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Dar-te-ei Tudo se Me Aderires: Reflexões sobre a Sociedade Anônima do Futebol

Por Rafael Elias da Silva Ferreira

Resumo

O objetivo do presente artigo é o de abordar a nova figura da sociedade anônima do futebol, recentemente introduzida no Direito Brasileiro, além de analisar os impactos de sua implementação pelos clubes. Notada e historicamente reunidos sob a forma associativa, ao longo dos anos os clubes de futebol sofreram com seguidas gestões que causaram prejuízos para as suas atividades. Apesar de diversas tentativas legislativas para auxiliar na recuperação financeiras das agremiações, ainda existe muita dificuldade em reestruturar as equipes. De tal modo, o Poder Legislativo inseriu a figura da Sociedade Anônima do Futebol, com a finalidade de trazer novas experiências, investidores e mecanismos de fomento ao futebol. Contudo, fato é que ainda se trata de campo desconhecido, sendo certo que a empolgação que se encontra presente em diversos dirigentes e mesmo torcedores deve ser acompanhada de análise e estudo, pois a imprudência de uma análise equivocada por gerar danos irreparáveis não só ao clube, mas ao meio do futebol como um todo.

Palavras Chave

SAF. Clubes Associativos. Alteração para Novos Modelos de Gestão. Investidores, Benefícios e as Contrapartidas.

Resumè

Cet article s’agit ‘aborder la nouvelle figure de la “Sociedade Anônima do Futebol”, récemment introduite dans la loi brésilienne, en plus d’analyser les impacts de sa mise en place par les clubs. Remarqués et historiquement regroupés sous forme d’associations, les clubs de football ont subi au fil des années des gestions successives qui ont nui à leurs activités. Malgré plusieurs tentatives législatives pour aider au redressement financier des associations, il reste encore beaucoup de difficultés à restructurer les équipes. Ainsi, le Pouvoir Législatif a inséré la figure de la “Sociedade Anônima do Futebol”, dans le but d’apporter de nouvelles expériences, investisseurs et mécanismes pour promouvoir le football. Cependant, le fait est qu’il s’agit encore d’un domaine inconnu, étant donné que l’excitation présente chez plusieurs managers et même fans doit s’accompagner d’analyses et d’études, car l’imprudence d’une mauvaise analyse peut causer des dommages irréparables non seulement au club , mais au milieu du football dans son ensemble.

Mots clés

SAF. Clubs associatifs. Passer aux nouveaux modèles de gestion. Investisseurs, avantages et contreparties.

  • Fausto, Mefistófeles e a Imersão no Desconhecido

Não é de hoje que o ser humano, em sua incessante busca pelo saber absoluto, pelo descobrimento dos prazeres da vida e pela sua vaidade incessante na procura por se tornar um ser próximo à perfeição, busca até mesmo no sobrenatural formas de atingir esses objetivos.

Invoco aqui a conhecida história escrita pelo famoso autor Goethe, que escreveu a famosa obra Fausto no período literário conhecido como mal du siècle (mal do século), no qual eram ressaltadas as características poéticas de pessimismo diante da vida e depressão profunda.

Em tal cenário, o autor escreveu Fausto, narrativa na qual um homem muito sábio, mas que se sente incompleto por conta das limitações humanas, momento em que Mefistófeles – representação do Diabo, após apostar com Deus que seria capaz de convencer Fausto a vender sua alma, se apresenta e consegue convencer o sábio a aderir à sua proposta.

No decorrer da narrativa, muitos acontecimentos fazem com que Fausto reflita sobre o que realmente importava em sua vida, já que não via o acordo realizado tão vantajoso como supôs no início.

 Historicamente, os clubes se formaram através de associações, previstas muito antes da prática inclusive do futebol em nosso país, considerando que clubes como o Clube de Regatas do Flamengo foram fundados mesmo antes da vigência do Código Civil de 1916, o primeiro da República.

Ao trazer o futebol para o Brasil, Charles Miller talvez não tivesse dimensão do que se tornaria o esporte dentro da realidade brasileira, inclusive considerado como patrimônio cultural do povo brasileiro.

Através dessa evolução, desde a sua introdução na sociedade brasileira – antes adepta das competições de remo, passa a acompanhar os jogos de futebol. Por ser esporte com regras de melhor compreensão para o público em geral, além de ser um esporte cuja prática exigia menos equipamentos que o remo.

