Pierre de Coubertain – o “Pai do Olimpismo” moderno – deve andar preocupado onde estiver. A separação do Estado do Esporte pregada por ele anda cada vez mais difícil. E esse não é um movimento de ocupação de um lado sobre o outro, mas um movimento natural dessas duas ordens distintas em busca de um esporte mais organizado e humanizado.
Na semana que passou, participei de um evento da Academia Nacional de Direito Desportivo em Brasília, o Jurisports. Entre tanta gente que mergulha em assuntos em que direito e esporte conversam, coube a mim a missão de refletir sobre direitos humanos e governança e a nova Lei Geral do Esporte.
Refletindo, vejo que nas duas áreas o diálogo entre Estado e Esporte aumentou. Isso provoca irritações, já que são ordens constitucionais distintas, que desencadeiam diálogos que podem representar avanços.
Vamos lá, de maneira bem objetiva.
Direitos Humanos
A Lei 14597/23, nova Lei Geral do Esporte, apresenta avanços importantes na área de direitos humanos, apesar do veto a criação da Anesporte (mas isso é assunto para outra coluna). Reforça compromisso do estado de proteger direitos humanos, avançar na igualdade e combater toda forma de discriminação.
Esse sempre foi um papel do estado, proteger a sociedade e o indivíduo. Declaração Universal de Direitos Humanos, tratados internacionais de DH, Constituição Federais e leis ordinárias, como as leis do esporte tem como pilares a proteção da dignidade da pessoa humana e o combate ao preconceito.
O que acontece é que o esporte historicamente deixava o estado sozinho nessa luta. Pressionado por coletivos globais, por decisões de tribunais estatais e pelo movimento de atletas, o esporte se viu obrigado a avançar em um compromisso que sempre foi dele. Esporte abraça e não afasta.
Entendendo que direitos humanos são elementos intrínsecos ao esporte, nos últimos anos a autorregulação (documentos privados do esporte, como estatutos e códigos de conduta) tem colocado mais cláusulas de proteção a direitos humanos nos seus regulamentos.
Um exemplo, em maio desse ano, depois de uma pressão global em defesa de Vinícius Jr constantemente vítima de racismo na Espanha, o presidente da FIFA Gianni Infantino determinou que as Federações Internacionais de futebol coloquem nos códigos disciplinares uma punição mais rigorosa a atos discriminatórios, inclusive com perda de pontos.
Além disso, os tribunais esportivos estão deixando de lado uma visão mais restritiva de analisar questões que envolvem Direitos Humanos. O papel dessa Justiça privada é também entender a necessidade de melhorar, de se criar mecanismos que reforcem sua independência, valorizem seus representantes e mudem o imaginário coletivo.
Por aqui, a Justiça Desportiva tem apresentado decisõ0es importantes – mesmo que ainda limitada a documentos privados – na proteção de direitos humanos. Como esporte não se afasta do direito, entendo que legislação estatal é sempre um documento necessário.
O TAS – Tribunal Arbitral do Esporte, última instância internacional da justiça desportiva mundial – tem tomado esse caminho, refletindo sobre questões de proteção de direitos humanos indo muito além das regras esportivas, analisando documentos e jurisprudência estatais a fim de proteger a essência do exporte e a própria autonomia desse movimento jurídico privado.
Ou seja, como direitos humanos são a base do direito e esporte não se afasta do direito, direitos humanos são intrínsecos ao movimento esportivo. O Estado não está mais sozinho nessa área.
Governança e conformidade
Em função da autonomia esportiva, protegida inclusive constitucionalmente pelo art 217 da CF, o Estado sempre se manteve mais distante de questões administrativas. Assim deve ser, uma vez que as entidades esportivas tem o direito de escolher a forma que vão seu auto administrar.
Agora, a gente vê na nova Lei Geral do Esporte alguns avanços na área de integridade que vão além dos compromissos que entidades esportivas que se relacionam economicamente com o Estado precisam ter.
A nova Lei geral do Esporte tipifica o crime de corrupção privada no esporte – até então não era crime! Ela cria uma espécie de ficha limpa para gestores esportivos. Isso é revolucionário, um crime que o Estado pode e deve vigiar e agir. Claro que para isso, o papel da organização privada do esporte é importante.
O caso do Internacional é emblemático. O conselho do clube se reuniu, investiu, abriu processo interno e expulsou ex-dirigentes que tiraram dinheiro do clube. Juntou os documentos e encaminhou ao MP. Houve denúncia, processo e condenação. Um bom exemplo de como esporte e Estado podem agir juntos para melhorar a gestão esportiva.
Agora, ao exigir que entidades esportivas apliquem Fair Play Financeiro – mesmo aquelas que não se relacionam diretamente com o Estado – acredito que a lei avança um pouco nos limites constitucionais, por melhor que seja o artigo. Fair Play é excelente, mas me parece que o caminho adequado é que o esporte abra os olhos e faça o que é certo, de maneira autônoma e legítima.
Estado e Esporte podem andar juntos
A verdade é que na busca de num esporte mais humano, responsável e ético, o diálogo entre Estado e Esporte pode ser produtivo, pode trazer aprendizados. Mesmo contrariando Coubertain. O desafio é se manter instâncias legítimas, comprometidas com regras, direitos, devido processo legal, direitos humanos e a ordem (esportiva e social) é permanente.
Nesse caminho de aperfeiçoamento permanente do esporte, tendo integridade e direitos humanos como pilares, avanços precisam ser buscados de maneira permanente. Seja pelo ensinamento que a legislação estatal traz, seja pela autorregulação que o movimento esportivo tem apresentado. Nesse processo, é fundamental entender que estas decisões privadas, ao lado dos princípios gerais de Direito e da proteção de direitos humanos são pilares para a afirmação da autonomia da ordem desportiva de uma maneira séria, responsável e segura.
Isso porque na vida e no esporte, o direito é sempre um aliado.
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