Nos últimos dias muito se tem falado de dois atletas do Santos F.C. que ingressaram com reclamações trabalhistas na Justiça do Trabalho reivindicando o pagamento de rubricas trabalhistas, além da declaração de rescisão indireta do contrato de trabalho[1].
A rescisão indireta é uma das formas de dissolução do vínculo de emprego (e do vínculo desportivo) celebrado entre atleta e clube empregador (art. 28, §5º, IV da Lei Pelé). É a “justa causa” que o empregado aplica ao empregador tendo em vista a ocorrência de atos faltosos.
A lei desportiva prevê que se houver atraso no pagamento dos salários por parte do clube empregador, poderá ser requerida a rescisão indireta do contrato de trabalho, ocasião na qual, confirmada em juízo, acarretará a extinção do contrato de trabalho e do vínculo desportivo, sendo que a mora salarial é aquela disciplinada no artigo 31 da lei n.º 9.615/1998[2].
Uma das características do contrato de trabalho é a de gerar direitos e obrigações para ambas as partes envolvidas, empregado e empregador. Trata-se, portanto, de um negócio jurídico bilateral.
O artigo 483 da CLT estabelece as hipóteses em que o empregado poderá considerar rescindido o contrato de trabalho e, por via de consequência, pleitear a devida indenização. Dentre as hipóteses previstas no referido dispositivo legal, está o não cumprimento, pelo empregador, das obrigações inerentes ao contrato (art. 483, “d” da CLT), sendo que esta pode ser considerada, inclusive, no tocante ao pagamento de salários.
É bem verdade que a gravidade da falta a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho deve ser sempre analisada individualmente para cada caso que é submetido à Justiça do Trabalho. O professor e magistrado Marcelo Moura ensina que, nessas hipóteses, deve ser comprovado o prejuízo iminente ao empregado.[3]
A cautela e prudência do magistrado para analisar tais pedidos fazem-se necessárias e essenciais na medida em que, na maioria das vezes, o pedido de rescisão indireta é formulado em sede de antecipação de tutela e os efeitos da concessão da medida liminar podem ser irreversíveis (ou de difícil reparação) para o clube.
Os casos envolvendo o tradicional clube da Baixada Santista merecem essa atenção, pois as duas reclamações trabalhistas já ajuizadas podem ser o gatilho capaz de disparar uma enxurrada de ações trabalhistas de atletas postulando a rescisão indireta do contrato de trabalho acarretando no rompimento imediato do vínculo empregatício.
De acordo com notícia veiculada pelo blog Lei em Campo[4], o jogador Everson acionou a Justiça do Trabalho e postulou a sua liberação do clube, sob a alegação de estar sem receber direitos de imagem há cinco meses e de ter tido redução salarial de 70% em março, por conta da pandemia.
Não se discute a gravidade das alegações se de fato forem comprovadas. Contudo, faz-se necessária uma análise documental e das alegações da parte contrária, no caso, o clube empregador, tendo em vista ser pouco provável que uma entidade de prática desportiva do porte deste clube paulista promova uma redução salarial unilateral neste percentual.
Com efeito, uma série de hipóteses pode ter ensejado tal medida, como, por exemplo, ter havido contato prévio e negociação com o atleta, bem como o estabelecimento de condições para redução salarial ou até mesmo uma composição para se pagar de forma parcelada.
O contrato de licença de cessão do uso de imagem do atleta tem natureza civil e apesar do atraso no pagamento poder ser causa de rescisão indireta, a suspensão do contrato pode ser justificada em razão da não utilização da imagem do atleta durante o período em que não houve prática de atividade desportiva.
Não se pode perder de vista que o mundo atravessa uma situação grave e inédita, onde vidas estão sendo ceifadas e as economias dos países estão sendo corroídas.
Muitas demissões estão sendo efetivadas desde o início da pandemia e a crise financeira é uma realidade, o que fez com que o Governo Federal adotasse medidas de enfrentamento da pandemia, com a edição das Medidas Provisórias (MPVs 927 e 936).[5]
A MPV 936 criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e permitiu a suspensão de contratos de trabalho ou a redução salarial e de jornada, mediante acordo individual, sob o argumento de se tentar preservar empregos durante a crise provocada pelo coronavírus.
De acordo com estimativas da Secretaria de Trabalho, sem a adoção dessas medidas, calcula-se que 12 milhões de brasileiros poderiam perder seus empregos, destes, 8,5 milhões requisitariam o seguro desemprego e os outros 3,5 milhões precisariam buscar benefícios assistenciais para sobreviver.
A informação divulgada pela imprensa foi a de que o pedido liminar do atleta havia sido indeferido[6]. O processo do goleiro Everson corre em segredo de justiça, razão pela qual não se tem como saber as razões da decisão.
Conforme já mencionado no presente texto, a situação requer cuidados e prescinde de uma análise detida de todos os fatos, provas e alegações de todas as partes envolvidas, ainda mais quando não atravessamos um período de normalidade e que concessões recíprocas precisam ser estabelecidas como forma de preservação dos empregos, não apenas dos atletas profissionais, mas de todos os empregados que são essenciais para a manutenção e sobrevivência dos clubes.
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[1] https://leiemcampo.com.br/caso-everson-pode-gerar-enxurrada-de-pedidos-de-rescisao-de-atletas/
[2] Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.
[3] MOURA, Marcelo – Consolidação das Leis do Trabalho para concursos – 2014 – 4ª edição – Ed. jusPodium – P. 580
[4] https://leiemcampo.com.br/caso-everson-pode-gerar-enxurrada-de-pedidos-de-rescisao-de-atletas/
[5] A MPV 927 caducou em 19.07.2020.
[6] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2020/07/21/justica-nega-liminar-a-everson-para-ser-liberado-do-santos.htm