Salienta-se ainda que, com a crescente criação de clubes para a prática de futebol, além da expansão das estradas de ferro para o interior do país, além da ampla divulgação através do rádio tornaram o futebol um esporte de alcance nacional.

Já no gosto popular, o futebol sofreu pressão para que passasse do amadorismo ao profissionalismo. Na década de 30 os jornais brasileiros relatavam sobre partidas na Argentina com rendas excepcionais, o que tornou a atividade futebol atrativa, rentável e objeto de debate no Brasil, essencialmente a respeito da adoção das mesmas condições de prática do futebol.

 Em estudo que versa exatamente sobre o período de tais debates sobre a transição destacada, Sarah Teixeira Soutto Mayor e Silvio Ricardo da Silva assim contemplam o conteúdo dos debates à época:

Na década de 1930, momento em que se observa um crescimento significativo do futebol na capital mineira, a circulação de informações por meio de periódicos, advindas de diversas cidades e países, era algo corrente. Pelas páginas dos impressos podia-se entrar em contato com informes referentes a torneios regionais, nacionais e internacionais, à vida dos clubes, à formação de selecionados e aos constantes trânsitos migratórios de jogadores.

Nesta perspectiva, a diversão tornada profissão foi, em grande medida, influenciada pela adoção do regime em países europeus e latino-americanos, bem como em cidades brasileiras que possuíam um centro esportivo mais consolidado, como Rio de Janeiro e São Paulo. Pode-se dizer que tanto as premissas discursivas moralizadoras do regime amador (e suas variáveis vertentes formativas) quanto às reivindicações mercadológicas do profissionalismo (que pressupunham outra moral) foram sentidas em Belo Horizonte como partes indissociáveis de um contexto mais ampliado. O aumento do interesse do público pelo jogo, incrementado pelas disputas de torneios entre equipes e pelo surgimento das identidades clubísticas; o reconhecimento crescente pelos dirigentes e jogadores do potencial lucrativo do futebol; a conformação de uma estrutura esportiva, com a construção de estádios cada vez mais planejados para receber uma quantidade maior de torcedores; a forte presença do jogo nos meios de comunicação; e, por fim, os crescentes êxodos de jogadores, alteraram sobremaneira os significados do futebol e a sua vivência em diversas localidades brasileiras.

Se tomarmos esse momento histórico como marco inicial da condução do futebol como elemento além da atividade de lazer; mas como uma atividade econômica com enorme potencial, o que naturalmente chamou a atenção de investidores, e como uma coisa leva à outra, brigas pelo poder nos clubes e ferozes buscas por recursos financeiros conduziram os clubes à situações financeiras delicadas, considerando que atuar em mercado com o coração nunca rendeu bons frutos.

Desse modo, esse ensaio buscará traçar algumas linhas para reflexão geral, na medida em que; se por um lado, atualmente existem agremiações com dívidas quase bilionárias, no modelo associativo atual também existem clubes exemplares, e a partir dessa dicotomia tentaremos trazer elementos para entendermos melhor a Sociedade Anônima de Futebol e suas nuances.

2- A Profissionalização do Futebol e seu Crescimento como Atividade Econômica

Como destacado anteriormente, foi a partir da profissionalização do futebol na Argentina é que se discutiu em nosso país a necessidade de melhor regulamentar a atividade, não só no que diz respeito à sua prática, mas tudo o que a envolvia, como a profissão de jogador de futebol profissional.

De tal modo, para que pudessem exercer as atividades relacionadas ao futebol profissional, os clubes precisaram buscar mecanismos para manter suas equipes de futebol, sendo certo que até antes da Copa do Mundo no Brasil, a receita das agremiações consistia basicamente na arrecadação da bilheteria dos jogos disputados.

Com a realização da Copa do Mundo de 1950 no Brasil, foram realizados investimento na construção de estádios, o que se seguiu nos anos subsequentes, pois para o Mundial foi construído o Maracanã, na década de 60 os estádios do Morumbi e Mineirão, o que potencializou a capacidade de arrecadação dos clubes.

