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Decreto-lei n° 3.199, de 1941: o início da autonomia tutelada no Brasil

Nestas dezesseis semanas em que venho contando a história do Direito Esportivo no Brasil por aqui, tenho tentado mostrar o conjunto de elementos que, no início do século XX, levaram Getúlio Vargas a intervir no setor.

Já falei acerca do interesse que o futebol vinha despertando nas massas e a necessidade de sua apropriação para fins de propaganda do regime varguista, mas também para a construção de uma nova amálgama sociocultural que vinha no bojo do Modernismo e do samba. Falei, ainda, que o elitismo classista e o racismo foram fundamentais para a divisão do futebol e, portanto, o chamado para que o Estado interviesse para que o reorganizasse. Por fim, terminei, nas últimas colunas, contando como as elites cariocas contribuíram em suas disputas por uma gota d’água, que seria a intervenção final do Estado Novo na área, com a edição de um decreto-lei.

Chegamos agora, portanto, especificamente a esta própria norma, ou seja, à análise da primeira Lei Geral do Esporte do país.

Vou me socorrer no que o próprio pai-fundador do Direito Esportivo no Brasil, João Lyra Filho, narrou no monumental “Introdução ao Direito Desportivo” (1952, pp. 119-120):

O primeiro ato de participação do Estado na disciplina das atividades desportivas, com caráter permanente, e de continuidade, definiu-se com o Decreto-lei n. 1.056, de 19 de janeiro de 1939, que criou a Comissão Nacional de Desportos, com a incumbência de realizar minucioso estudo do problema desportivo nacional e apresentar o plano geral de sua regulamentação. Ela constituiu-se de cinco membros, escolhidos pelo presidente da República ‘dentre pessoas entendidas em matéria de desportos ou a êstes consagradas’, além do diretor do Departamento Nacional de Educação […] Por decreto de 10 de março do mesmo ano, foram designados os membros da referida Comissão os Srs. José Eduardo Macedo Soares, Luis Aranha, Arnaldo Guinle, Major Joaquim Alves Bastos e Capitão de Fragata Átila Monteiro Achê, sob a presidência do primeiro, além do Sr. Antonio Teixeira de Lemos, no impedimento do Sr. Luis Aranha.

Dois pontos bastante importantes acerca desse conselho técnico:

  1. a influência de Oliveira Vianna, que propunha a substituição do Parlamento – à época já fechado – por conselhos técnicos de trabalhadores e especialistas para a redação de leis, bem ao feitio do fascismo instaurado na Itália e com quem o Estado Novo flertava antes da entrada do país da 2ª Guerra Mundial ao lado dos Aliados, assim como próximo ao ideal vianista culturalista de um “direito de criação popular”, nascido no seio do que chamava por “povo massa”; e
  2. que a composição do colegiado já demonstrava a conciliação de interesses pós-armistício que resolveu a Cisão Esportiva dos anos 1930. Estavam com assento na Comissão tanto Luiz Aranha (CBD) como Arnaldo Guinle (FBF) e COB (e sem a presença de João Lyra Filho).

Como já contei em meu livro “Constituição e Esporte no Brasil” (Ed. Kelps, 2017), o resultado dos trabalhos da Comissão Nacional de Desportos foi justamente a edição do Decreto Lei n° 3.199, de 1941. Trata-se de norma com força de lei decretada pelo presidente Getúlio Vargas, conhecida pelo reconhecimento da prática esportiva profissional, assim como pela criação do Conselho Nacional de Desportos (CND). Porém, ganhou notoriedade entre os jusesportistas por seu caráter centralizador e estatista.

João Lyra Filho (1952, p. 127) entende que o texto apresentado estava consoante ao que prescrevia a Constituição outorgada de 1937 no que concerne aos seus objetivos referentes à juventude:

Art. 132 – O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas; e outras por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação.

O tema do esporte era motivado no texto constitucional, ainda que implicitamente, por seu caráter adestrador, disciplinador e militar. Há que se recordar que Francisco Campos, autor do projeto de Constituição que Getúlio Vargas outorgou em 1937, defendia a formação de uma juventude miliciana para o apoio às ações do Estado Novo. Alchorne de Souza (p. 72) explica como seria o projeto do ministro:

Em outubro de 1938, os embates no campo político se radicalizaram com a entrada de um novo agente social: o ministro da Justiça Francisco Campos. Ele representou um projeto de criação da Organização Nacional da Juventude (ONJ), que teria a função de educar jovens e de prestar instrução militar.

[…]

Todas as características de milícia paramilitar estavam presentes… Assim, todo o campo esportivo ficaria sob a administração do ministro, que passaria a dominar um grande potencial mobilizador.

A tentativa acabou sendo frustrada, principalmente após o alinhamento do Brasil aos Aliados contra o nazifascismo.

Ainda sobre o tema da intervenção estatal sobre o esporte que marcou a época, assevera Manoel Tubino:

O ponto relevante de reflexão é que todos esses documentos legais podem ser caracterizados como instrumentos autoritários que produziram uma tutela e uma cartorialização do esporte brasileiro por mais de quarenta anos.

Realmente não é desarrazoada a crítica se levado em conta o próprio texto do decreto-lei, que dispunha, por exemplo, sobre (i) a competência do CND para decidir quanto à participação de delegações dos esportes nacionais em jogos internacionais (art. 2º, ‘c’); (ii) a previsão de que a criação ou extinção de confederação somente se daria via decreto do Presidente da República (art. 16, §3º); e (iii) a aprovação dos estatutos das entidades pelo CND (art. 58).

Na próxima coluna vou aprofundar mais a análise desta primeira Lei Geral do Esporte no país.

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