A FIFA pode acabar com a carreira de um jogador? Resposta certa, pode. O goleiro chileno Roberto Rojas é um exemplo. Ele foi banido do esporte depois de tentar aplicar um golpe em um Maracanã lotado, com mais de 140 mil testemunhas.
Agora, como uma entidade esportiva pode proibir alguém de trabalhar, se ela não regula as relações trabalhistas de um país? Entra aí o princípio da autonomia esportiva. Antes de esclarecer isso, ao caso de uma das maiores farsas que o futebol já apresentou.
Dia 3 de setembro de 1989. Maracanã recebe um público 141.072 torcedores. Brasil e Chile se enfrentavam pelas eliminatórias para a Copa do Mundo da Itália. A seleção chilena precisava de algo surpreendente para vencer o jogo e garantir uma vaga no mundial, já que perdia por um a zero e era dominada pelo time de Sebastião Lazaroni.
24 minutos do segundo tempo, e o improvável aconteceu. Um sinalizador foi lançado da arquibancada pela torcedora Rosenery Melo. Imediatamente, o goleiro Rojas caiu, ensanguentado e reclamando muito de dores. Havia um corte na testa. Rapidamente todos os jogadores chilenos deixaram o campo, reclamando de falta de segurança. A imagem do goleiro carregado pelos companheiros ganhou o mundo.
Após o jogo, torcedores chilenos foram às ruas festejar. No aeroporto, uma multidão esperava o time, tratado como vítima de violência no Brasil. Os jogadores foram recebidos como heróis. Como a partida foi encerrada antes dos 30 minutos do segundo tempo, o Chile iria jogar a Copa do tapetão. A chance de ir para o mundial seguia viva.
Mas não durou muito. Imagens mostraram que o foguete caiu a um metro do goleiro. E mais: um exame não encontrou presença de pólvora nem queimadura no local do ferimento, somente um corte. E, para complicar o que já estava complicado, a TV mostrou que, ao cair, Rojas tirou um objeto de dentro da luva. Era uma lâmina. Sim, o goleiro chileno havia premeditado um golpe. Ele levou para o campo lâminas e as deixou escondidas dentro das luvas. A ideia era utilizar o artefato assim que o pretexto aparecesse. O sinalizador apareceu.
A imprensa ajudou a FIFA, e a farsa foi desmascarada. Os próprios jogadores chilenos confessaram a armação. Rojas assumiu: “Me cortei com uma gilete, e a farsa foi descoberta. Foi um corte na minha dignidade”. A entidade máxima do futebol agiu rapidamente e de maneira rigorosa, contrariando a normalidade de suas ações. As punições foram fortes.
Roberto Rojas foi banido do futebol. Além dele, o técnico Orlando Avarena, o médico Daniel Rodríguez e o dirigente Sergio Stoppel também foram afastados em definitivo do futebol. O capitão da equipe, Fernando Astengo, pegou suspensão de quatro anos. E, mais, o Chile foi impedido de disputar as Eliminatórias para a Copa de 1994. A FIFA decretou vitória brasileira por 2 a 0, e a classificação para a Copa da Itália estava garantida.
Em 2001, Rojas foi perdoado pela Fifa, que retirou seu banimento. O chileno trabalhou como treinador de goleiros do São Paulo, seu último clube como jogador profissional. No clube paulista, chegou a ser treinador. Já Rosenery ficou famosa. Mesmo tendo sido presa em flagrante naquele dia, ela acabou libertada depois do descobrimento da farsa e virou capa da revista Playboy. Ganhou apelido, a “fogueteira do Maracanã”.
Agora, voltamos para o princípio esportivo que garante a uma entidade proibir um atleta de continuar trabalhando. O futebol, assim como o esporte, está organizado pelo Ein Platz Prinzip, que é um encadeamento voluntário de filiação, desde o atleta até a organização máxima do esporte, o Comitê Olímpico Internacional ou a FIFA, por exemplo. Ou seja, um atleta se associa a um clube, ele se reúne em uma liga ou se filia a uma federação, esta a uma confederação, que está subordinada a uma entidade transnacional que determina uma direção única, suprema e universal.
Um atleta participa dessa cadeia voluntariamente, e segue nela desde que cumpra com as regras determinadas por ela. E a autonomia esportiva garante à entidade máxima determinar as próprias regras, como também definir um tribunal adequado para resolver as questões pertinentes ao jogo.
Roberto Rojas poderia trabalhar, claro. Mas não poderia mais jogar futebol dentro do sistema FIFA. O esporte é assim. E nada impede que as pessoas formem uma liga independente da FIFA e joguem futebol, criando novas regras.