Aliás, no estudo realizado por Cláudio Vicente Di Gioia Ferreira Silva e Luiz Alberto Nascimento Campos Filho, no que diz respeito à evolução das receitas dos clubes de futebol, restou assim delimitada a linha do tempo:

I) Até a década de 50 (A Era do Estádio), onde o principal do negócio era a relação clube – torcedor e ela se dava em torno das entradas nos estádios;

II) Entre as décadas de 50 – 70 (A Era da TV Comercial Tradicional), quando as televisões gratuitamente transmitiam os jogos e originam os patrocinadores;

III) Década de 80 (A Era dos Patrocinadores), quando os patrocinadores passaram a se interessar pelo futebol pela visibilidade proporcionada pelo aumento da audiência; e,

IV) Após a década de 80 (A era da Nova Mídia), quando a televisão e a internet passaram a ser grandes consumidores (intermediários), pagam pelos direitos de transmissão e objetivam o retorno financeiro.

Como se verifica, é de se concluir que não houve a substituição de uma forma de arrecadação por outra, mas na realidade foram agregados novos meios aos já existentes, o que permite concluir pela existência de atividade auto-sustentável do ponto de vista econômico, além de outras receitas não mencionadas no estudo, como o passe do atleta, que era vinculado ao clube[1].

Essencialmente na década de 90, um novo modelo ficou muito conhecido no Brasil, quando o Palmeiras e a Parmalat firmaram parceria denominada co-gestão, modelo através do qual a empresa italiana passou a administrar o futebol profissional do clube, com investimentos altos na contratação de atletas.

Porém, é importante recordar que nem todas as parcerias em moldes semelhantes foram exitosas. Basta mencionar o caso Corinthians – MSI, que foi objeto de investigação e processos judiciais, nos quais se investigou a possível utilização da parceria para lavagem de dinheiro da máfia russa.

Certamente, os dirigentes dos clubes – muitas vezes movidos pela paixão e pela vontade de superar rivais que apresentam melhores resultados esportivos naquele momento, muitas vezes assumem compromissos que não podem honrar, ou firmam parcerias de procedência duvidosa.

Além de tais indicadores, estudo da consultoria Sports Value apresenta ranking dos clubes com maior dívida – variação entre 2018 e 2019, sendo certo que Botafogo e Cruzeiro, líderes de tal ranking, foram dois dos primeiros a aderirem o formato de Sociedade Anônima do Futebol.[2]

Todos esses elementos levaram o legislador, ao longo dos anos, a buscar formas de colaborar com as atividades dos clubes de futebol, essencialmente em virtude de sua condição de patrimônio cultural brasileiro, razão pela qual goza inclusive de inafastável e imprescindível proteção constitucional.[3]

Além de iniciativas como o PROFUT, também foram possibilitadas novas formas de associação, como previsto, por exemplo, no artigo 27, §9° da Lei Pelé, com a redação que lhe deu a Lei 10.672/2003, indicando como modalidades passíveis de conversão as contempladas entre os artigos 1.039 a 1.092 do Código Civil.[4]

Mesmo com todas as possibilidades que são franqueadas aos responsáveis pela gestão do futebol, os índices alarmantes de endividamento, e é nesse momento em que as tentações pairam pelos corredores das salas de presidência e conselhos espalhados pelos clubes do país.

A partir de tal realidade, passamos a tratar especificamente da sociedade anônima de futebol e sua presença no futebol brasileiro, a partir de elementos de reflexão que possam nos trazer a cautela que toda novidade impõe aos seus destinatários.

3- A Sociedade Anônima do Futebol: Solução para Todos os Problemas ou uma Perigosa Tentação?

Antes de qualquer análise a ser tecida, deve ser esclarecido que não se opõe à novas formas de atrair investidores e de fomentar o desenvolvimento do futebol, e as SAF’s certamente trarão estímulos novos para tal finalidade.

Entretanto, como salientado no começo desse ensaio, as formas de tentação aparecem de modo variado, e qualquer adoção de conduta que não esteja de acordo com a prudência pode gerar resultados diversos daqueles pretendidos pela legislação.

Não se pode, de plano, jogar na vala comum o modelo associativo como um todo, pois no Brasil contamos com clubes centenários; cuja forma de constituição sempre se originou na forma associativa.

Mas, no histórico dos clubes associativos, a política interna sempre teve destaque, sendo certo que os embates pelo poder, com confronto dos grupos opostos, como sói ocorrer na vida política em qualquer ambiente ou agremiação.

