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Debêntures-fut: solução ou empecilho para a lei da Sociedade Anônima no Futebol?

Por João Paulo Carreira

No dia 09 de agosto de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.193/21, popularmente conhecida como a Lei da Sociedade Anônima do Futebol (a “Lei da SAF”) ou Lei do Clube Empresa. Junto com sua promulgação, surgiram as “debêntures-fut”, títulos de crédito privado de renda fixa a serem emitidos no mercado de valores mobiliários pelos próprios clubes e que podem ser o divisor de águas entre o sucesso ou não na adesão das entidades de prática desportiva ao modelo de sociedade anônima.

Antes de falarmos especificamente sobre as debêntures aplicadas no futebol, nos cumpre esclarecer o que seriam debêntures e qual sua função no mercado mobiliário. Debêntures são títulos de dívida emitidos por uma determinada empresa, sem qualquer intermediação bancária, nos quais o investidor que compra o título de dívida recebe como remuneração os juros previstos na debênture adquirida. De forma simplificada, é como se a pessoa que investisse se tornasse um credor da empresa, ou seja, ela teria uma dívida com ele. Na prática, a grande vantagem na emissão de debêntures seria sua desintermediação, posto que a própria empresa emitiria a debênture no mercado que seria comprada pelo terceiro investidor, sem qualquer intermediação por parte de bancos ou agentes financeiros e consequentemente gerando mais lucro para o investidor e para a empresa tomadora de recurso.

Por sua vez, as debêntures-fut, aprovadas no âmbito da Lei nº 14.193/21 ou Lei da Sociedade Anônima no Futebol, surgem com a manifesta intenção de estimular a aderência dos clubes ao modelo de sociedade anônima nos parâmetros estabelecidos pela própria Lei da SAF. A escolha pelo seu formato se justifica por ser uma forma relativamente simples e barata de se emitir títulos no mercado, os quais poderiam ser comprados por pessoas físicas que poderiam adquirir um título de dívida posto no mercado pelo seu clube do coração.

Sua maior vantagem concorrencial em relação à outros títulos do mercado de capitais, que muitas vezes poderão ser até financeiramente mais atrativos que as debêntures-fut, é o elemento imprevisível e imponderável da paixão do torcedor. Qual torcedor apaixonado não gostaria de ajudar ao seu clube do coração e concomitantemente investir no mercado de valores mobiliários? Parece plausível até mesmo afirmar que os mais apaixonados estariam dispostos a comprar o título sob uma taxa de juros menos vantajosa para si, desde que pudessem ajudar a financiar o seu clube do coração, o qual, por sua vez, se beneficiaria de uma mudança no perfil de endividamento para taxas menos onerosas, especialmente quando comparadas aos empréstimos contraídos em instituições bancárias.

Para o lançamento deste modelo de título, o legislador se preocupou em oferecer limites legais para as emissões das debêntures-fut, com o intuito proteger o investidor, haja vista que os clubes poderiam facilmente se valer da paixão do torcedor para incutir taxas não condizentes com a realidade do mercado para serem adquiridas pelos adeptos mais fanáticos. Estes limites estarão previstos em alguns incisos do art. 26 da Lei nº 14.193/21.

O primeiro limite, disposto no inciso I, art. 26 da Lei nº 14.193/21, garante que os títulos deverão ser remunerados por taxas de juros não inferiores às taxas aplicadas para a caderneta de poupança, como forma de proteção ao investidor leigo que obrigatoriamente comprará sua debênture-fut num investimento condizente com os valores praticados no mercado.

Outro limite está previsto no inciso II, art. 26 da Lei nº 14.193/21, o qual garante que a remuneração das debêntures-fut terão prazo igual ou superior a 2 anos, isto ocorre pois, a debênture, por características próprias, é um título a ser remunerado no longo prazo.

Nesta esteira, o inciso III, do art. 26 da Lei nº 14.193/21 traz uma inovação interessante sob o ponto de vista da compra idônea do título, ao passo que veda os clubes ou dirigentes dos clubes de recomprarem as debêntures, atuando como forma de coibir a influência política dos “cartolas” sobre a valorização/desvalorização do título, não permitindo que estes exerçam qualquer influência na atividade do investidor.

Contudo, em que pesem todas as vantagens concedidas na Lei e os limites aplicados para a proteção ao investidor, o veto ao artigo 27 pode trazer prejuízos irreparáveis à adesão afetiva dos clubes ao formato de sociedade anônima do futebol previsto na Lei nº 14.193/21. Isto porque, tal artigo permitiria uma isenção fiscal ao investidor pessoa física em seu imposto de renda, o que funcionaria como uma grande fonte de incentivo para a popularização na venda desse ativo. Isto é, o investidor poderia manter o título da debênture-fut pelo prazo de 2 anos previsto na lei e no momento de saque, o investimento seria isento de pagamento sobre o imposto de renda. Porém, é válido ressaltar que essa benesse não se estenderia às pessoas jurídicas e empresas.

A justificativa para o veto à isenção fiscal foi de que não haveria contrapartida relacionada ao produto, o que poderia ocasionar uma assimetria para o fisco no futuro, ao dificultar a migração do investidor para outros títulos mais seguros.

