O Coritiba ganhou um importante fôlego para reorganizar suas dívidas antes de migrar para o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Na última segunda-feira (21), a Justiça do Estado do Paraná aprovou o pedido de recuperação judicial (RJ) apresentado pelo Coxa, que agora terá 180 dias (6 meses) para ajustar seu caixa. Esse “movimento” está sendo cada vez mais utilizado pelos clubes de futebol endividados para evitar a falência, mas gera debates.
“A pretensão do Coritiba de equacionar seu passivo tributário antes de constituir uma SAF é um movimento bastante interessante, pois o clube já chega ao mercado com uma solução para a sua dívida, e não deixa a cargo do investidor o ônus de ter que resolver o passivo. Esse movimento, a meu ver, valoriza o clube, além de evitar discussões como a que foi vista recentemente entre o Cruzeiro e o seu investidor, Ronaldo, que demandou ajustes no contrato firmado ao tomar conhecimento mais aprofundado da situação financeira do clube”, avalia Rafael Marcondes, advogado especialista em direito tributário, que acrescenta:
“O Botafogo é um exemplo positivo que seguiu esse caminho. O clube primeiro organizou seu passivo tributário por meio de uma transação com o Governo Federal, para depois ir atrás de se capitalizar via SAF. Evitou surpresas e, pelo menos até o momento, não se vê seu investidor trazendo questionamentos ao clube quanto ao seu passivo tributário”.
Já o advogado trabalhista Theotonio Chermont critica a decisão por entender que a Lei 11.101/2005, também conhecida como Lei da Falência, não se aplica para associações sem fins lucrativos, como é o caso do Coritiba.
“Abriram a porteira e passaram a deferir a clubes de futebol mal geridos há décadas benefícios de juridicidade duvidosa, tal como a recuperação judicial. Entendo que a Lei 11.101/2005 não se aplica às associações sem fins lucrativos, mas tão somente para sociedades empresárias. É oportunista aplicar a referida lei a clubes somente quando é conveniente, pois sempre tiveram inúmeros benefícios fiscais e previdenciários distintos das sociedades empresárias. Se querem o bônus deveriam também arcar com o ônus, inclusive no tocante a desconsideração de personalidade jurídica a que as sociedades empresárias estão sujeitas. Não cabe fracionar benefícios e regalias”, afirma o especialista e colunista do Lei em Campo.
Theotonio Chermont cita ainda que os credores são os mais prejudicados com essas decisões.
“A recuperação judicial é o melhor dos mundos para os maus pagadores e pior dos mundos para os credores. É um processo que, muitas vezes, não acaba e acarreta deságios estratosféricos. Infelizmente, vivemos um cenário onde o legislador criou mecanismos para salvar clubes em detrimento dos credores. Falo da Lei da SAF (Lei 14.193/2021). Não houve equilíbrio. Estamos vendo na prática diversas execuções suspensas, pedidos de recuperação judicial deferidos, clubes sonegando valores para os credores e RCEs (Regime Centralizado de Execução) mal organizados em termos de transparência. De nada adiantaram os diversos planos especiais de execução e atos trabalhistas criados à margem da lei desde 2003, pois a esmagadora maioria dos clubes aproveitou o conforto das execuções para se alavancar e gastar mais do que podia, ao invés de adotar uma gestão austera. Duvido que esses clubes beneficiados pela RJ paguem suas dívidas corretamente”, critica.
A decisão desta segunda-feira foi proferida pela magistrada Luciane Pereira Ramos, da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba. A magistrada entendeu que o Coritiba preencheu os requisitos legais para o requerimento: exerce regularmente suas atividades, não se encontra falido e seu presidente (Juarez Moraes e Silva) não conta com antecedentes criminais. O Coxa ganhará tempo para equacionar suas dívidas, negociar com os credores, além de ter os processos e protestos suspensos por 180 dias (6 meses).
Ao site do ‘ge’, o vice-presidente do Coritiba, Glenn Stenger, comentou a decisão: “A RJ faz com que o clube possa ter condições de adequar seu fluxo de caixa, permitindo que as suas obrigações sejam cumpridas. A situação financeira, como estava, certamente levaria o clube à inadimplência com inúmeros credores”.
Na justifica apresentada à Justiça para pedir a recuperação judicial, o Coritiba citou a necessidade de reorganizar uma dívida de R$ 114,2 milhões. No último balanço financeiro, referente ao ano de 2020, o Coxa declarou um débito total de R$ 276 milhões. O relatório de 2021 tem até abril para ser divulgado.
Com o pedido aceito pela Justiça, o Coxa terá que cumprir as seguintes obrigações nos próximos dias para dar andamento ao processo:
– Comunicar à Justiça todas as ações propostas contra o clube;
– Abster-se, até a aprovação do plano de recuperação judicial, de distribuir lucros ou dividendos a sócios e acionistas;
– Fica proibida a alienação ou oneração de bens ou direitos de seu ativo não circulante – não ser os autorizados em juízo ou os previamente autorizados no plano da RJ;
– Apresentar contas até o dia 20 de cada mês, enquanto perdurar a recuperação judicial;
– Entregar mensalmente ao Administrador Judicial todos os documentos por ele solicitados, a fim de que possam ser fiscalizadas as atividades de forma adequada;
– Apresentar o plano de recuperação judicial no prazo improrrogável de 60 dias contados da publicação da decisão.
Por fim, a magistrada deixa claro na decisão que o descumprimento dessas obrigações poderá ocasionar no afastamento do devedor ou de seus administradores da condução da atividade empresarial e que a recuperação judicial poderá ser convolada em falência.
Crédito imagem: Coritiba
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