Como também já salientado, movidos em grande parte pela paixão, não raras vezes os dirigentes de futebol assumiram compromissos com os quais os clubes, por diversas vezes, não conseguiriam arcar.

Por conta das alternâncias de poder, cada novo grupo político que ascendia ao poder em determinado clube buscava deixar a sua marca, sem se preocupar com responsabilidade fiscal, tetos de gastos, pagamentos trabalhistas e toda sorte de credores do clube.

Vimos, em um primeiro momento, que a Lei Pelé, com a modificação que lhe trouxe a Lei 10.672/03, possibilitou a adoção de novas formas de constituição dos clubes, e um leading case que podemos apontar é o caso do Botafogo Futebol Clube, em momento anterior à Lei 14.193/21.

Em 2018, o clube constituiu a Botafogo Sociedade Anônima, com o suporte da Trexx Sports Participação Ltda e Trexx Holding Empreendimentos e Participações Ltda, que passaram a controlar o futebol profissional do Botafogo Futebol Clube.

A constituição da sociedade anônima não passou incólume, sendo certo que sofreu questionamento judicial por associados, por entenderem que a forma de criação da sociedade anônima, considerando que foi alegada inobservâncias às regras estatutárias para aprovação da transação.

Isso demonstrar como não será nada fácil adotar o novo modelo, mas não por cautela, e sim pela briga por poder dentro do clube, o que por sua vez não contribui para o desenvolvimento do futebol e recuperação financeira das agremiações.

A prudência cuja adoção se milita não passa por discussões sem elementos para tanto, mas sim de deliberações e estudos sérios, capazes de direcionar a associação sobre o melhor caminho a adotar.

Mesmo com a possibilidade contemplada pela Lei Pelé, o legislador acabou por aprovar a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol, com a finalidade de ampliar ainda mais as possibilidades de recuperação dos clubes

Nos dizeres de Jacqueline Mayer da Costa Ude Braz e Danúbia Paiva:

Apesar de ser uma opção, já é certo que a Lei 14.193/2021 representa o início de um “ciclo virtuoso” para o futebol, ao prever novas possibilidades para os clubes refinanciarem seus débitos (por meio de recuperação judicial ou extrajudicial) e renegociarem suas dívidas (através de um concurso de credores), além de trazer um tratamento tributário próprio. Em razão disso, e pelo componente da novidade é que a constituição da SAF, vem sendo apontada como passo fundamental para uma “nova era”, de transformação necessária dos clubes e de retorno do futebol brasileiro aos dias de glórias no cenário esportivo mundial. Todavia, é preciso reconhecer que essa reestruturação das dívidas dos clubes brasileiros exige muito mais que uma nova “roupagem” jurídica. Na verdade, exige todo o desenvolvimento de uma sistemática capaz de permitir a captação de recursos e, ao mesmo tempo, a reestruturação interna dos clubes, a partir da adoção de regras de governança, controle e transparência. Não há dúvida de que há uma crise sistêmica no futebol nacional que precisa ser resolvida, uma vez que os 20 maiores clubes do Brasil somam uma dívida bilionária de mais de R$ 10 bilhões. Contudo, a SAF não pode ser vista como um fim em si mesma; é um meio, um caminho, capaz de inspirar maior confiança e credibilidade do mercado, equilibrar as contas, melhor preservar os aspectos culturais e sociais da atividade do futebol, e (por que não?) permitir melhores resultados nos campeonatos. Nesse cenário, nota-se que muitos instrumentos da lei vão além da questão financeira e são também vantajosos para os clubes não endividados.

Evidente que o ponto de vista indicado é não só esclarecedor, como aponta o que realmente se deseja com a instituição da lei das SAF’s no ordenamento jurídico brasileiro, mas o que se deve ter em conta na hora de buscar uma das formas de constituição da SAF e se realmente é vantajosa para a associação.

Não se deve deixar de lado toda a parte estatutária da associação, que exige uma série de formalidades que devem ser observadas, o que nos leva novamente aos impasses decorrentes da política interna de cada clube.

