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Crítica à medida de Transfer Ban imposta a clube de futebol para satisfação de dívida trabalhista

  1. Introdução

O presente artigo é uma análise crítica da medida adotada por magistrados trabalhistas que determinam o “transfer ban” (proibição de registrar novos jogadores) de um clube de futebol, como forma de compelir o pagamento de uma dívida trabalhista.

A posição defendida é que tal medida é desproporcional e desarrazoada, tendo em vista os princípios jurídicos aplicáveis e os efeitos adversos decorrentes de sua aplicação, conforme evidenciado em decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, nos autos do MSCiv 0010124-79.2024.5.18.0000.

  1. Impacto sobre Terceiros

Inicialmente, destaca-se que a medida de “transfer ban” não afeta apenas o clube devedor, mas também terceiros alheios à relação jurídica originária da dívida trabalhista, especialmente os atletas que poderiam ser contratados pelo clube.

Esses jogadores, em busca de oportunidades para exercerem suas profissões e assegurarem seus sustentos, encontram-se impedidos de firmar contratos de trabalho, violando-se assim seus direitos fundamentais ao trabalho e ao livre exercício profissional, garantidos pelo art. 5º, XIII, da Constituição Federal e art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[1].

Na decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, destacou-se que a medida de “transfer ban” cria uma injusta e ilegítima barreira à liberdade de trabalho de pessoas estranhas à lide executória, como impossibilita por completo a atividade essencial do clube, afastando-o de participar dos Campeonatos Goianos.[2]

Esse entendimento reforça a necessidade de proteção dos direitos de terceiros que, apesar de não serem partes na relação processual, sofrem impactos significativos.

  1. Alternativas Menos Gravosas

O princípio da proporcionalidade exige que, antes de se impor uma medida gravosa, sejam esgotadas todas as alternativas menos restritivas que possam atingir o mesmo objetivo.

No caso em análise, existe uma série de medidas coercitivas que poderiam ser aplicadas com igual eficácia e menor impacto negativo. Tais medidas incluem:

Penhora de receitas futuras: direitos de transmissão de partidas, cotas de patrocínio e verbas de premiação.

Bloqueio de contas bancárias: o sequestro de valores depositados em contas do clube.

Penhora de bens móveis ou imóveis não essenciais: venda judicial de ativos que não comprometam a atividade fim do clube.

A utilização dessas medidas respeita a proporcionalidade, alcançando o objetivo de satisfazer a dívida trabalhista sem inviabilizar a operação regular do clube. Como apontado na decisão do TRT-18, a ordem judicial impede qualquer negociação que possa inclusive resultar no alcance aos recursos financeiros capazes de saldar a dívida com o exequente, indicando que medidas alternativas poderiam ser mais eficazes sem os mesmos prejuízos.

  1. Proporcionalidade e Equilíbrio

A proporcionalidade deve ser analisada não apenas sob o prisma da adequação e necessidade, mas também quanto ao equilíbrio entre os meios utilizados e os fins pretendidos. A imposição de um “transfer ban” pode ter efeitos desastrosos sobre a saúde financeira e operacional do clube, potencialmente agravando sua situação econômica e tornando ainda mais difícil a satisfação de suas obrigações trabalhistas.

Além disso, a restrição imposta compromete a competitividade do clube em campeonatos e torneios, diminuindo suas chances de sucesso esportivo e, consequentemente, de geração de receitas adicionais que poderiam ser utilizadas para quitar a dívida em questão.

Conforme destacado pelo desembargador Gentil Pio de Oliveira nos autos do MSCiv 0010124-79.2024.5.18.0000, a decisão tem o poder de irradiar seus efeitos direta e prejudicialmente a terceiros atletas profissionais e os amadores em via de profissionalização.

No livro “Do Fato ao Direito Casos Práticos de Direito Desportivo”[3], tive a oportunidade de comentar decisão da SDI-II do TST que tratava deste tema em decisão proferida em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança.

Naquele caso, o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Teresina/PI, deferiu medida proibitiva em face do clube de futebol impetrante do mandamus a fim de impedi-lo de se inscrever e participar de competições desportivas ou campeonatos profissionais, enquanto perdurasse o inadimplemento da ordem judicial proferida naqueles autos. O clube impetrou Mandado de Segurança que não foi admitido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região.

