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Cruzeiro SAF: a nova aposta de Ronaldo

Por Raíza Ramos

Há pouco mais de um mês, o ex-jogador Ronaldo anunciou a compra de noventa por cento (90%) das ações do clube Cruzeiro Esporte Clube, mediante a Sociedade Anônima do Futebol, disponibilizando a quantia de R$ 400 milhões de reais e assumindo uma dívida em torno de R$ 50 milhões, conforme informações declaradas pelo ex-presidente do Cruzeiro.

Ronaldo, que também administra cinquenta e um por cento (51%) das ações de um clube de Segunda Divisão espanhol – o Valladolid, deve enfrentar os desafios de reequilibrar os sistemas financeiro e operacional do departamento de futebol do clube, além de garantir um desenvolvimento sustentável da sociedade.

Desde a promulgação da Lei n° 14.193/2021 – o texto legal que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol -, diversos clubes, inclusive o Cruzeiro Esporte Clube, e suas respectivas administrações/ gestões vêm debatendo quanto à migração de associação civil para a sociedade anônima, tendo em vista a oportunidade de alcançar a higidez e o equilíbrio entre as despesas e os lucros através do clube empresa.

Muitos clubes esportivos brasileiros utilizam a roupagem de associação civil, nos termos dos artigos 44, inciso I e 53 a 61 do Código Civil de 2002, contudo, demonstram inabilidade para suportar os entraves jurídicos, legais e econômicos, característicos do modelo. Para os dirigentes do clube em formato de associação, conciliar as receitas e despesas representa um aumento da lista de obrigações ao final do exercício financeiro de cada mês. Como se não bastassem os percalços envolvendo os déficits, os clubes ainda empregam alto investimento, muitas das vezes sem qualquer planejamento ou limite pecuniário, no momento de assinatura de contrato com atletas, que possam proporcionar alto desempenho durante o campeonato. Também existe a preocupação com o desempenho dos atletas em relação aos patrocinadores, devido os patrocínios ocuparem função importante na receita econômica dos clubes.

A relação entre a associação desportiva e os patrocinadores revela instabilidade e tende a pressionar a tomada de decisões dos dirigentes desportivos dos clubes. O desespero e o entusiasmo podem tomar conta no momento de assinatura do contrato entre o clube e o atleta, devido a isso o alto salário de um jogador contratado tende a conduzir a uma situação de desequilíbrio financeiro da entidade.

O anseio de minimizar os impactos de uma dívida advinda de uma quebra de contrato com jogador, por exemplo, também é assunto importante quando se trata da responsabilidade da associação desportiva. Ainda assim, o termo responsabilidade não é o adequado ao caso das associações, tendo em vista suas características distintas das sociedades simples e/ou anônima e o rigor estabelecido pelo legislador brasileiro no artigo 53 do Código Civil de 2002.

Diante das peculiaridades concernentes à natureza da associação e de esta não acarretar a responsabilidade das dívidas aos seus associados, o STJ, no REsp n° 797.999-SP, já admitiu a desconsideração da personalidade jurídica de associação para determinar a responsabilidade solidária aos associados administradores. Isso significa que apesar de haver alguma proteção legal para o regime de associações, os administradores associados aos clubes com inúmeras dívidas ficam suscetíveis aos negativos desdobramentos atinentes à desconsideração de personalidade jurídica. Ainda que haja resultado de má administração ou má gestão, é clara a desproporcionalidade ao se desconsiderar a personalidade jurídica de uma associação para atingir o patrimônio pessoal dos seus administradores como a única opção de recuperação financeira.

Em contrapartida, antes mesmo da publicação da Lei n° 14.193, um entendimento doutrinário, que também aparece em decisões judiciais pontuais, sustenta o reconhecimento de um clube associação em clube empresa. Vem ocorrendo o alargamento da ideia de reconhecimento de clube em atuação empresarial, isto é, com atividades e moldes típicos de uma sociedade anônima (S.A), sem a necessidade de submissão e alteração do regime para S.A., conforme o caso do Figueirense em sede de decisão monocrática no TJ-SC (APELAÇÃO n° 5024222-97.2021.8.24.0023/SC), que possibilitou a legitimidade do Figueirense Futebol Clube em pleitear recuperação judicial.

