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De que vale o que diz o jogo, se o estádio não lhe diz nada de volta?

Ainda sobre a linguagem, é verdade que não só o que se fala sobre o futebol repercute na criação de histórias e sensações. Seus símbolos, ritos e espaços também dizem muito.

Há algum tempo, por culpa mesmo desses mistérios que o futebol parece amplificar, andei me embrenhando pelas curiosidades que envolvem os espaços e a sua repercussão na determinação de comportamentos.

Um autor querido conta que, em Belo Horizonte, por exemplo, a Praça da Liberdade foi propositalmente construída numa pequena colina, e servia para afirmar e exaltar alguns poderes. No centro, o Palácio do Governador, dominando o ambiente. Nos lados, as Secretarias de Governo, como braços do grande corpo. Embaixo, a cidade, iluminada pelo horizonte de ponta a ponta e enquadrada num traçado militar que, em algum sentido, destoava do nome da própria praça.

Segundo dizia, era o espaço falando e reforçando falas. Em alguns casos, o planejamento ia mal, e o tiro saía pela culatra. Em Brasília, as grandes avenidas e praças que, pra Lúcio Costa e Niemeyer, deveriam abrigar multidões e mobilizar pessoas, passaram mais a assustar do que a reunir, porque tornaram os indivíduos pequenos diante do tamanho colossal das construções.

No futebol o espaço também fala, e, a depender do lugar ocupado pelo sujeito, um abismo separa as diferentes histórias que os mesmos minutos podem contar. Se pro jogador o estádio lotado pode fazê-lo parecer pequeno diante da multidão, pro torcedor é o caso de se agigantar ao ouvir os ecos do próprio grito.

Diferente do fracasso das alamedas candangas, as gigantes vigas de concreto, nesse caso, parecem fazer justamente o oposto, ao aproximarem e fortalecerem os 60 mil desconhecidos íntimos, reunidos pelo mesmo hino.

Tamanho é o apreço que alguns chegam a levar parte do cimento sagrado pra casa, como amuleto. Claro que também tem quem venda, e sabe-se lá como seria capaz o comprador de atestar a legitimidade da peça na hora da entrega. Pra quem a tem com tanta estima, talvez seja o caso de senti-la.

A intimidade é tanta que não sei por que se dão ao trabalho de batizar os gigantes de pedra com nome e sobrenome, se de quem a gente gosta o tratamento é por apelido. Mineirão, Baenão, Machadão. O sufixo dá conta da transformação que acontece no sujeito que coloca os pés portão adentro. Gigante.

Por falar em portões, talvez fechá-los em dia de jogo represente a morte do futebol, um pouco. Os atores principais estarão lá, dirão. Mas, durante a transmissão, só quem mata o futebol um pouco é que se daria por satisfeito em ouvir as instruções do técnico no lugar dos tambores.

De que vale o que diz o jogo, se o estádio não lhe diz nada de volta? Até pro jogador que se apequena diante da multidão não deve ser o caso de gostar da solidão das cadeiras vazias. No fundo, no fundo, ele quer ter a quem agradar. Ou a calar. Uma vez disseram que esse poder espantaria os próprios torcedores, se eles se detivessem a examiná-lo.

A depender do resultado, no dia seguinte vale a pena vestir de novo a camisa. Só pra levar tudo isso por onde anda. A casa, o som, o sentimento, a vitória. Cruzar a rua com o adversário que sucumbiu aos pés da multidão é falar sem dizer. Às vezes, de estar com a cor do escudo já basta. Pra se sentir o melhor. Como um caracol, que só é indefeso sem a sua concha.

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Referências bibliográficas:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Quando é dia de futebol. Rio de Janeiro: Record, 2002
VIANA, Anamaria Fernandes; VIANA, Márcio Túlio. O juiz, o operário e o bailarino: relações entre o palco, a fábrica e a sala de audiências. Belo Horizonte: RTM, 2016. p. 17.

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