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De 1995 a 2020: as mulheres na pauta do Movimento Olímpico

Na última publicação, falamos sobre o processo eleitoral no Comitê Olímpico do Brasil https://leiemcampo.com.br/quem-tem-medo-do-processo-eleitoral/.

Além de comemorarmos o processo de escolha em que os eleitores puderam, finalmente, nomear, dentre as opções apresentadas, a mais adequada ao momento da entidade, registramos o fato de que somente 2 mulheres se candidataram e apenas ao cargo de membro independente do Conselho de Administração, fato que abordaremos na coluna de hoje.

Por que as mulheres ainda são minoria absoluta em cargos de direção nas entidades esportivas, embora, em números percentuais, ocupem números expressivos da força de trabalho? É uma reflexão que se impõe e o momento é realmente propício: além do período eleitoral do COB concluído neste mês de outubro, em setembro, a Organização das Nações Unidas-ONU comemorou os 25 anos desde a realização da 4ª Conferência Mundial da Mulher ocorrida em Beijing, na China, em 1995.

De 1995 até hoje, o que mudou? Como um evento ocorrido nos anos 90 se conecta ao esporte e à reflexão proposta sobre o número de mulheres em cargos de direção de entidades esportivas?

Foi pela realização do evento organizado pela ONU ainda em 1995 – não cabe aqui percorrer os caminhos trilhados na construção do conceito de gênero na teoria feminista, portanto proponho que o ano de 1995 sirva de ponto de partida para a reflexão de hoje –  que conceitos como gênero, empoderamento e transversalidade das políticas públicas passaram a ser debatidos sob a perspectiva de gênero, servindo, portanto, como um divisor de águas entre a forma de enfrentamento dos temas evidenciada até então pela ONU, quando da realização das três confederências anteriores, ocorridas no México em 1975, na Suíça em 1980 e no Quênia, no ano de 1985.

Para a ONU, “a transformação fundamental em Pequim foi o reconhecimento da necessidade de mudar o foco da mulher para o conceito de gênero, reconhecendo que toda a estrutura da sociedade, e todas as relações entre homens e mulheres dentro dela, tiveram que ser reavaliados. Só por essa fundamental reestruturação da sociedade e suas instituições poderiam as mulheres ter plenos poderes para tomar o seu lugar de direito como parceiros iguais aos dos homens em todos os aspectos da vida. Essa mudança representou uma reafirmação de que os direitos das mulheres são direitos humanos e que a igualdade de gênero era uma questão de interesse universal, beneficiando a todos”.

Após a conferência, em que participaram mais de 30.000 ativistas, representantes das 189 nações participantes adotaram, por unanimidade, uma Declaração lavrada no evento e aderiram à Plataforma de Ação de Pequim. Enquanto a primeira registra o momento e os compromissos dele decorrentes, esta última serve de ferramenta de controle e acompanhamento quanto aos avanços – e alguns retrocessos – no cumprimento dos compromissos assumidos na declaração.

Questões como pobreza, meio ambiente, violência contra as mulheres, educação de meninas, participação igualitária das mulheres no mercado de trabalho foram debatidos Também houve o compromisso dos países participantes em promover o equilíbrio entre trabalho remunerado e responsabilidades domésticas para mulheres e homens. Tudo isso nos anos 90.

Quanto ao esporte, o Comitê Olímpico Internacional se fez representar no evento onde foram estabelecidas 12 áreas de preocupação sobre os direitos de mulheres e meninas, sendo o tema explicitamente mencionado na Declaração e na Plataforma de Ação, nascidas daquele evento, ao se referir a 3 áreas críticas que inspiravam preocupação: educação e formação de mulheres; mulheres e saúde; meninas.

Possivelmente inspirada pelos debates nascidos no ano de 1995, uma mudança importante passou a contar do Estatuto do COI, a Carta Olímpica, desde a edição do ano de 1996: o COI assumiu a função de aplicar o princípio de equidade entre homens e mulheres, através da promoção das mulheres no esporte em todos os níveis e estruturas. A criação da Comissão Mulheres no Esporte e a realização quadrienal da Conferência Mundial sobre Mulheres e Esportes são exemplos de ações concretas após a mudança, com linhas de financiamento sendo ofertadas desde então aos países que possuíssem iniciativas em prol da igualdade de gênero no esporte.

Certo é que, embora só tenha admitido mulheres entre seus membros a partir de 1981, o Comitê Olímpico Internacional vem acompanhando de perto o número crescente de mulheres competidoras em provas olímpicas; os Jogos de Londres 2012 foram a constatação de um salto histórico: enquanto os Jogos de Beijing 2008 contaram com  6.305 homens para  4.637 mulheres, os Jogos de 2012 tiveram 5.892 e 4.675 mulheres, número ainda maior nos Jogos Rio2016.

E, nos últimos 25 anos, a entidade que lidera o movimento olímpico vem defendendo a participação das mulheres em todos os níveis, incentivando seus membros a aumentar sua presença no esporte, tendo, mais recentemente, assumido um papel de liderança na chamada  “Iniciativa de Igualdade das Mulheres da ONU”, lançada em março de 2020, uma poderosa ação coordenada para trazer novos parceiros e convidar outras gerações a revitalizar a histórica Declaração de 1995 e a Plataforma de Ação e tornar a igualdade de gênero uma realidade que não se meça apenas por conta-gotas.

Ainda faltam muitos passos para a igualdade, mas desde 1995 pudemos refletir sobre esses temas de modo a desenvolvê-los sob vários aspectos, inclusive os de poder em cargos de direção na área esportiva e trago de volta o questionamento: por que tão poucas mulheres ocupam cargos de direção?

A resposta nos traz de volta ao tema da última coluna: assim como eleições democráticas se originaram somente e após uma profunda modernização na estrutura de governança, são os resquícios dessas estruturas conservadoras ainda existentes nas instituições esportivas, que admitem pouca ou nenhuma mudança entre seus membros, os principais causadores da inexistência de mulheres nos poucos espaços democráticos já disponíveis no esporte.

A abertura democrática já começa a surtir alguns efeitos, como demonstram os números de representatividade feminina celebrados pelo COI, que em 2020 celebrou um recorde da representatividade feminina. Dos postos das 30 comissões temáticas da entidade, 47,7% serão ocupados por mulheres, um aumento sobre os 45,4% se comparado ao ano de 2019, mas ainda há muitos espaços a ocupar.

Voltando ao longínquo ano de  1995, pouco antes da realização da 4ª Edição da Conferência surge desde então uma crítica feminista ao chamado desenvolvimento, parâmetro até então usado como base para as discussões dessa natureza. E um desdobramento dessas abordagens que trabalham com a noção de poder se volta para a necessidade de pensar o “empoderamento” de mulheres a partir da noção de que uma sociedade civil mais forte exige governos mais representativos e responsáveis, que promovam políticas de desenvolvimento mais equitativas e assim possibilitem uma perspectiva real de desenvolvimento, “de baixo para cima”.

O mesmo raciocínio vale para o ambiente esportivo: é por meio do esporte praticado e gerido também por mulheres que o desenvolvimento virá, que novos olhares contribuirão para a inovação e para a sustentabilidade da autonomia esportiva.

……….

Para saber mais:

https://www.un.org/womenwatch/daw/beijing/

http://www.onumulheres.org.br/planeta5050-2030/conferencias/

https://www.olympic.org/news/anita-defrantz-it-was-one-of-those-moments-that-changed-the-world

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