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Dedução fiscal e o incentivo ao esporte

Ainda no clima esportivo dominou as telinhas nos últimos tempos em razão dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Paris 2024, hoje vamos falar sobre o incentivo ao esporte – essencial ao desenvolvimento do esporte em diversas modalidades e à promoção de atividades esportivas em comunidades carentes.

Vimos nos últimos meses histórias de superação e de transformação de vida, como a de Rebeca Andrade, que treinou ginástica no Projeto Futuro Campeão, de Isaquias Queiroz, que ingressou na canoagem pelo Projeto Remando em Águas Baianas, e Rafaela Silva, que teve destaque no judô promovido pelo Instituto Reação, todos viabilizados por meio da Lei de Incentivo ao Esporte.

A Constituição Federal de 1988 conferiu um valor social ao esporte, imputando ao Estado o dever de fomento de práticas desportivas formais e não formais (art. 217[1]). Dez anos mais tarde, a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, também conhecida por “Lei Pelé”, esclareceu a distinção entre práticas desportivas formais e não formais (art. 1º[2]), dispondo no artigo 56, inciso V, sobre a possibilidade de “incentivos fiscais previstos em lei” como recurso ao fomento destas práticas.

A interpretação conjunta destas normas leva à conclusão de que a preocupação do Estado se relaciona não apenas com o esporte de alto rendimento, como também à sua função educativa, servindo de mecanismo de integração do indivíduo na sociedade (viés do direito social). Assim, buscou o Estado não só aplicar recursos diretos ao esporte e lazer, mas também criar mecanismos de estímulo para que a sociedade contribua com o desenvolvimento de práticas desportivas, sobretudo em comunidades de maior vulnerabilidade social.

Foi nesse contexto que surgiu a Lei nº 11.438, de 29 de dezembro de 2006, conhecida por Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), que passou a proporcionar recursos provenientes de renúncia fiscal para financiamento de projetos desportivos e paradesportivos em todo o território nacional. Tais projetos podem ser de desporto educacional, de participação ou de rendimento, exercido por pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, sem fins lucrativos, em operação há pelo menos um ano

Dedução fiscal

A partir da LIE, pessoas físicas e jurídicas podem deduzir do imposto de renda devido os valores despendidos a título de patrocínio ou doação no apoio direto a projetos desportivos e paradesportivos aprovados pelo Ministério da Cidadania.

Os benefícios promovidos à sociedade a partir da LIE são tão relevantes que recentemente foi aprovada a Lei nº 14.439, de 24 de agosto de 2022, que (i) renovou a vigência da lei original até o ano-calendário de 2027; e (ii) majorou os limites individuais de dedução fiscal da pessoa física de 6% para 7% e da pessoa jurídica de 1% para 2% do imposto devido, com possibilidade de alcançar até 4% em situações específicas dispostas na legislação – hipótese em que deve observar limite coletivo de forma concorrente.

Em todos esses casos, é importante observar que:

  • pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido, arbitrado, microempresas e empresas de pequeno porte, optantes pelo Simples Nacional não fazem jus à dedução de incentivos;
  • o adicional do IRPJ à alíquota de 10% será recolhido integralmente, não sendo permitidas quaisquer deduções (art. 3°, §§1° e 4° da Lei n° 9.249/95).

Na prática, a dedução fiscal da pessoa jurídica com doações para além do incentivo ao esporte requer os seguintes cuidados:

(a) a pessoa jurídica optante pelo lucro real terá o teto de até 4% de seu IRPJ para incentivar projetos desportivos, dos quais até 2% para qualquer tipo de projeto desportivo ou até 4% para projetos destinados à promoção de inclusão social em comunidades em situação de vulnerabilidade social;

(b) nesta hipótese [dos 4%], o limite de dedução fiscal concorrerá com os incentivos aos projetos culturais e patrocínios de obras audiovisuais dispostos, respectivamente, nas Leis 8.313/91 e 8.685/93;

(c) o percentual de dedução fiscal de projetos de reciclagem (Lei n° 14.260/21) concorrerá com o percentual destinado aos projetos esporte em geral, de modo que a pessoa jurídica poderá decidir usar até 2% para esporte nessa faixa de dedução fiscal ou 1% para esporte e 1% para reciclagem;

