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Covid-19 e a relação de trabalho desportiva

Rafael Teixeira Ramos & Ana Cristina Mizutori

A pandemia causada pela Covid-19 assolou o planeta de diversas formas tenebrosas. Atividades comerciais suspensas, crise financeira, diversas contaminações e mortes, e um imensurável sofrimento coletivo que atingiu todo mundo.

Diante das inúmeras, inevitáveis e lamentosas repercussões negativas advindas da Covid-19 em todas as esferas, as relações de trabalho, no aspecto de relação social, não escaparam ilesas dessas mudanças e adaptações.

Os direitos e obrigações na relação de trabalho passaram a contar com novos impasses: a possibilidade de o empregador punir o empregado que descumprir as medidas de prevenção ao vírus Sars-CoV-2.

A esse respeito, o Ministério Público do Trabalho manifestou o entendimento no sentido de ser possível a demissão por justa causa do empregado que, por exemplo, se recusar a ser vacinado.

Na mesma linha seguiu o Supremo Tribunal Federal em recente julgamento emanado para permitir o Estado punir aquele que desatender as medidas impostas pelas autoridades de saúde para combater a disseminação do vírus.

Como toda relação jurídica, obrigações e direitos devem ser balanceados. No caso em questão, a empresa tem o dever de informar os empregados, e criar um protocolo institucional, a fim de colocar em prática aquilo que restou estabelecido pelas entidades sanitárias. Devidamente oferecida a estrutura necessária ao empregado, o empregador pode exigir o cumprimento de suas obrigações, sendo dever do empregado contribuir para o ambiente de trabalho seguro, saudável e equilibrado.

A Consolidação da Leis do Trabalho possui aplicação subsidiária na esfera laboral desportiva. Significa dizer que às relações de trabalho de atletas profissionais, aplica-se a normativa imposta pela Lei n. 9.615 ̸98 (Lei Pelé), em seu artigo 28, § 4º, permitindo o uso de determinados dispositivos da CLT, desde que não haja incompatibilidade com as normas específicas do trabalho desportivo previstas na referida Lei.

Entre normas trabalhistas aplicáveis na relação de trabalho desportiva, as disposições que regem o poder disciplinar do empregador (arts. 474, 482, da CLT) são compatíveis com o regime jurídico do labor desportivo.

No que se referem aos atletas profissionais, impõem-se peculiaridades específicas da profissão, fato este que conferem direitos as entidades de prática desportiva contratante e, respectivamente, deveres aos atletas contratados, a fim de assegurar o rendimento esperado, objeto da relação entre estes.

O saudoso professor Álvaro Melo Filho, a quem dedica-se esta coluna, ensina que há uma razão de ser ‘especial’, o contrato de trabalho desportivo, já que conta com aspectos desportivos próprios do alto rendimento que do atleta, e tendo o corpo como instrumento de trabalho, referida relação deve contar com imposições também fora de jogos e treinos.

Como exemplo para ilustrar o ensinamento acima, um atleta tem o dever de se atentar às substâncias que ingerem, bem como, de manter a disciplina em treinos, ainda que em períodos de inatividade profissional, já que ambos os fatores citados impactam diretamente o seu desempenho, sem contar que podem, inclusive, irem de encontro às regras impostas, como o uso de substâncias ilícitas (doping).

Importante citar que as obrigações são recíprocas (dependentes entre si – o sinalágma contratual). A entidade de prática desportiva, na qualidade de empregadora, possui inúmeros deveres, sob pena também de incorrerem em responsabilização pelo descumprimento de leis e regras, podendo valer-se o empregado da rescisão indireta, assim como ocorre em outras atividades profissionais.

Evidente que exigências impostas ao atleta profissional, como as citadas acima, ainda que adentrem na esfera íntima/pessoal do profissional, desde que minimamente razoáveis, são aceitáveis legalmente, uma vez que correspondem às particularidades das atribuições do empregado, sendo este atleta de alto rendimento.

As obrigações específicas impostas ao atleta profissional encontram-se elencadas no artigo 35 da Lei Pelé.

Deveres como a preservação das condições físicas que permitam o atleta participar das competições desportivas, e o cumprimento das normas de disciplina e ética desportivas, mais do que nunca devem ser observadas neste momento de pandemia do covid-19.

Em uma situação de inevitável calamidade e de intermináveis inferências, todos devem agir para colaborar com o bem comum e com a ordem pública. Diante de um cenário onde deve-se escolher o cenário menos desafortunado, e que todas as saídas suscitam adversidades, todos devem contribuir com o que lhe cabe.

O esporte, em seu viés social, como canal para infundir bons exemplos à grande massa que o acompanha, tem um importante papel na contribuição de medidas que possam estimular um comportamento adequado em prol de todos.

E neste raciocínio, não é somente adequado, mas exigível e necessário que os gestores das entidades de prática desportiva se valham do seu poder disciplinar, notadamente do artigo 35 da Lei Pelé, para impor sanções e assegurar um modelo a ser seguido.

No futebol, por exemplo, onde a paixão transforma-se em poderoso instrumento de influência, é fundamental que haja uma responsabilização sobre atos não condizentes com um desportista.

O esporte é muito mais do que gols, troféus, títulos e montantes milionários transitando pelo mercado. O esporte é, e deve ser, um instrumento de educação, de inclusão, de cooperação e sinergia. Para tanto, a postura dos membros que o compõem devem se coadunar com o espírito esportivo.

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