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Dança de técnicos afeta equilíbrio competitivo do futebol brasileiro

“Loucura, loucura, o gerente está louco.” Em época de promoções nas lojas, é razoável ver anúncios como esse. Foi mais ou menos o que aconteceu na quinta-feira (28), no futebol brasileiro. Abel Braga perdeu o emprego no Cruzeiro após derrota em casa para o CSA; Argel Fucks, que treinava o CSA, foi para o Ceará, que na noite anterior demitiu Adilson Batista. Mas Adilson não ficou nem 24 horas desempregado e assumiu o Cruzeiro. Movimento semelhante aconteceu no mês de agosto, quando houve quatro trocas de técnicos e em setembro, quando sete clubes trocaram de treinador.

Bahia, Santos e Grêmio são os únicos times que não trocaram de treinador nesta edição do Campeonato Brasileiro. Roger Machado, Jorge Sampaoli e Renato Gaúcho conseguiram a manutenção no cargo. Vinte e dois técnicos dirigiram pelo menos um time no Brasileiro de 2019, isso sem contar os interinos. Nem mesmo o Flamengo, campeão Brasileiro, escapou da dança dos técnicos. O rubro-negro começou o torneio com Abel Braga no comando, passou pelo interino Marcelo Salles e encontrou o caminho para o título nacional e da Libertadores com o português Jorge Jesus. Mas até que ponto essa troca desenfreada de técnicos, especialmente no fim do campeonato, afeta o equilíbrio da competição?

“Eu sempre bato nessa tecla. Pra mim é fundamental preservar os princípios do direito desportivo e, mais além do direito desportivo, os princípios da ética esportiva. O equilíbrio é algo fundamental. Sem equilíbrio competitivo as competições perdem simplesmente o interesse. Talvez até a razão de ser”, acredita o advogado Jean Nicolau, especialista em direito esportivo e que defende também que haja uma limitação na quantidade de clubes que um técnico pode trabalhar e também a restrição no número de treinadores que o clube pode contratar por temporada.

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“Pode até ferir [o equilíbrio da competição]. Mas estamos diante de um conflito de interesses. O que deve prevalecer: o equilíbrio da competição ou a liberdade de trabalho?”, questiona o advogado especialista em direito esportivo Martinho Neves.

No Brasil, a rotatividade de técnicos, consagrados ou não, faz com que poucos clubes tenham continuidade no trabalho. O Cruzeiro, por exemplo, está no quarto técnico no Campeonato Brasileiro. Começou com Mano Menezes, teve passagens relâmpago de Rogério Ceni e Abel Braga e, faltando três rodadas para o fim da competição, resolveu partir para o quarto técnico e escolheu Adilson Batista para livrar o clube da queda para a Série B.

“Não vejo muita diferença de a troca de técnicos acontecer no fim ou no começo do campeonato. Não sei se o princípio aqui é o equilíbrio, porque as regras valem para todos. O que pode haver é que a troca traz prejuízos para a qualidade técnica. O senso comum é que a dança das cadeiras não ajuda o produto futebol. Por isso que os jogadores só podem se transferir na janela, no máximo jogar por dois times por temporada”, analisa o advogado trabalhista Carlos Ambiel. “Por outro lado não posso obrigar alguém a manter o empregado quando o empregado não quer, como aconteceu agora com o Argel Fucks. Proibir alguém de melhorar de emprego foge à lógica de uma economia livre. O que eu posso é estabelecer parâmetros. Proibir o clube de contratar mais de dois técnicos. Ou impedir o técnico de assumir mais de dois times na competição. Aí sim poderia ser pensado”, pondera Ambiel.

Abel Braga, Fernando Diniz e Zé Ricardo são alguns dos treinadores que dirigiram dois clubes neste Campeonato Brasileiro. Rogério Ceni deixou o Fortaleza em 11 de agosto, foi para o Cruzeiro e voltou para o Fortaleza em 29 de setembro.

No começo de 2019, no Conselho Técnico da Série A do Campeonato Brasileiro, os clubes vetaram a proposta da CBF de limitar em uma vez a quantidade de troca de técnico por equipe durante a edição deste ano.

“Eu acho que é absolutamente razoável regular a inscrição e troca de treinadores. Não vejo como um problema, inclusive entendo que será benéfico para os próprios treinadores, uma vez que dará mais estabilidade em suas posições atuais. E o assunto limite ao exercício profissional me parece superado na medida em que há janelas de transferência para atletas e nunca houve qualquer problema em relação a isso. A falta de interesse é dos próprios dirigentes. Os técnicos hoje são usados como escudos da diretoria. Quando a coisa não vai bem, demite-se o técnico. A criação de janelas de inscrição para técnicos fará com que a responsabilidade recaia sobre a diretoria, o que parece não ser interessante para aqueles que aprovam os regulamentos”, dispara o especialista em direito esportivo Vinícius Loureiro.

Mas essa proposta de limitar as trocas de comando nos clubes pode esbarrar no conjunto de leis mais importante do país, como conta o advogado especialista em direito trabalhista Domingos Zainaghi.

“Eu posso te dizer que fere, sim, o artigo 5º da Constituição quando fala no inciso treze da liberdade de trabalho. Uma norma que limite a troca de técnicos, com certeza fere o direito da pessoa trabalhar”, alertou Zainaghi.

A aprovação de uma regra como essa poderia ser vista como inconstitucional e quem quisesse poderia impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, questionando a validade de tal medida.

“As pessoas aplicam a lei e observam. Mas para mim, fere a o artigo 5º da Constituição. Há inúmeras regras que violam a Constituição e continuam a ser respeitadas. Mas nem por isso deixam de ser inconstitucionais”, finaliza Martinho Neves.

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