Por outro lado, não se deve dissociar da justificativa constante do projeto de lei apresentado pelo Senador Rodrigo Pacheco, que assim orienta a finalidade da legislação a ser então objeto de deliberação e ulterior aprovação:

Para além de ser um dos mais importantes fenômenos culturais sociais deste País, o futebol revelou-se atividade econômica de grande relevância nacional: os principais clubes geram bilhões de reais em faturamento, empregam milhares de pessoas (direta e indiretamente) e movimentam verdadeiras indústrias de bens de consumo e prestação de serviços. Com a perspectiva de potencializar a atividade, a proposta legislativa, que teve a contribuição dos especialistas Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur, tem como principal objetivo a criação do novo sistema do futebol brasileiro, mediante a regulamentação da Sociedade Anônima do Futebol – SAF, o estabelecimento de normas de governança, controle e transparência, a instituição de meios de financiamento da atividade futebolística e a previsão de um sistema tributário transitório. Para transformar a realidade do futebol no Brasil, afigura-se necessário oferecer aos clubes uma via societária que legitime a criação desse novo sistema, formador de um também novo ambiente, no qual as organizações que atuem na atividade futebolística, de um lado, inspirem maior confiança,

credibilidade e segurança, a fim de melhorar sua posição no mercado e seu relacionamento com terceiros, e, de outro, preservem aspectos culturais e sociais peculiares ao futebol. É preciso, portanto, reconhecer a necessidade de se promover uma verdadeira transformação do regime de tutela do futebol no Brasil, a fim de possibilitar a recuperação da atividade futebolística, aproximando-a dos exemplos bem-sucedidos que se verificam em países como Alemanha, Portugal e Espanha.

A credibilidade que é mencionada pelo parlamentar não é só em relação ao mercado, mas de igual maneira quanto ao relacionamento com terceiros e mesmo preservação de sua condição de patrimônio cultural brasileiro.

Daí vemos um ponto essencial de avaliação pelos dirigentes dos clubes: ingressar em um novo modelo, em que há uma outra realidade, requer muita cautela.

O mercado financeiro não costuma ser complacente, de modo que a dinâmica é bem diferente do que os clubes de futebol encontram atualmente e; se por um lado, é essencial que possam angariar novos investidores para suas atividades e mesmo para o fomento do futebol e tudo o que ele representa, por outro é vital que a agremiação que queira adotar o novo modelo possa estar atenta a toda essa realidade.

Já se identifica movimento para a adoção do modelo, como nos já conhecidos casos mais famosos de Cruzeiro, Botafogo e Vasco da Gama, como alguns clubes já buscam adaptar seus estatutos para que seja possibilitada a adaptação ao modelo de SAF, como recentemente ocorreu no Santos Futebol Clube.[5]

Ademais, apesar de não se encontrarem – via de regra, nos quadros associativos dos clubes, há também importante e essencial figura que não pode ser esquecida; qual seja, o torcedor.

Mesmo porque existem novas figuras, como os decorrentes de programa de sócio torcedor, que em alguns clubes confere direito a voto para presidente.

Portanto, é de se salientar a análise feita por Thais Azzolini Piva e Odilanei Morais dos Santos:

Trazendo a discussão para o cenário dos clubes de futebol, pode-se dizer que existem diferentes stakeholders que podem impactar o processo de gestão dos clubes e que devem ser considerados pelos dirigentes no processo de tomada de decisão. Outro ponto a destacar refere-se à dificuldade dos clubes no processo de avaliação da relevância de cada stakeholder por parte de seus gestores, a fim de possibilitar uma gestão mais profissional do setor desportivo (Siqueira, Pajanian & Telles, 2015).

Ressalta-se que o contexto que envolve os clubes é diferenciado do mercado tradicional e possui pontos específicos de análise. Nesse caso, o objetivo dos clubes é o seu desempenho dentro dos campeonatos em que participam, buscando, paralelamente, sua viabilidade econômica (Hamil, Michie, Oughton & Warby, 2000).

Dentre os stakeholders existentes há a figura dos atletas, que a partir de seu desempenho e comercialização constituem grande parte desse cenário e também dos patrocinadores, que por meio de seus contratos buscam alavancar suas marcas e são uma fonte de recursos relevantes para os clubes (Costa & Silva, 2009).

