A compra da SAF criada pelo Cruzeiro pelo ex-atacante Ronaldo pode se tornar um marco no futebol brasileiro. Mas especialistas alertam, é preciso cuidado para não cair numa armadilha. Um clube-empresa pode falir – ou seja, acabar – se uma mudança muito mais profunda não for feita.
Cesar Grafietti, economista e especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte, faz o alerta que “o futebol vive um período peculiar, que mescla euforia, oportunidade, desespero e oportunismo. No lugar de pragmatismo e ações organizadas, é sempre mais fácil partir para soluções mágicas, que resolvem o problema hoje, mas deixam buracos que durarão uma eternidade”
Na mesma linha, Andrei Kampff, advogado especializado em direito desportivo, jornalista e autor dessa coluna lembra que “é sempre fundamental lembrar o óbvio: a transformação de associação para empresa não é mágica! Independentemente de natureza jurídica, a transformação tem que ser de gestão, apostando no profissionalismo, responsabilidade, governança e integridade.”
O negócio envolvendo Ronaldo, Cruzeiro e XP é inovador no Brasil, pois foi a primeira aquisição de grande porte ocorrida após a aprovação da Lei das SAF. Como investidores internacionais ainda têm receito em colocar dinheiro no futebol brasileiro, a figura internacional do Ronaldo pode atrair novos investidores para o mercado brasileiro, abrindo caminho para novos negócios.
Ronaldo comprou 90% das ações da SAF criada pelo #Cruzeiro. O investimento realizado pelo atacante será de cerca de na R$ 400 milhões. O anúncio da compra dessa empresa criada pelo clube mineiro aconteceu neste sábado (18), com Ronaldo, o presidente do Cruzeiro, Sérgio Rodrigues, e sócios da XP.
A empresa terá seis anos para pagar 60% da sua dívida. Se conseguir, terá mais quatro anos para pagar o restante. O débito acumulado será equacionado com o recebimento de 20% da receita mensal da SAF e 50% do lucro que a mesma tiver no período.
Importante destacar que a compra só aconteceu depois de uma mudança importante. Na noite de sexta (17), o Cruzeiro aprovou em Assembleia Geral a alteração no estatuto, permitindo a venda de até 90% das ações da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que foi criada neste mês. Antes dessa alteração, clube só poderia vender 49% das ações.
“A decisão da assembleia da sexta foi decisiva para o que se viu no sábado. Nenhum investidor vai colocar dinheiro num negócio que não vai bem se ele não tiver o poder da caneta”, entende Andrei.
César Grafietti traz casos importantes para reforçar como o mercado funciona. “Não tem almoço de graça. O pessoal lembra do caso Paulo Nobre no Palmeiras, mas ele era presidente do clube, tinha a gestão nas mãos e organizou uma operação de empréstimo com estrutura de pagamento. O caso dos Menin com o Atlético Mineiro também é de empréstimo e, ainda que não tenha fluxo e estrutura de pagamentos, existe um projeto por trás, além de influência na gestão. Posso discordar do método e ter dúvidas sobre o resultado, mas não é um investidor qualquer”, destaca ele.
O negócio anunciado sábado mexeu com o futebol brasileiro e internacional. O assunto virou destaque nas principais redes de interação virtual.
O advogado e colunista do Lei em Campo João Paulo Di Carlo entende que “o negócio é inovador no Brasil, pois foi a primeira aquisição de grande porte ocorrida após a aprovação da Lei das SAF e a figura internacional do Ronaldo pode atrair novos investidores para o mercado brasileiro, se tornando um terreno fértil para os negócios. Contudo, é válido lembrar que o Cruzeiro não é o primeiro clube empresa do país e muito menos no plano internacional, que na Europa já conta com a grande maioria nesse modelo.”
Amir Somoggi, especialista em gestão e marketing no esporte, acredita que o negócio “éinteressante como marco de um novo modelo que pode ser apresentado para os clubes brasileiros. Estamos falando de modelo de um clube altamente endividado, na série B e com baixas receitas. Mas só o choque de gestão, com nova orientação, que poderá fazer dar certo esse modelo para o clube mineiro, como também para Botafogo, Vasco e tantos outros clubes que hoje não vivem situação fácil “
Amir acredita que “essa é uma tendência que deve se acentuar especialmente em clubes endividados. Quando grandes clubes perceberem que esse modelo vai injetando capital, vai dando capacidade administrativa, melhorando desempenho desportivo e fortalecendo a marca, será um exemplo.”
Este é o segundo grande investimento de Ronaldo em times de futebol. Atualmente, também é dono do Valladolid, da segunda divisão da Espanha. Em 2018, adquiriu 51% das ações por € 30 milhões.
O investimento de Ronaldo no Cruzeiro será feito pela mesma holding que controla o Valladolid, a Tara Sports.
“Algumas vantagens do Cruzeiro em se tornar SAF são: capital para a realização de investimentos e para o pagamento de dívidas. Algumas, como a cível e trabalhista, já estão parceladas com o comprometimento de 20% das receitas, previstas pela Lei. Da mesma forma, ainda há a possibilidade de serem negociadas com deságio, o que diminuirá consideravelmente o passivo da entidade mineira. Por outro lado, a desvantagem é que, em caso de resultados negativos, ele passará a ser regido pelas mesmas regras em vigor para outras atividades econômicas, portanto, estará sujeito aos efeitos da falência”, lembra João Paulo.
Ou seja, um clube-empresa pode “quebrar” e acabar. Por isso, Grafietti, Amir, Andrei e João reforçam que mais importante do que mudar natureza jurídica é mudar a cultura da gestão do esporte. Seja empresa ou associação, a gestão precisa ser profissional, séria e eficiente.
Crédito imagem: Divulgação
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