Amigo, pense num território para os fortes: rede social. Mas até os fortes sofrem com ela e precisam agir.
No último fim de semana (25), o futebol inglês anunciou que fará um boicote de quatro dias às redes sociais em protesto contra crimes virtuais em que as vítimas têm sido os personagens do jogo.
O principal objetivo da medida é mostrar a gravidade e a frequência dos ataques sofridos pelos jogadores e outros profissionais dentro do futebol, e exigir respostas mais severas por parte das plataformas.
No mês passado, ao menos cinco jogadores do Manchester United sofreram ataques raciais nas redes sociais após tropeços do clube inglês.
Na Itália, o treinador da Juventus, Andrea Pirlo, denunciou que o filho dele tem recebido ameaças de morte pelas redes sociais.
Crimes virtuais: um problema na Itália, Inglaterra …e no Brasil.
E é sempre bom lembrar: internet não é território sem lei. Nem lá, nem aqui. E o futebol não pode ser palco para o absurdo.
Racismo é crime
Racismo se configura quando o indivíduo pratica, induz ou incita a discriminação de uma forma genérica, a um grupo, e não a alguém em especial.
Quando esse tipo de manifestação de preconceito se dá contra um indivíduo, de forma bem específica, é tratado como injúria racial pelo Código Penal Brasileiro.
Homofobia também é crime. Em decisão de 2019, o Superior Tribunal Federal (STF) equiparou-a ao racismo.
Mesmo se praticado virtualmente, racismo e homofobia são crimes graves que precisam ser combatidos.
Quem comete tais crimes está passível a pena de um a três anos de reclusão. E a identificação da conexão ou do dispositivo acontece por meio da quebra do sigilo do IP.
O crime pode ser cometido através de um post direto, ou mesmo compartilhando textos ofensivos. E, mais: quem compartilha ou aplaude o conteúdo também pode ser responsabilizado.
A educação, que provoca a conscientização, é sempre o primeiro e mais importante caminho a tomar. Agora, a responsabilização também é um desafio a ser atingido.
Achar o autor das ofensas e responsabilizá-lo é caminho necessário para acabar com o imaginário coletivo da impunidade.
Esse movimento do esporte inglês também busca provocar o debate dentro das plataformas de conexão. Twitter, Facebook e Instagram precisam estar juntos nessa luta contra o preconceito.
Quem se sentir ofendido, pode (deve) denunciar.
Seja por racismo, injúria, ameaça ou homofobia, é preciso registrar um boletim de ocorrência, que pode ser feito até virtualmente na maioria dos estados. Feito isto, a autoridade policial instaura inquérito para apuração da autoria.
No caso específico de injúria, a vítima precisa sinalizar interesse no segmento do processo para o Ministério Público. É que se chama de uma ação pública e incondicionada. Ou seja, o MP não vai se manifestar de maneira autônoma.
Nos casos de racismo e homofobia, basta o Estado descobrir que houve essa conduta para o MP agir. E qualquer pessoa pode denunciar o crime de racismo e homofobia, mesmo não sendo a vítima.
Muito se fala sobre cerceamento da liberdade de expressão nas redes sociais, mas para tudo há limites.
Qualquer análise de liberdade passa pela proteção necessária de que todos somos iguais, e a luta permanente da proteção da igualdade.
Essa noção, que um direito coletivo impõe a uma liberdade individual. é importante para que a internet seja cada vez mais um ambiente menos tóxico, odioso e ofensivo
Atleta também precisa ter cuidado
A internet deu voz a todos, o que é ótimo. Mas essa democratização da opinião também traz efeitos colaterais. Um deles, é o de que todos nós estamos mais vigiados. E na urgência que muitos têm de aparecer, e compartilhar, alguns posts podem ser usados contra o mensageiro.
Vejam por exemplo o caso do pugilista britânico Billy Joe Saunders. Em um vídeo, enquanto treinava com um saco de boxe, ele explica como acertar o queixo da esposa quando ela estiver te chateando. Devido à repercussão negativa, Saunders pediu desculpas dizendo que não apoia violência doméstica. Porém, o dano já estava feito: a British Boxing Board of Control suspendeu a licença do pugilista pendendo audiência com data a ser marcada assim que possível. Saunders recebeu até ameaças de morte por meio de mídia social o que levou a deletar sua conta no Twitter.
Existe a legislação estatal que tem dispositivos para punir crimes manifestados virtualmente. Mas o movimento esportivo também está agindo para punir os atletas que cruzam a linha com um smartphone nas mãos.
Em 2019 entrou em vigor o novo Código Disciplinar da FIFA, substituindo o código anterior, de 2017. O novo código nos parece ser mais bem estruturado e com mais clareza. Um dos avanços oferecidos pelo novo documento foi a redução significativa do número de artigos, de 174 para 72.
No Título II, o novo código trata das 11 “ofensas” ou tipos de conduta por meio das quais jogadores e membros das equipes podem receber punição. Na maioria dos casos, essas ofensas são caracterizadas dentro de campo.
Porém, o novo código traz uma inovação: ofensas por meio de mídias sociais. Isso se deve a grande influência que jogadores e participantes do esporte exercem o público em geral, tanto dentro como fora de campo. Em seu documento, a FIFA, trata da possibilidade de sanções quando as ofensas ocorrerem por mídia social.
O esporte nunca falou tanto em fair play, lealdade e integridade. Com essa medida, a FIFA ratificou o caráter social do futebol e a importância das plataformas digitais para contribuir com a educação, inclusão social.
E no Brasil?
O STJD, inclusive, anda de olho nas redes sociais. Jogadores podem ser punidos pelo que postam, e a gente já tratou disso aqui. Nosso ordenamento jurídico também tem mecanismos legais para proteger o ambiente esportivo de comportamentos contrários à ordem daqueles que fazem parte do sistema.
Não existe norma específica para um comportamento virtual contrário ao que presa o movimento esportivo, mas o CBJD possui normas que podem (e devem) ser usadas para regular o comportamento daqueles que fazem parte do sistema.
O popular 243-F seria o mais eficiente a ofensas ocorridas fora das partidas. Esse dispositivo está incluído na sessão de infrações contra a ética desportiva, não nas infrações relativas à disputa das partidas, provas ou equivalentes. Isso deixa evidente que a intenção da norma é regular o comportamento fora do jogo. A depender da questão, o fato pode ser enquadrado, de forma genérica, no artigo 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que estipula punição para quem “assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras deste Código”.
Entenda, a rede social não é território livre. Ela é um universo de interação social muito valioso, mas que precisa ser usado com cuidado, respeitando regras, leis e o próximo. Isso vale para mim, para você a para todo atleta.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo