determina punições mais brandas para o consumo dessas substâncias.
Tanto a decisão da Conmebol, quanto o Regulamento da UEFA já estão de acordo com o novo Código da Agência Mundial Antidopagem (WADA, em inglês), e trazem uma informação importantíssima para o mundo do esporte.
O esporte mudou o entendimento em relação ao doping em função de drogas sociais, como maconha e cocaína. Entraram em vigor alterações no Código da WADA .
Agora, atleta que for pego sob uso de drogas sociais, ou recreativas, que não lhe dê vantagem esportiva e desde que o consumo seja fora de competições, poderá pegar pena de três meses, com possibilidade de redução para um mês. Para isso, o atleta terá de cumprir um programa de reabilitação. Antes, a suspensão variava de dois a quatro anos sem poder competir.
Além dos esportes olímpicos, a FIFA e sua cadeia associativa também adotam o Código da WADA.
Doping é tratado com rigor no esporte.
E fácil de entender por que doping é tratado com rigor no esporte. Um dos motivos é que ele ataca um dos princípios mais caros ao esporte, o da paridade de armas. Um dos competidores busca de maneira ilegal vantagem dobre o adversário.
A trapaça fere também o espírito do “jogo limpo”.
Pierre de Coubertin, o “pai” dos jogos olímpicos modernos, escreveu em suas Memórias olímpicas que o olimpismo é uma “escola de nobreza e de pureza moral, bem como de resistência e energia física – mas só se (?) a honestidade e a abnegação do esportista forem desenvolvidas de forma tão acentuada quanto a força dos músculos”
O Código Mundial Antidoping reforça a ideia do jogo-limpo ao determinar que visa “proteger o direito fundamental dos atletas de participar de atividades esportivas isentas de doping, promover a saúde e garantir assim aos atletas do mundo inteiro a eqüidade e a igualdade no esporte”
Mas e por que o esporte agora abranda punições?
É importante se entender que não há comprovação de que essas drogas tragam melhora de rendimento esportivo (não atacando o princípio da paridade de armas). Portanto, elas seriam muito mais um problema social do que esportivo.
A ciência também é uma companheira indispensável do Direito no esporte nesse assunto.
Além disso, não se pode esquecer que a prática esportiva e a continuidade da atividade profissional possuem papel social importantíssimo. Ela é a atividade profissional do atleta.
Pelo novo Código, caso um atleta faça uso das substâncias de forma social, sem o objetivo de ganho de performance esportiva, o que deve ser priorizado é a saúde do atleta e não mais impor uma sanção esportiva.
Ou seja, uma visão mais humana, sem esquecer os princípios do esporte. É tratar quem é dependente químico de uma forma correta. Não criando uma piora no quadro dele, com uma punição severa considerando a dopagem como um fato isolado de circunstâncias e dificuldades.
Um grupo especializado criado pela Wada será responsável por elaborar, anualmente, uma lista das drogas sociais. Para este primeiro ano, as drogas contempladas são maconha, cocaína, heroína e ecstasy, que são as substâncias onde há mais abuso.
Na esteira do novo código da WADA, ficou estipulado que as instituições ligadas ao controle antidopagem, sejam elas ligadas a governos ou entidades privadas, serão obrigadas a desenvolver programas educacionais para falar sobre o abuso de substâncias recreativas. decisão da WADA vem em equilíbrio como essa questão da educação.
“A ideia é abordar atletas jovens com programas educativos fortes e, ao mesmo tempo, tratar a adição em drogas como ela deve ser abordada, não é só punir. Porque isso não vai fazer a pessoa não usar. Esse tipo de abordagem é positiva porque o esporte tem função social. Temos que aprender a investir em soluções de longo prazo. Tem que ter punições, mas tem também que saber identificar quando o atleta tem uma doença, nesse caso, um vício em drogas. Você pode até banir um atleta do esporte e ele vai continuar usando. Vai perder diversos talentos e vidas”, reforça a brasileira Lara Santi, biomédica, especialista em biotecnologia e drogas no esporte e oficial de controle de dopagem pelo COI.
Um problema social
Muitos são os casos de atletas punidos com rigor pelo esporte, sem uma atenção necessária a saúde deles.
Um dos exemplos que se pode lembrar é o de Diego Armando Maradona. O craque argentino, morto no fim de 2020, lidou com o vício em cocaína na maior parte da sua vida.
Em 1991, após o jogo do Nápoli contra o Bari, o exame de urina de Diego apresentou traços de cocaína, o que lhe rendeu uma suspensão de 15 meses longe dos gramados, confirmando a total ausência de efeito educacional na pena imposta, Maradona foi preso na Argentina por posse de cocaína no mesmo ano.
Com o novo Código, para comprovar a inocência do atleta, a defesa poderá usar, por exemplo, alegações, provas testemunhais, prescrição médica (maconha de uso medicinal, por exemplo), internações e tratamentos, dentre outros, para alegar que ele não deve ser punido.
A WADA tomou um caminho que as principais ligas americanas já adotavam.
A Major League Baseball removeu a maconha da lista de drogas de abuso e será tratada da mesma forma que o álcool, como uma questão social. Além disso, as suspensões pelo uso de maconha foram retiradas do programa de drogas das ligas menores. Dentro dessa nova filosofia, na MLB os jogadores com resultado positivo para maconha são encaminhados para o conselho de tratamento estabelecido em contrato. Quem não seguir o tratamento é multado. Além disso, atletas e funcionários das equipes terão que participar de programas educacionais obrigatórios em 2020 e 2021 sobre os perigos dos analgésicos opióides e abordagens práticas da maconha. A NBA tomou o mesmo caminho no ano passado.
Conscientizar é sempre melhor do que punir. E se o problema é social e não esportivo, que ele não fique apenas nos Tribunais e seja analisado também pelos especialistas da saúde e educação. O esporte segue caminhando.
Rodolfo terá agora uma chance de recomeçar. E estará muito mais saudável.
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