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Copa do Mundo no Qatar, um exemplo clássico de Sportwashing?

A Copa do Mundo do Qatar está sendo marcada pelos protestos, dentro e fora das quatro linhas. O Mundial, primeiro a ser realizado em um país do Oriente Médio, não está sendo destaque por essa questão, mas sim por ser apontado como um exemplo prático do que se conhece como “sportwashing”.

Sportwashing é um termo criado a partir da palavra inglesa “whitewashing”, com significado de acobertar/esconder fatos desagradáveis sobre uma coisa ou pessoa, no contexto da campanha de nome Sports or Rights que tinha por base uma crítica ao governo do Azerbaijão comandado pelo ditador Ilham Aliyev em 2003. Com aparição em 2018 na Anistia Internacional (Organização Não Governamental, que defende a mobilização por justiça social no mundo), o termo passou a se consolidar e ser utilizado desde então. A palavra engloba, assim, a ideia de o esporte ser utilizado como mecanismo para desviar a atenção de questões importantes que estão acontecendo num determinado país, podendo ser elas questões de cunho político e/ou social, com por exemplos direitos humanos, corrupção, entre outros.

Na prática, podemos comparar com a famosa política do Pão e Circo, tão conhecida na Roma antiga, na qual a população era mantida entretida por meio dos espetáculos das arenas, evitando que se abrisse espaço para reclamações e rebeliões em decorrência de questões político-sociais. Ou seja, trata-se de uma ferramenta que visa basicamente manipular percepções e opiniões a fim de ocultar um problema real.

“O interesse de um país sedear a Copa do Mundo, além do ganho econômico direto, é aumentar a visibilidade global do país. Ou seja, os aspectos turísticos, culturais são difundidos com o amplo destaque do país que recebe a competição mundial de futebol. Muitos países, ainda, buscam essa vidência como estratégias de aproximar a população, transmitir uma boa imagem do país perante o mundo, obter apoio de outras nações, muitas vezes inserindo cunho políticos com o esporte, e é por isso que são comuns os exemplos em que o esporte foi instrumento de softpower. Desde a escolha de Qatar como sede da Copa do Mundo de 2022, e principalmente com a aproximação dessa tão esperada competição, diversas notícias do país foram divulgadas, sobressaindo a flagrante afronta a direitos humanos assegurados majoritariamente pelos países participantes da Copa. Não se pode afirmar que o país valeu-se da competição como instrumento de sportwashing. Ao contrário, os fatos recentes apenas reforçam os funestos reflexos da cultura extremista do país, e diversas situações intoleráveis que atualmente são combatidas em diversos países do mundo”, avalia Ana Mizutori, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

O advogado Martinho Miranda, especialista em direito desportivo e colaborador do Lei em Campo, afirma que “países que violam os direitos humanos costumam usar o esporte como forma de escamotear suas ações internas para terem maior aceitação internacional”.

O Qatar é alvo de inúmeras denúncias relacionadas a violação dos direitos humanos, como no caso dos trabalhadores migrantes que trabalharam nas obras da Copa do Mundo.

Segundo um relatório do jornal britânico ‘The Guardian’, cerca de 6,5 mil trabalhadores migrantes morreram no Qatar, sendo esse o maior número de mortes já registrados na preparação para uma Copa do Mundo. O tabloide cita ainda que o país do Oriente Médio teria rejeitado os pedidos para indenizar os trabalhadores mortos ou feridos nas obras.

A Anistia Internacional cita que há evidências da falta de proteção aos trabalhadores imigrantes durante os anos de preparação da Copa do Mundo no Qatar. O país foi escolhido pela FIFA como sede do Mundial deste ano em 2010. Visando preparar Doha para receber o evento, o governo catari investiu US$ 220 bilhões na construção de estádios e infraestrutura. Essas obras atraíram centenas de milhares de trabalhadores migrantes, vindos especialmente de regiões pobres de países asiáticos como Nepal, Índia, Bangladesh e Paquistão.

Recentemente, a organização solicitou ao presidente da FIFA, Gianni Infantino, a atribuição de uma compensação financeira aos migrantes que trabalharam nas obras dos estádios para o Mundial. A “indenização” seria uma forma de reparar, em partes, os abusos sofridos por eles.

Além disso, o país também é alvo de inúmeras críticas pela postura em relação aos direitos das mulheres e da comunidade LGBT. O Código Penal do Qatar, por exemplo, considera crime a homossexualidade.

De forma semelhante, não foram incomuns as insurgências populares no Brasil contrárias a realização da Copa do Mundo de 2014, oportunidade em que a população questionou os voluptuosos dispêndios estatais com a realização do evento em detrimento de severos problemas sociais enfrentados na saúde e educação pública, bem como a desigualdade social generalizada. Quando um evento desta magnitude está em vias de acontecer, toda a atenção está focada no país- sede, e se os argumentos a favor eram os benefícios sociais que a copa traria ao Brasil, um dos pontos levantados e com grande relevância para a população foi que o orçamento reservado pelo governo de US$13 bilhões seria usado em projetos de infraestrutura nas cidades sedes. Contudo, o que se viu, em verdade, foi que a maior parte deste valor foi usado efetivamente para construções de estádios, gerando grande insatisfação popular.

Assim, o que se vê atualmente é que a tentativa de se abrir para o mundo representa verdadeira faca de dois gumes pois, ao mesmo tempo em que o país tenta vender uma imagem positiva ao mundo, esse mesmo mundo, principalmente ante as ferramentas tecnológicas e de comunicação existentes, pode acabar por tomar ciência de suas eventuais desigualdades e violações gerais de direitos. E, uma vez ciente de tais questões, exercer pressões sociais e políticas para defender a melhor gestão estatal, sempre sentido a um Estado de garantias mínimas sócio-políticas e de direitos humanos, modelo este cada vez mais amplamente defendido em escala global.

O que se verifica, portanto, é que os eventos desportivos de ampla repercussão, à exemplo das Copas do Mundo, historicamente tendem a, de alguma maneira, ser usados pelos governantes como mecanismo de Sportwashing, seja para fomentar objetivos econômicos, impor ideologias e regimes políticos, seja para mascarar desigualdades sociais e violação de direitos em geral.

Crédito imagem: Getty Images

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