Por Cristiano Augusto Rodrigues Possídio
O mundo passa por um momento delicado por força da pandemia decorrente do COVID-19. A velocidade com que o coronavírus se espalhou, aliado a outros fatores que não cabem aqui relacionar, acabou vitimando milhares de pessoas em diversas partes do planeta; colapsou sistemas de saúde; destruiu lares e relacionamentos com impactos incalculáveis em diversas atividades econômicas, impondo como medida universal e de segurança sanitária a paralisação do futebol.
Os atores principais que movimentam a indústria do entretenimento em torno do futebol são atletas, clubes e federações; e todos, absolutamente todos foram surpreendidos com o surto e seus reflexos. Sem dúvida alguma, o clima de apreensão é compartilhado, ainda que os motivos sejam variados – alguns convergentes, outros concorrentes.
O problema é que o momento não é adequado para soluções contenciosas; é da busca por resoluções e a via negociada/coletiva é a que mais se revela adequada, até porque, abstraindo-se todos os interesses que possam se conflitar, há um que é essencial e comum a todos: a manutenção da atividade econômica e, portanto, dos empregos e das competições ainda para 2020 com provável projeção dos seus efeitos, no mínimo, para o ano de 2021.
Embora a Medida Provisória nº 927, publicada no DOU em 22.03.2020, não faça qualquer tipo de exclusão à categoria diferenciada dos atletas profissionais e, portanto, até mesmo pelas circunstâncias especiais e de força maior vivenciadas pelos brasileiros, abranjam, em tese, também os Contratos Especiais de Trabalho Desportivo, sinceramente não creio que as soluções via acordos individuais seja o melhor caminho, a não ser que ocorra uma resistência inesperada dos Sindicatos, em especial da FENAPAF, para negociar as medidas a serem adotadas durante o período da quarentena, paralisação das atividades e escassez dos recursos.
Em breves palavras: o que se está a buscar é a melhor e mais sensata alternativa para salvar o ano que pode, simplesmente, passar para a história como perdido!
Li relatos sobre propostas apresentadas pela Comissão de Presidentes dos clubes encaminhadas à FENAPAF (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol), fato divulgado na imprensa[1] e que a FENAPAF prometeu responder[2], porém já adiantando que possivelmente não aceitaria uma redução salarial de 50% (cinquenta por cento), a partir do retorno das férias coletivas que seria a primeira medida a ser implementada.
É óbvio que a remuneração do atleta – e de qualquer trabalhador – é o que lhe reserva de mais importante, porque garante a sua subsistência e de sua família. Não por acaso é tema delicado e deve ser tratado com bastante cuidado e responsabilidade. Porém, com a inegável estagnação da atividade econômica, qualquer radicalismo no trato da matéria, de um lado ou de outro, poderá simplesmente significar estado de insolvência dos clubes, desemprego e, pior, um cenário futuro de maior retração de vagas e movimentações de atletas no país e no mundo, com prazo ainda maior para uma estabilização e retomada de crescimento do mercado, inclusive de trabalho.
Trazendo a coisa para a perspectiva jurídica, ainda que de modo singelo, cabe relembrar a vigência do princípio da irredutibilidade salarial, contemplado no art. 468, da CLT. É uma regra geral e ninguém ousaria atacá-la para defender sua inconveniência; todavia, a própria Constituição Federal de 1988, a par de registrar esse princípio na parte inicial do inciso VI, do art. 7º, imediatamente o excetuou ao final, possibilitando a redução salarial, desde que precedida por negociação coletiva.
Sábio o legislador constituinte, porquanto reconhece a importância alimentar do salário e a necessidade para manutenção e segurança jurídica do trabalhador, porém ressalvou hipóteses especialíssimas em que se poderá reduzir, reconhecendo nos Sindicatos a capacidade e legitimidade para verificar sua necessidade e conveniência.
Ora, em mais de 23 anos de advocacia, não consigo vislumbrar momento mais adequado para se debater isso, com protagonismo – sim – das entidades sindicais que devem buscar, junto com os clubes, soluções equilibradas para que o cinto aperte em todos, porém com equilíbrio e sensatez, afinal de contas um depende do outro para sobrevivência econômica.
Há de ser acrescentado como elemento especial, duas das muitas importantes missões atribuídas aos Sindicatos, estabelecidas nos arts. 513, “d” e art. 514, “a”, da CLT, quais sejam, colaborar com os Poderes Públicos no desenvolvimento da solidariedade social e contribuir com o Estado no estudo e solução de problemas que se relacionam com a respectiva categoria.
O momento é crítico e a perspectiva de paralisação das atividades pode se projetar no tempo e se impor por meses a fio, inclusive transpassando o primeiro semestre de 2020. O instante não é para individualismos ou a defesa de interesses pessoais ou exclusivamente de classes; é hora de entender que a solução coletiva e negociada é a melhor – e talvez única – opção para se ultrapassar essa fase bastante complicada com o mínimo de danos possíveis e com alguma esperança de reestruturação de toda a engrenagem do futebol no menor espaço de tempo disponível.
Portanto, além do próprio art. 7º, VI, parte final, da CF permitir a redução salarial, qualquer medida que vise a manutenção dos empregos não pode deixar de ser considerada, mesmo que em algum momento seja necessária a suspensão dos contratos de trabalho. Se houver pacto coletivo em derredor da redução salarial, o §3º, do art. 611-A, da CLT também a permite, desde que se proteja os trabalhadores da rescisão imotivada durante o prazo de vigência do instrumento normativo. Portanto, pode-se pensar em projetar e ampliar os contratos que em um dado momento venham a ser suspensos pelos meses faltantes, considerando o tempo de suspensão, devendo a entidade de administração do desporto ajustar o calendário do futebol para atender as essenciais demandas dos clubes e atletas.
Destarte, nada impede ou, ao revés, o cenário praticamente impõe que efetivamente as partes sentem na mesa para negociar e o façam buscando encontrar saídas adequadas ao momento desafiador.
É inexorável que todos sofrerão perdas no período, inclusive porque o impacto econômico negativo possivelmente se projetará no tempo por alguns anos e pelas próximas temporadas, daí porque o aqui e o agora deve ser vislumbrado senão também com a essencial perspectiva do amanhã.
Finalizo, citando o escritor da Grécia antiga, Esopo, bem adequada para o momento em que vivemos:
“Unidos venceremos. Divididos, cairemos”!
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Cristiano Augusto Rodrigues Possídio é advogado. Sócio-fundador e vice-presidente do IDDBA (Instituto de Direito Desportivo da Bahia). Membro do IBDT (Instituto Bahiano de Direito de Trabalho). Membro do IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo). Ex-auditor da Justiça Desportiva do Futebol da Federação Baiana de Futebol. Ex-conselheiro da Associação Baiana de Advogados Trabalhistas. Integrante da Comissão de Direito Desportivo da ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas).
[1] https://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/ferias-ate-21-de-abril-50percent-de-salario-e-imagem-se-paralisacao-seguir-veja-as-propostas-de-clubes-a-atletas.ghtml
[2] https://globoesporte.globo.com/rj/futebol/noticia/sindicatos-prometem-contraproposta-na-segunda-feira-para-clubes-dialogo-esta-aberto.ghtml