Um dos principais personagens do esporte sul-africano voltou às manchetes do mundo no início desse ano. Depois de nove anos preso, o ex-atleta Oscar Pistorius, condenado por matar a namorada, recebeu liberdade condicional.
Mas antes de ser preso e sentenciado a 16 anos de prisão por assassinato em 2017, Pistorius foi um ídolo do esporte na África do Sul.
Ele chegou a ser chamado de ‘Blade Runner’, por conta de suas pernas protéticas de fibra de carbono e seu desempenho nas pistas. Um atleta que tinha tudo para ser lembrado eternamente como um fenômeno do esporte, pelas conquistas nas pistas e nos tribunais.
Quero voltar a lembrar de uma delas aqui, quando a equipe jurídica de Pistorius usou regras de proteção de direitos humanos para sair vitorioso de um julgamento.
Em 2012, Pistorius se tornou o primeiro atleta paralímpico a disputar uma olimpíada em igualdade de condições com atletas sem deficiência.
E o caminho não foi fácil.
Quem foi Pistorius
Pistorius venceu a lógica. Nasceu em 1986 sem as fíbulas (ossos das pernas), o que forçou uma dupla amputação aos 18 meses de idade. Aparentemente sem talento, aos 12 anos ele surpreendeu a todos e se tornou um fenômeno no atletismo.
Para vencer obstáculos, é preciso superar medos. Ele se misturava aos meninos da idade e participava de partidas de rúgbi. Aos 15 anos, também de competições de atletismo. Com a ajuda de um tipo revolucionário de prótese, virou um supercampeão das pistas.
Em três paralimpíadas, Atenas, Pequim e Londres, ganhou seis medalhas, sendo quatro de ouro. Mas ele precisava de mais. Pistorius queria competir entre os melhores do mundo em competições para não deficientes. E ele tinha conseguido os índices exigidos para isso.
Mas havia um problema, as próteses usadas para competir. Para membros do Comitê Olímpico ela poderia dar vantagem competitiva ao sul-africano.
O caso lex sportiva e direitos humanos
Alcançar o tempo mínimo estabelecido para participar de uma Olimpíada não era suficiente. Era preciso saber se a prótese que Pistorius usava para correr daria a ele uma vantagem competitiva, algo que o esporte precisa evitar.
Em 2008 a Federação Internacional de Atletismo o proibiu de competir com atletas não amputados, alegando que sua prótese conferia vantagem com relação aos atletas convencionais, ferindo o princípio da igualdade entre os competidores, algo indispensável dentro da Lex Sportiva.
Para a IAAF, a utilização da prótese violaria a regra da competição nº 144.2 (e), que proíbe o uso de qualquer equipamento que incorpore molas, rodas ou qualquer outro elemento que forneça ao atleta uma vantagem sobre outro.
A defesa de Pistorius recorreu ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) alegando que a decisão era discriminatória, ferindo princípios de Direitos Humanos, além de não respeitar acesso igualitário e valores olímpicos. Entre as alegações, usava o art. 30.5 da Convenção Internacional de Direitos de Pessoas com Deficiência.
Esse artigo dispõe que os Estados Membros deverão encorajar e promover a participação das pessoas com deficiência nas atividades em todos os níveis com vista a permitir-lhes participar em igualdade de condições às atividades esportivas.
O time de intérpretes tinha como base para a resolução de conflitos o regulamento da IAAF e, para as questões de fundo, a ordem jurídica de Mônaco (país sede da IAAF) .
O painel do TAS verificou, então, se Convenção era ou não aplicável ao caso. Como Mônaco não ratificou a Convenção, ela não poderia ser aplicada ao caso concreto. Mesmo com o fato sendo motivo para afastar de início a aplicação da Convenção, o Tribunal decidiu analisar se as previsões poderiam ser aplicadas ao caso.
A painel interpretou a Convenção como se ela requeresse que a um atleta, como o recorrente, fosse permitido competir nas mesmas condições que outros , sendo esta a questão a ser decidida. Ou seja, se ele está ou não competindo em uma base igual com outros atletas que não utilizam a sua prótese.
A Turma julgadora entendeu que a proibição de Pistorius competir com atletas não amputados não atingia a Convenção.
A questão se complicava para Pistorius. A Lex Sportiva não seria confrontada pela Lex Pública.
O painel, então, passou a analisar unicamente se a prótese traria mesmo vantagem esportiva para Pistorius, violando de fato o art. 144.2 das Regras de Competição, o que inviabilizaria sua participação nas olimpíadas e em competições para não amputados.
Entendeu o TAS que não.
Pistorius venceu.
O TAS acatou o recurso do atleta.
Porém, o argumento foi de que a IAAF, sendo a responsável pelo ônus da prova, não conseguiu demonstrar que aquela prótese desigualava as condições entre competidores. Ou seja, que a prótese realmente daria vantagem competitiva para Pistorius.
A Turma deixou em aberto a questão, caso alguma nova pesquisa conseguisse provar que ele era beneficiado.
Na história
No dia 4 de agosto de 2012, na Olimpíada de Londres, Inglaterra, se tornou o primeiro atleta paralímpico a disputar uma olimpíada em igualdade de condições com os demais atletas, alcançando a classificação para as semifinais dos 400 metros rasos.
No dia 9 de agosto de 2012, juntamente com a equipe de revezamento 4×400 da África do Sul, se classificou para a final da modalidade na Olimpíada de Londres.
Menos de um ano depois, a vida desse fenômeno do esporte mudou totalmente de rumo.
Em fevereiro de 2013, a modelo e namorada de Pistorius, Reeva Steenkamp, de 30 anos, apareceu morta na casa do atleta.
Com a decisão da Justiça, Pistorius passou a ser, além de um fenômeno das pistas, um assassino.
Mais sobre: TAS, sentença n. 2008/A/1480, de 16 de maio de 2008.
Crédito imagem: JULIA VYNOKUROVA/GETTY
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