Quando o caso chegou ao TST por meio de Recurso Ordinário em Ação Rescisória (Ag-ROT-80384-78.2021.5.22.0000), o Ministro Amaury Rodrigues Pinto Júnior destacou que a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais tem “mitigado a aplicação da sua Orientação Jurisprudencial nº 92 nos casos em que a manifesta ilegalidade do ato possa resultar prejuízo de difícil reparação caso a parte aguarde o prosseguimento da controvérsia pela via ordinária, como na presente hipótese”.

Desta forma, foi destacado que o magistrado deve ter cautela ao estabelecer medidas restritivas e radicais que possam inviabilizar a própria continuidade das atividades de uma instituição, razão pela qual as medidas de execução atípicas previstas no art. 139, IV, do Código de Processo Civil devem ser adotadas quando demonstrado previamente o esgotamento das medidas típicas de execução e verificada a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, observadas a necessidade, a adequação e a proporcionalidade.

  1. Princípio da Razoabilidade

O princípio da razoabilidade, corolário do devido processo legal substantivo, impõe que as decisões judiciais sejam pautadas por critérios de justiça e equilíbrio, evitando-se medidas arbitrárias ou desproporcionais.

No caso, a decisão de proibir a contratação de novos jogadores revela-se desarrazoada, na medida em que extrapola os limites do necessário para garantir a satisfação do crédito trabalhista, causando prejuízos colaterais a terceiros e comprometendo a sustentabilidade do clube.

  1. Direito ao Trabalho e Livre Exercício Profissional

A medida em questão impacta diretamente o direito ao trabalho de potenciais novos jogadores, direito este assegurado pela Constituição Federal. Ao impedir que esses atletas celebrem contratos de trabalho com o clube devedor, o “transfer ban” configura uma restrição indireta ao livre exercício de suas profissões, o que é inaceitável à luz do ordenamento jurídico pátrio.

Conforme jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, “além de não se verificar proporcionalidade na medida determinada pelo Juízo, é certo que a decisão tem o poder de irradiar seus efeitos direta e prejudicialmente a terceiros[4] (TRT-1, MSCiv 0102441-41.2022.5.01.0000).

  1. Impacto Econômico e Social

O futebol é uma atividade de relevante impacto econômico e social, capaz de gerar emprego e renda para diversos profissionais e movimenta a economia local. A imposição de um “transfer ban” pode acarretar efeitos negativos em cadeia, afetando não apenas o clube e os atletas, mas também outros trabalhadores e setores econômicos relacionados, como fornecedores, patrocinadores e prestadores de serviços.

A decisão de suspender a medida coercitiva de “transfer ban” pelo TRT-18 em Mandado de Segurança, assegura direito líquido e certo do clube, além de reforçar essa preocupação ao considerar os impactos negativos sobre a atividade essencial do clube e sua capacidade futura de pagamento da execução.

  1. Conclusão

A medida de “transfer ban” determinada pelo juiz do trabalho, embora fundamentada na busca pela satisfação de uma dívida trabalhista, revela-se desproporcional e desarrazoada. Ao afetar terceiros alheios à relação jurídica original, compromete a viabilidade financeira do clube e restringe o direito ao trabalho de potenciais novos jogadores, razão pela qual a decisão não pode extrapolar os limites do necessário para alcançar seu objetivo.

Em respeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o magistrado deveria considerar outras medidas e esgotar todas as alternativas menos gravosas disponíveis, tais como a penhora de receitas futuras, o bloqueio de contas bancárias e a penhora de bens não essenciais.

Essas medidas, além de menos danosas, poderiam ser igualmente eficazes na garantia da satisfação do crédito trabalhista, sem os efeitos colaterais adversos observados com a imposição do “transfer ban”.

Desta forma, à luz dos princípios jurídicos aplicáveis e dos direitos fundamentais envolvidos, a medida de “transfer ban” deve ser criticada e revista, a fim de assegurar uma solução justa e equilibrada para a controvérsia, respeitando-se os direitos dos trabalhadores e terceiros envolvidos, bem como a sustentabilidade econômica e operacional do clube devedor.

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[1] Art. 23 da DUDH: “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses”.

[2] Processo MSCiv 0010124-79.2024.5.18.0000 – Rel. Desembargador Gentil Pio de Oliveira.

[3] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Do Fato ao Direito Casos Práticos de Direito Desportivo. Editora Venturoli, Brasília, 2023 – p. 82/84

[4] TRT-1, MSCiv 0102441-41.2022.5.01.0000 – Rel. Desembargador Antonio Paes de Araújo

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