(d) se a empresa utilizar 1% de dedução do IRPJ para projetos de reciclagem, por exemplo, restará 1% para projetos esportivos de caráter geral nessa faixa de dedução fiscal, havendo espaço para deduzir os 3% adicionais, desde que estes se refiram a valores dispendidos com patrocínios, doações ou apoio direto a projeto de inclusão em comunidades vulneráveis – limite este que concorrerá com a área da cultura/produções audiovisuais;

(e) se a empresa não usar a lei da reciclagem, poderá usar os 2% da faixa do esporte mais 2% adicionais da faixa da cultura (projetos de inclusão social, em comunidades vulneráveis).

Para além da LIE

Estados e Municípios também podem prever renúncias fiscais visando ao fomento do desporto. A título de exemplo, aqui em São Paulo temos:

  • Lei Paulista de Incentivo ao Esporte (LPIE – Lei Estadual nº 13.918/2009), a qual prevê que o valor destinado por pessoas jurídicas ao patrocínio de projetos desportivos credenciados pela Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo do Estado de São Paulo pode ser creditado do ICMS anual devido ao Estado, nos percentuais de 0,01% a 3%, conforme limites estabelecidos pela Lei[3]; e
  • Lei Municipal nº 15.928/2013, da cidade de São Paulo, que concede incentivos de até 70% do valor do patrocínio para o pagamento de até 50% do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) ou Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), podendo o benefício ser ampliado para 100% do valor do patrocínio para o pagamento de até 50% ISS/IPTU quando a pessoa física ou jurídica incentivadora fizer a adoção de clubes desportivos da comunidade pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos e requalificar equipamento esportivo de administração direta municipal[4].

As renúncias fiscais por certo desempenham papel crucial no desenvolvimento do desporto brasileiro, tanto pela perspectiva de atletas de alto rendimento, que são impulsionados a alcançar melhores resultados, mas também sob a perspectiva da inclusão social, especialmente de crianças e jovens em situações de vulnerabilidade social, além da melhoria da infraestrutura, da saúde pública e da economia, gerando empregos e renda para setores de infraestrutura, de serviços (preparadores físicos, fisioterapeutas, nutricionistas, dentre outros) e do comércio de equipamentos e materiais esportivos.

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[1] Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;

IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

(…) § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

[2] Art. 1o O desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais e obedece às normas gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.

  • 1oA prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.
  • 2oA prática desportiva não-formal é caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes.

[3] Artigo 16 – Fica o Poder Executivo autorizado a conceder crédito outorgado correspondente ao valor do ICMS destinado pelos respectivos contribuintes a projetos desportivos credenciados pela Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo do Estado de São Paulo, conforme regulamentação.

  • 1º – Para fins de apuração da parte do valor do ICMS a recolher que poderá ser destinada aos projetos desportivos de que trata o “caput” deste artigo, serão fixados os percentuais aplicáveis ao valor do saldo devedor do ICMS apurado pelo contribuinte, devendo esses percentuais variar de 0,01% (um centésimo por cento) a 3% (três por cento), de acordo com escalonamento por faixas de saldo devedor anual.
  • 2º – O montante máximo de recursos disponíveis para captação aos projetos credenciados pela Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo do Estado de São Paulo será fixado em cada exercício pela Secretaria da Fazenda, ficando limitado a até 0,2% (dois décimos por cento) da parte estadual da arrecadação anual do ICMS relativo ao exercício imediatamente anterior.

[4] Art. 8º O incentivo fiscal para projetos esportivos corresponderá à emissão de certificado de incentivo que poderá ser usado da seguinte forma:

I – até 70% (setenta por cento) do valor do patrocínio para o pagamento de até 50% (cinquenta por cento) do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS ou Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU devido pelo patrocinador, exceto nas hipóteses previstas no inciso II;

II – 100% (cem por cento) do valor do patrocínio para o pagamento de até 50% (cinquenta por cento) do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS ou Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU devido pelo patrocinador, nas seguintes hipóteses:

  1. a) fizer a adoção de clubes desportivos da comunidade pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos;
  2. b) requalificar equipamento esportivo de administração direta municipal.

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