Por sua vez, o regime de sociedade anônima do futebol instituído pelo Marco Legal do Clube Empresa não é uma discussão jurídica inédita; pelo contrário, o projeto de lei tramita há alguns anos no Congresso Nacional. Mas qual o desafio enfrentado pelos clubes que ensejam implementar esse modelo societário? Organizar a sociedade, já que a desorganização dificulta a aquisição de crédito no Mercado Bancário e desestimula o aporte dos investidores. Do ponto de vista regulatório, os clubes empresas podem enfrentar alguma dificuldade com a liberdade de associação garantida pelo texto constitucional (artigo 217, CF/88).

 Quanto aos pontos mais citados do clube empresa, os torcedores podem atentar-se à atração de maiores investidores, a publicidade e clareza das informações financeiras, a necessidade de implementação de um plano de governança, a possibilidade de solicitar recuperação judicial ou extrajudicial em casos de dívidas. A alternativa de recuperação judicial/extrajudicial pelo clube empresa garante segurança jurídica aos investidores.

De volta ao exemplo do Cruzeiro, a opinião pública vem tecendo muitos comentários sobre a possível penúria a ser enfrentada por Ronaldo Cesário, quando ele assumir efetivamente seu papel como acionista majoritário do clube. Quanto ao valor da dívida acumulada, de acordo com as disposições contidas na Lei do Clube-Empresa, o parcelamento das dívidas pode ser realizado, contanto que haja a separação das obrigações civis e trabalhistas e não ocorra constrição no patrimônio ou nas receitas da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) cruzeirense. Essas limitações definidas em lei proporcionam maior segurança financeira aos investidores e acionistas do clube.

Já em relação às dívidas remanescentes, resultantes do regime anterior do Clube, de acordo com os artigos 9 ao 10 da Lei do Clube-empresa, a SAF cruzeirense responde apenas pelas obrigações concernentes às atividades específicas do clube (como obrigações trabalhistas) e aquelas que forem transferidas durante a transação (as decorrentes de relações contratuais). Para o cumprimento das obrigações anteriores, o Cruzeiro SAF deverá destinar receitas próprias, sendo vinte por cento (20%) das receitas correntes mensais e cinquenta por cento (50%) dos dividendos. Caso Ronaldo e os demais administradores não cumpram devidamente as obrigações, poderão responder pessoal e solidariamente aos deveres assumidos.

Ronaldo iniciou sua partida em prol do resgate da grandiosidade do Cruzeiro, ao enfrentar o desafio de administrar um clube-empresa no Brasil. As próximas cenas da SAF podem ser inéditas, contudo, a Lei sobre o tema oferece mais conforto na condução das operações e comporta o tamanho que o clube percorre no cenário econômico brasileiro.

Crédito imagem: Cruzeiro

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Raíza Ramos, estudante de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora do Grupo de Direito Desportivo da UERJ (GEDD-UERJ).

Referências:

MATTOS, Rodrigo. Saída de Fábio evita risco de SAFdo Cruzeiro herdar dívida do clube. UOL Esporte. 08 de janeiro de 2022. Lei em Campo. Disponível em: <URL>https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2022/01/08/saida-de-fabio-evita-risco-de-saf-do-cruzeiro-herdar-divida-do-clube.htm.

DUARTE, Gabriel e Guto Rabelo. Ronaldo Fenômeno anuncia compra do Cruzeiro por R$ 400 milhões. Globo Esporte. Belo Horizonte, 18 de dezembro de 2021. Disponível em: <URL>.https://ge.globo.com/futebol/times/cruzeiro/noticia/ronaldo-fenomeno-confirma-compra-do-cruzeiro.ghtml

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Volume I. Ed. Forense, 2017.

TEIXEIRA, Pedro; Luiz Roberto Ayoub e Vanderson Maçullo. Palestra: O Marco Legal do Futebol e as soluções para crise (Rio de Janeiro), abril de 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Yuz9IDVm8uo&t=2501s>.

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