A denúncia de assédio moral e sexual formalizada no Comitê de Ética da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) por uma funcionária contra o presidente Rogério Caboclo na última sexta-feira (4) trouxe inúmeras repercussões. Além da crise interna dentro da entidade, diretores, jogadores, e patrocinadores pressionaram a confederação pelo afastamento do dirigente, que acabou se concretizando na tarde deste domingo (6).
Uma das principais preocupações de pessoas dentro da entidade é de que a continuidade de Caboclo no cargo poderia ocasionar em uma saída de patrocinadores devido à gravidade do caso vinculada a suas imagens. Ao menos quatro parceiros manifestaram preocupação e pediram investigação séria sobre o caso, são eles: Itaú, Ambev, Gol e Mastercard.
Estima-se que os patrocinadores são responsáveis por mais da metade das receitas da CBF, com valores de aproximadamente R$ 400 milhões.
Recentemente, o Santos foi um clube que sofreu com o mesmo problema. Após o anúncio de contratação do atacante Robinho, condenado pela Justiça Italiana por estupro coletivo, patrocinadores do Peixe decidiram rescindir seus vínculos contratuais. O mesmo poderia acontecer com a CBF caso o dirigente fosse mantido no cargo.
Tiago Gomes, advogado especialista em direito comercial, afirma que esse tipo de discussão é “muito complexa”.
“A legislação brasileira não prevê uma solução específica para essa questão, mas há quem diga que, em razão dessa natureza associativa, os princípios de boa-fé objetiva orientariam à possibilidade de rescisão unilateral de contratos de patrocínio em caso de violação moral por uma das partes, que dependeria, obviamente, de uma decisão judicial. Mas eu vejo um problema nessa solução, pois, enquanto o sistema legal tem como regra a presunção de inocência, o julgamento da opinião pública não exige, necessariamente, uma decisão formal. Ou seja, de um lado, é difícil conseguir a rescisão imediata do contrato de patrocínio, de outro, não fazer nada pode ser fatal para a imagem do patrocinador perante a opinião pública”, afirma o especialista.
“Às vezes não depende nem só de uma decisão transitada em julgado. É uma questão delicada, porque o rompimento pode soar que a empresa está condenando uma pessoa antes de uma decisão final. Mas o cliente também pode não querer ter sua marca envolvida com qualquer tipo de escândalo”, pondera Juliana Avezum, advogado especialista em propriedade intelectual e novos negócios.
O advogado ressalta que “contratos de patrocínio são, em sua essência, contratos de associação das imagens do patrocinado e do patrocinador”.
“Há uma declaração implícita de que ambos endossam as suas respectivas imagens – daí o nome em inglês ser contratos de ‘endorsement’ – e declaram que compartilham os mesmos valores e ideais. Obviamente, a intenção é que ambas as marcas se beneficiem dessa associação. Mas quando uma das partes é envolvida num escândalo, a outra parte acaba, também, sendo atraída para os holofotes de uma maneira muito negativa”, afirma Tiago.
“Por esse motivo, para prevenir situações desse tipo, passou a ser muito comum que os contratos de patrocínio esportivo estabelecessem o que chamamos de “cláusula moral”. Em razão da cláusula moral, caso o patrocinado venha a praticar qualquer ato que contrarie aos valores e normas defendidas pela patrocinadora, esta pode vir a rescindir o contrato, sem o pagamento de qualquer multa pela rescisão, ou, em certos casos, inclusive mediante a cobrança de indenização pelo patrocinado”, completa o especialista.
As cláusulas morais sempre existiram nos contratos de patrocínio e normalmente previam a rescisão “por quaisquer atos ilegais” apenas. Hoje em dia elas são bem detalhadas. “Principalmente por conta desses movimentos, contra racismo, violência e qualquer tipo de desigualdade. Cada vez mais isso é importante nos contratos”, conta Juliana.
A Nike, principal patrocinadora da Seleção Brasileira, já rompeu um contrato com Neymar por conta de envolvimento em uma denúncia de assédio contra uma funcionária da marca. Nesse caso, revelado há poucos dias, a empresa alegou que o rompimento aconteceu pela falta de colaboração com as investigações pela parte do atleta.
Para Fernando Monfardini, advogado especialista em Compliance, independente se houve o julgamento ou não, a denúncia e o afastamento já trouxeram inúmeros impactos negativos para a imagem da CBF e reforça a necessidade de mudança de sua governança.
“A CBF esboçou uma reestruturação, mas como não foi feito algo profundo de fato, que alterasse a estrutura política, a entidade nunca conseguiu superar totalmente as desconfianças. Agora, com esse escândalo só reforça que a CBF precisa de uma mudança significa de sua governança. A acusação traz um impacto grande, porque além da mancha da corrupção recente a entidade fica marcada com um presidente acusado de assédio sexual, que é tão grave quanto. Além do próprio fato em si a mensagem que passa é que a CBF não consegue melhorar”, avalia.
A denúncia
Os abusos teriam ocorrido contra uma funcionária, autora da denúncia, a partir do mês de abril do ano passado. Segundo os fatos narrados por ela, estão constrangimentos sofridos em viagens e reuniões com o presidente e na presença de diretores da CBF. Na denúncia, a vítima detalha uma série de comportamentos abusivos de Caboclo, em especial dois, quando ele perguntou se ela se “masturbava” e quando a forçou comer um biscoito de cachorro, chamando-a de “cadela”.
A funcionária também afirma que o presidente da CBF expôs sua vida pessoal para outros funcionários, com narrativas falsas criadas pelo presidente acerca de supostos relacionamentos que teria tido no âmbito da confederação. A denúncia afirma que os abusos eram de conhecimento de outros diretores.
Apesar da denúncia ter sido formalizada na sexta-feira, o tema já era de conhecimento dos principais nomes da CBF há pelos menos um mês e meio, quando a funcionária relatou para colegas e superiores que vinha sendo assediada por Caboclo. Os problemas envolvendo o nome do presidente começaram a surgir no dia 12 de maio, quando a ‘ESPN’ revelou áudios que mostravam a crise dentro da entidade brasileira e a interferência do ex-presidente Marco Polo Del Nero, banido pela Fifa de atividades relacionadas ao futebol, dentro do comando da confederação.
Na ocasião, o Lei em Campo explicou em que situações a entidade máxima do futebol poderia agir e interferir dentro da CBF. Como até então não havia denuncia formalizada, nada foi feito.
Afastamento
Para tentar amenizar a crise política e a forte pressão de diferentes setores, a Comissão de Ética da CBF afastou preventivamente Caboclo de suas funções por 30 dias – podendo ser prorrogado – para que ele responda a denúncia. O cargo será ocupado pelo vice-presidente mais velho da entidade, o Coronel Nunes.
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