A pirataria no futebol não é um problema exclusivo da América do Sul, mas sim global. Com o avanço tecnológico, a facilidade de acesso à internet e o surgimento de plataformas de streaming ilegais, os direitos de transmissão passaram a ser cada vez mais violados, resultando em perdas financeiras significativas para os detentores legais desses direitos e também para as entidades esportivas.
“Se você for no Google e buscar resultados para ‘quero comprar cocaína’ ou ‘como montar uma bomba’, dificilmente encontrará algo. Mas se você colocar ‘como assistir futebol de graça’, serão vários os resultados. Pirataria é roubar e, portanto, deveria ser tratado de maneira equivalente, mas infelizmente não é que ocorre”, essa declaração impactante foi feita por Javier Tebas, presidente da LaLiga, durante o Summit de Propriedade Intelectual, da LAAPIP, realizado no começo de abril, em Miami, nos Estados Unidos.
O evento contou com a presença de importantes instituições do futebol, como FIFA, CONCACAF e LaLiga, que demonstraram preocupação não só com as formas de combate, mas também com os prejuízos gerados pela pirataria.
A LaLiga, organizadora do Campeonato Espanhol, estima perdas de 200 milhões de euros anuais. Em recente entrevista, Seth Bacon, vice-presidente de mídia da MLS, destacou que a indústria esportiva movimentou US$ 55 bilhões em 2023 e perdeu US$ 28 bilhões, ou sejam o faturamento poderia ter sido 50% maior.
Na Itália, o problema se tornou tão grave, que a Série A, organizadora do campeonato nacional, lançou oficialmente sua própria campanha antipirataria, pois entende que o atual modelo de direitos de transmissão pode colapsar e resultar em bilhões de dólares perdidos em receitas, bem como milhares de empregos. A LaLiga, por sua vez, chegou ao ponto de criar uma agência específica para combater a pirataria.
O Brasil, por conta da dimensão e população continentais, além da quantidade de times participando das principais competições de clubes da Conmebol, é considerado o principal desafio na América do Sul. O país perdeu 16.5 milhões de postos de trabalho somente em 2023, de acordo com pesquisa da ALIANZA, que também levantou que 23% dos mais de 81,6 milhões de usuários residenciais acessam por meios ilegais as TVs por assinatura na América Latina e Caribe.
Diante desse cenário, que parece cada vez mais problemático com os passares dos anos, a Conmebol passou a tratar o tema com maior seriedade, discutindo e estudando o tema de maneira detalhado, além de participar de fóruns que reforçam o comprometimento com o assunto. Além disso, a Confederação Sul-Americana tem elaborado planos para reduzir os efeitos desta ilegalidade em suas competições.
Buscando selecionar e implementar as melhores ferramentas de monitoramento e controle da pirataria, a Conmebol passou a contar com a assistência da FC Diez Media, responsável por gerenciar as redes sociais, venda de direitos de transmissão, patrocínio e licenciamento para a Libertadores masculina e feminina, Copa Sul-Americana e a Recopa, desde 2019.
Em entrevista exclusiva ao Lei em Campo, representantes da Conmebol e da FC Diez Media contaram um pouco dos principais desafios no combate à pirataria no futebol sul-americano.
Lei em Campo – Quais são os ativos que a Conmebol comercializa e a importância que isso representa para o futebol sul-americano?
Monserrat Jimenez, Secretária Geral Adjunta e Diretora Jurídica da Conmebol – “A Conmebol é a titular dos direitos de propriedade intelectual sobre as marcas Libertadores, Sul-Americana, Recopa, Libertadores feminina, Copa América, dentre outras, todas devidamente registradas não só nos 10 países sul-americanos que conformam a jurisdição da Confederação, mas também em cinco outros países, incluindo os Estados Unidos e a Comunidade Europeia. A titularidade e exclusividade sobre o uso das referidas marcas permite a sua exploração comercial através, por exemplo, dos contratos de patrocínio e licenciamento. Além das marcas e demais ativos relacionados (logos, mascotes, insígnias e etc.), a CONMEBOL também é titular dos direitos que derivam da gravação dos respectivos campeonatos que organiza. Esses direitos são licenciados às transmissoras que contratam com a Confederação, fazendo-se cumprir com os compromissos estatutários de distribuição das competições organizadas pela CONMEBOL. Na temporada 2023, as competições de clubes da CONMEBOL foram licenciadas e vistas em 194 países. É um marco histórico, que confirma o alto interesse não só regional, senão global, no futebol sul-americano. As licenças, seja de transmissão ou de patrocínio, perfazem uma fonte de arrecadação de suma importância, que se reverte quase que integralmente ao futebol do nosso continente, por meio de investimentos nos estádios, treinamento e capacitação e, claro, dos prêmios, que na temporada passada totalizaram USD 290 milhões entre Libertadores masculina e feminina, e Recopa.
Lei em Campo – Como proteger esses ativos contra a pirataria? Há um departamento na Conmebol destacado para a tarefa?