Outra parte integrante desse sistema são os torcedores, onde é fundamental que os clubes se utilizem desses stakeholders para obtenção de receitas e criação de relações interempresariais que busquem maior proximidade (Leoncini & Silva, 2004). Uma das formas que possibilita esse aprofundamento entre os stakeholders e o clube é por meio das redes sociais.

De tal modo, não se pode ignorar a influência externa nos clubes, sejam configurados na forma associativa, seja em outra modalidade jurídica, na medida em que não só os associados daquele determinado clube, como funcionários e seu acervo de adeptos também é relevante, constituindo inclusive uma das principais causas do interesse de investidores em futebol.

Não se desconhece que ao longo dos anos as péssimas gestões se acumularam pelos clubes, sendo certo que a situação caótica de vários clubes também não era passível de sustentação, e a nova legislação tenciona estancar esses problemas.

Também é possível verificar iniciativas sérias e que têm por finalidade a reorganização das finanças dos clubes, como a recente notícia de que o Atlético Clube Goianiense concluiu os pagamentos assumidos em Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT), junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, o que solucionou 58 ações trabalhistas em trâmite[6].

O plano, adotado anteriormente ao advento da Lei das SAF´s, foi um dos mecanismos que fazem parte das ferramentas para tentar recuperar financeiramente os clubes, e em virtude da postura adotada pela agremiação, foi possível a quitação do passivo trabalhista de forma programada e satisfatória para todos os envolvidos.

Porém, o Tribunal Superior do Trabalho, ao editar o Provimento CGJT n.° 01, de 19 de agosto de 2022, franqueia tal possibilidade somente às entidades que já se encontram constituídas como sociedades anônimas de futebol.[7]

Um ponto de atenção é o regime de recuperação judicial, considerando que; mais uma vez, as práticas que são corriqueiras em outras searas – ainda que não sejam ilegais, podem acabar por frustrar credores.

Para tal demonstração, basta imaginarmos que uma agremiação em recuperação judicial consiga a cessão dos créditos que deve honrar com valor de deságio que lhe permita; por exemplo, pagar valor de créditos trabalhistas em valor inferior ao que efetivamente devido.

Também não se trata de considerar como uma fonte de calote o processo de recuperação judicial, mas não podemos ignorar que os responsáveis pela gestão tanto das associações como das SAF´s devem procurar agir de maneira íntegra e transparente, pois se uma das finalidades da lei é atrair investidores, é com práticas de mercado sérias que haverá seu interesse em investir no futebol brasileiro.

Fato é que não são as associações obrigadas a modificar sua forma de constituição para sociedade anônima de futebol, mas como já se mostrou frequente nas práticas de dirigentes esportivos a adoção de condutas que nem sempre se mostram as melhores para os interesses do clube que dirigem simplesmente por estarem “na moda”.

Assim, a implantação das sociedades anônimas do futebol não devem ser vistas como algo negativo para o futebol – ao contrário, trazem benefícios que os clubes na forma associativa talvez não possam fornecer, mas também não podem ser tomadas como a salvação de todos os problemas, pois ainda temos muito a aprender com essa forma de sociedade e todos os desfechos de sua atuação no mercado.

4- Conclusões

Ao prever a forma de sociedade anônima de futebol para os clubes, qualquer que seja sua origem prevista, o legislador teve por finalidade apresentar maneiras alternativas de permitir que os clubes de futebol se reorganizem financeira e estruturalmente.

O futebol, como atividade econômica de grande vulto, envolve interesses que vão além das quatro linhas, pois além de criar empregos diretos e indiretos, também movimenta mercado consumidor enorme, em virtude dos torcedores e adeptos que empregam seus recursos, seja para compra de material e conteúdo de seu time do coração, seja através da aquisição de programa de sócio torcedor para acompanhar seu time nos estádios.

A má gestão também nunca foi novidade entre nós, e outras tantas medidas foram adotadas pelo legislador, com tratamento especialmente diferenciado para os clubes de futebol, como se fizessem parte até de um sistema dissociado da realidade.

Ao estabelecer a possibilidade de criação de sociedades anônimas de futebol, naturalmente o legislador traz figura nova, com o intuito de estimular investimentos, organização de infraestrutura, atendimento a regras de governança e criar mecanismos para que sejam honrados compromissos com os credores.