Todavia, esse incentivo fiscal poderia se traduzir em um fator preponderante para convencer os clubes a aderir ao modelo societário previsto na Lei da SAF, de modo que um dos maiores atrativos para a alteração do modelo associativo dos clubes atual para a SAF seria a alta taxa de adesão dos torcedores/investidores às debêntures-fut. Este cenário já não parece tão provável, haja vista que os incentivos fiscais da Lei, os quais funcionariam como verdadeiras molas propulsoras para que o mercado das pessoas físicas pudesse aderir de forma definitiva às debêntures aplicadas no futebol, já não serão aplicados.

Sem prejuízo, este cenário de adesão das entidades de prática desportiva à Lei da SAF se converteria em receita para o próprio Governo Federal, posto que os clubes ao aderirem o modelo de sociedade anônima do futebol pagariam os impostos atinentes a este tipo societário, representando uma arrecadação muito superior para o fisco se comparado com os impostos praticados pelo formato atual, no qual a grande maioria dos clubes funcionam como associações civis. De acordo com o relator do projeto, o Senador Carlos Portinho, em entrevista concedida à “Jovem Pan News”, o estudo de impacto do relatório prevê um aumento de arrecadação na ordem de 20% a 50%, se comparado com o que atualmente se arrecada com os clubes como associações civis[1].

Por sua vez, sob a ótica dos clubes, a adesão às debêntures-fut, seria uma grande vantagem no tangente à mudança no perfil de endividamento, tendo em vista que haveria uma troca de bancos e instituições financeiras para os futuros adquirentes das debêntures como credores dos clubes, os quais estariam mais suscetíveis a praticar uma taxa de juros mais condizente com a necessária reorganização financeira dos clubes brasileiros. Além disso, a liquidez imediata advinda das debêntures-fut, permitiria aos clubes que fizessem uso desse valor para renegociar as dividas já existentes com instituições financeiras que, via de regra, possuem taxas muito mais altas de juros.

Na entrevista concedida a rádio Jovem Pan, Carlos Portinho, senador e relator do projeto, exprimiu sua opinião acerca do veto presidencial sobre as debêntures-fut: “As debêntures do futebol não existem, então não há que se falar em perda de arrecadação, só pode haver aumento de arrecadação, na medida em que a receita das debêntures do futebol estaria atraindo para esse setor mais investimento, gerando mais riqueza e isso é muito produtivo.”[2]

Nesta mesma entrevista, o senador afirmou que o Congresso Nacional trabalha para derrubar os vetos do presidente Jair Bolsonaro: “Esses vetos atingem o coração do projeto, principalmente na tributação específica do futebol, que foi onde calculamos um aumento na arrecadação [pelo governo]”, esclarece o parlamentar. Segundo Portinho, a expectativa é que a análise do assunto aconteça ainda no mês de setembro, em reunião dos congressistas para avaliar essa e outras matérias. “O caminho é a derrubada”, declarou ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan.[3]

A partir das informações sintetizadas acima, resta claro que a aprovação da Lei da SAF e consequentemente o lançamento do título “debêntures-fut” possuía o intuito de modernizar o modelo de prática desportiva no cenário nacional e criar um ambiente fértil para que os clubes se beneficiassem de uma das maiores fontes de renda no futebol: o seu público apaixonado. Entretanto, a ideia que parecia ter tudo para lançar um novo marco na relação entre mercado de capitais e o futebol nacional corre o sério risco de não ter a adesão anteriormente prevista, em função dos vetos presidenciais que atingem diretamente um de seus maiores incentivos, as debêntures-fut.

No fim das contas, a impressão que fica é de que, cedo ou tarde, seja através de debêntures-fut ou outro instrumento financeiro, cada vez mais o futebol nacional precisará dialogar com seus torcedores apaixonados de forma que esta paixão possa vir a ser uma fundação sólida para financiar a prática desportiva de forma salutar no cenário brasileiro. Como certa vez disse Peter Draper, Diretor de Marketing do Manchester United de setembro de 1999 a junho de 2006: “Muitas pessoas não gostam de se referir a clubes de futebol como um negócio – mas nós sim. Nosso objetivo é pegar os melhores elementos do Manchester United e leva-los ao mercado para milhões de torcedores e bilhões de pessoas.”[4]

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João Paulo Carreira é bacharel em Direito pela PUC-RJ, colaborador externo voluntário da CNRD, cursando o LLM em Sports Law da Trevisan Escola de Negócios e membro fundador/idealizador do GEDD PUC – RIO.

[1] Canal da “Jovem Pan News” no youtube. Vetos de Bolsonaro na lei Clube Empresa atingem o coração do projeto, diz deputado Carlos Portinho. Disponível em <>: https://www.youtube.com/watch?v=yVwzZ5TUjF8. Acesso em 06/09/2021.

[2] Canal da “Jovem Pan News” no youtube. Vetos de Bolsonaro na lei Clube Empresa atingem o coração do projeto, diz deputado Carlos Portinho. Disponível em <>: https://www.youtube.com/watch?v=yVwzZ5TUjF8. Acesso em 06/09/2021.

[3] Jovem Pan. Relator critica vetos de Bolsonaro a PL do clube-empresa: “Caminho é a derrubada”. Disponível em <>: https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/relator-critica-vetos-de-bolsonaro-a-pl-do-clube-empresa-caminho-e-a-derrubada.html. Acesso em 06/09/2021.

[4]  Peter Draper, citado em MILLIGAN, Andy  SMITH, Shaun. Uncommon Practice. Ed. Prentice Hall, 2002.

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