Monserrat Jimenez – “A exclusividade que brindamos aos nossos licenciados requer um exercício contínuo de proteção. Esse controle é feito pela área de Propriedade Intelectual da Conmebol, com a assistência da FC Diez Media, e juntamente a fornecedores especializados com enfoque em sinais piratas de transmissão, venda de produtos contrafeitos e campanhas associativas não autorizadas, comumente conhecidas como ‘ambush marketing’.”
Lei em Campo – Quais os pilares e planos de ação que vocês estabeleceram e por quê?
Monserrat Jimenez – “Em aderência às melhores práticas do mercado, a CONMEBOL estabeleceu como plano de ação o monitoramento constante das principais redes sociais, plataformas de e-commerce e marketplace, além de contar com a parceria de seus licenciados, incluídas as transmissoras e patrocinadores, na detecção de potencias infrações nos seus respectivos territórios e segmentos. Assim, a CONMEBOL consegue atuar de maneira mais estratégica, investigando e atacando as violações que têm um real potencial de comprometer o valor e a exclusividade dos seus ativos de propriedade intelectual. Para ilustrar a criticidade do problema e o alcance das medidas adotadas, na temporada 2023, foram detectadas 63.867 transmissões ilegais em mídia social relativas a jogos organizados pela CONMEBOL. Desse total de infrações, muitas das quais se davam através do Youtube, conseguimos remover cerca de 99,4%. Quando ampliamos o universo das infrações a outras plataformas digitais, chegamos a uma taxa de efetividade de 83%. Importante notar que, dos sites dedicados à transmissão pirata, muitos são provenientes de países distantes e pouco acessíveis juridicamente, como Ucrânia, Estônia e Bangladesh. Adicionalmente, a CONMEBOL tem como objetivo conscientizar o mercado sobre as suas políticas de proteção à propriedade intelectual, por meio de publicações e participação em eventos como o encontro da Associação de Antipirataria e Propriedade Intelectual na América Latina (LAAPIP, em inglês), que ocorrerá no próximo dia 03 de abril, em Miami.”
Lei em Campo – Além da América do Sul, quais outros territórios/países são prioridade para a Conmebol, na distribuição das suas competições e, consequentemente, no combate à pirataria?
Pedro Visconti, Brazil Country Manager da FC Diez Media – “Além da América do Sul, que é o palco das competições organizadas pela Confederação, os principais territórios que consomem os conteúdos da Conmebol são o México e os Estados Unidos, ambos na América do Norte, e Europa, com destaque para Portugal, Espanha e Itália. Nesse sentido, a Conmebol se assegura, com seus fornecedores especializados, de que o monitoramento de potenciais infrações, especialmente no que diz respeito aos sinais piratas, inclua essas regiões. Com isso, a Conmebol cruza os dados que são gerados nas suas investigações, com as informações que são compartilhadas por seus licenciados locais, sendo mais efetiva na derrubada (ou ‘takedown’, em inglês) das violações.
Lei em Campo – Por ser um mercado muito importante e apresentar números elevados nas estatísticas de pirataria, consideram o Brasil o principal desafio de vocês?
Pedro Visconti – “O Brasil é um território muito relevante para a Conmebol, com o recorde de audiência das competições organizadas pela Confederação, e constitui um mercado altamente complexo que serve de base regional para grande parte de nossos licenciados. No entanto, essa complexidade também se reflete na pirataria. Segundo dados publicados pela Global Data, a pirataria de conteúdos esportivos, como eventos ao vivo, cresce mundialmente a uma média de 8% ao ano, gerando um prejuízo de aproximadamente USD 28 bilhões. No Brasil, calcula-se que mais de 50% da audiência assiste conteúdo pirata, sendo que as visitas de origem brasileira a plataformas de streaming ilegal chegam a 4.5 bilhões por ano. Nesse cenário, a Conmebol está focada em reforçar os seus planos de ação no combate à pirataria no país.”
Lei em Campo – Um dos focos da Conmebol são os jovens, sendo que são os que mais consomem conteúdo ilegal. Como “educar” este público?
Pedro Visconti – “Os jovens de hoje são os torcedores do futuro, e por isso é crucial engajá-los para garantir o crescimento e a evolução do futebol sul-americano. É fato que os jovens são mais susceptíveis à pirataria, e segundo os estudos mais recentes sobre a matéria, isso se dá pela facilidade do acesso ao conteúdo pirata, que se contrasta ao custo de acesso ao conteúdo original. A fim de direcionar o foco nos canais digitais para engajar o público jovem e mitigar o impacto da pirataria para o ciclo 2023-2026, a Conmebol alcançou a maior distribuição dos seus campeonatos, trazendo de volta à TV aberta a Conmebol Libertadores, na Argentina e no Chile, e a Conmebol Sul-Americana, no Brasil. Além disso, a Conmebol passou a investir mais pesado nos seus canais em mídia social, trazendo conteúdos exclusivos e direcionados aos jovens, e segue trabalhando junto com seus clientes também de plataformas pagas – claramente as mais sujeitas a pirataria – de forma a mitigar ao máximo possível os impactos da pirataria nos conteúdos premium que a Confederação organiza e distribui. A Conmebol está convicta de que educar os jovens sobre pirataria passa não só por ações de combate, mas também, e essencialmente, por ampliar e diversificar o acesso aos seus conteúdos.”
Crédito imagem: Conmebol/Divulgação
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