Mas não esquecemos que são incluídos atores que estão habituados com uma realidade de mercado diferente, em que para a obtenção de lucro o investidor deve ser implacável, sem margem para erro e sem se importar com a paixão, causa primária da relação entre torcedores e seus clubes.

É claro que temos que identificar na SAF uma forma moderna de gestão, que pode trazer realmente uma série de benefícios para o futebol, mas de maneira ordenada e racional, sem nos deixarmos levar pela empolgação e pela ânsia de solucionar todos os problemas de maneira célere, sem nos atermos para suas consequências.

Seja pela frase que dá título a esse ensaio, lançada a Jesus no deserto para provar sua fé, seja quanto à história vivida por Fausto no conto de Goethe, o cerne da questão é que muitas facilidades se mostrarão diante de nós, como soluções plenas para tudo aquilo que se deseja.

Porém, a prudência e a sabedoria podem levar aos melhores caminhos, pois nesses novos caminhos que se colocam à nossa frente, nem sempre existirá uma Margarida ou uma oportunidade de arrependimento que nos levará à salvação, e por tal motivo, a parcimônia e a temperança são os melhores meios de escolher o melhor caminho que cada clube deve seguir.

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4- Referências Bibliográficas

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COMPARATO, Fábio Konder e FILHO, Calixto Salomão. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense: 2014.

DE PRETTO, Pedro Siqueira de e DE PRETTO, Renato Siqueira de. O Código Civil de 1916 e sua convivência com a Constituição de 1988. https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/cc03.pdf?d=636808302468299681#:~:text=As%20normas%20do%20Direito%20Civil,a%20%E2%80%9CEra%20das%20Constitui%C3%A7%C3%B5es%E2%80%9D. acesso em 14.08.2022.

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Rafael Elias da Silva Ferreira, Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil pela PUC/SP, bacharel em Direito pela Universidade Braz Cubas, advogado

[1] O estudo de Cláudio Vicente Di Gioia Ferreira Silva e Luiz Alberto Nascimento Campos Filho ainda conclui: “No Brasil, as consequências da extinção do passe são diferentes das que ocorrem na Europa. Isto porque na continente europeu, antes do ocorrido em 1996, os clubes já apresentavam um histórico de profissionalização da gestão e da busca de outras fontes de receita baseadas na aproximação entre cliente e clube, tais como: a bilheteria, contrato com mídia e área comercial. A lei Pelé influencia diretamente na geração de caixa dos clubes brasileiros, que até então, tinham como principal fonte de receita, a venda de jogadores. Com isso, os clubes perderam a sustentabilidade de sua principal fonte geradora de caixa. Ou seja, o impacto da extinção do passe nas fontes de receita dos clubes europeus foi menor, pois já haviam sido desenvolvidas alternativas como a venda de pacotes de viagens para os jogos, carnês antecipados, lojas, museus e até canais próprios de TV com programação diária sobre os clubes”.

[2] http://www.sportsvalue.com.br/wp-content/uploads/2020/05/SportsValue-Finan%C3%A7as-clubes-2019-maio-2020.pdf, acesso em 03.12.2022.

[3] Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;

IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

[4] Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.

  • 9o – É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

[5]https://www.atribuna.com.br/esportes/santosfc/em-votacao-associados-do-santos-aprovam-mudancas-no-estatuto-do-clube, acesso em 06.11.2022,

[6] https://www.trt18.jus.br/portal/atletico-quita-processos-reunidos-no-juizo-de-execucao-divida-era-de-cerca-de-r-15-milhoes/, acesso em 29.11.2022

[7] Art. 148-A. O PRE, em todas as suas modalidades, observará, dentre outros princípios e diretrizes:

I – a cooperação judiciária;

II – a essência conciliatória da Justiça do Trabalho como instrumento de pacificação social;

III – o direito fundamental à razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição da República) em benefício do credor;

IV – os princípios da eficiência administrativa (art. 37, caput, da Constituição da República), bem como da economia processual;

V – o pagamento equânime dos créditos, observadas as particularidades do caso concreto;

VI – a premência do crédito trabalhista, haja vista seu caráter alimentar;

VII – a necessidade da preservação da função social da empresa e das entidades de prática desportiva;

VIII – a estrita observância da Lei nº 14.193/2021 em relação às entidades de prática desportiva indicadas no art. 2º da Lei da Sociedade Anônima do Futebol.

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