São várias as notícias que circulam por aqui e por aí de organizações criminosas usando as empresas de apostas esportivas on-line (Bets) como instrumento de lavagem de dinheiro de atividade ilegal. Agora, muita calma nessa hora. A culpa nesse caso não é do negócio, mas de como ele caminhou no Brasil.
Lembro na hora de Gabriel Garcia Márquez com seu genial Crônica de uma Morte Anunciada. Dá para parafrasear esse momento brasileiro como a “Crônica de um Problema Anunciado”.
Para começar, é importante guardar:
As bets foram autorizadas por lei no final do Governo Temer, em 2018. Ou seja, passaram a ser uma atividade legal.
Na época, o presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.756/18. A lei determinou que as apostas seriam uma modalidade de loteria, liberada tanto para o setor público quanto para o privado. Entretanto, não definiu critérios, condições e procedimentos específicos para a sua regulamentação
Veja:
Uma atividade legalizada, mas SEM fiscalização e SEM regulamentação.
Claro que se tornou um terreno fértil também para criminosos.
A partir daí começou uma grande briga no Congresso. Empresas que realmente tinham o negócio de apostas on-line como finalidade (querendo a regulamentação) e aquelas que tinham outras atividades além da Bet (lutando para deixar como estava).
Mas, depois de 5 anos (todo governo Bolsonaro e um ano do governo Lula), enfim, veio a regulamentação. Em agosto, as empresas que querem continuar operarando em 2025 precisaram se habilitar.
Elas terão que pagar R$ 30 milhões à União para conseguir autorização de exploração comercial e não ficarem em situação ilegal a partir de 1º de janeiro.
A portaria foi publicada no Diário Oficial da União no fim de maio. Para obter a autorização, as bets terão de cumprir critérios relacionados a cinco categorias: habilitação jurídica, regularidade fiscal e trabalhista, idoneidade, qualificação econômico-financeira e qualificação técnica.
113 empresas protocolaram pedido no Sistema Geral de Apostas da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Cada uma pode cadastrar até três marcas de apostas.
Explicado isso, chegamos no esporte.
Apostas e esporte
Não é só no Brasil, mas em todo mundo, que as empresas de apostas esportivas on-line se tornaram uma fonte de receita importantíssima para o esporte. E não tem como ir contra essa lógica.
Os sites de apostas estão espalhados pelo mundo. Se o Brasil proíbe aposta, o apostador vai usar um site do exterior, como sempre fez.
Uma das grandes diferenças é que o recolhimento de impostos que poderia ser revertido para ações sociais não é feito. Além do que, não se sabe qual é a empresa que está tomando o dinheiro do apostador e nem se tem como garantir que o prêmio será pago.
Mas o Brasil conseguir ficar 5 ANOS operando dessa forma, legalizado e sem regras.
Voltando.
Sabendo dessa realidade, além da fiscalização, da regulamentação e do controle do estado, o esporte também precisa criar mecanismos internos de controle em relação as apostas para proteger algo inegociável: a integridade esportiva.
Esporte vive da incerteza
A graça do esporte está na incerteza do resultado. Se todos soubessem de véspera qual seria o placar de um jogo, o esporte perderia força, e a paixão encolheria.
Por isso vários dos princípios do direito esportivo visam garantir essa imprevisibilidade, como a integridade esportiva, o jogo limpo, e a paridade de armas, que é dar condições iguais aos competidores.
Daí porque é fundamental, entre outras coisas, combater a manipulação de resultado. E esse não é um problema que surge agora, com a profusão dos sites de apostas. Ele é antigo, e por isso recebe há muito tempo a atenção do esporte.
O “CBJD” de 1942 já trazia punições contra a manipulação de resultados
O professor Wladimyr Camargos lembrou, em coluna no Lei em Campo, que a resolução do Conselho Nacional de Desportos (CND), de 4/11/1942, que traz a primeira Lei Geral do Esporte, dispunha acerca de um tema bastante caro nos dias de hoje: a manipulação de resultados de partidas e competições.
O texto original assim regia o assunto:
33.
- d) será motivo de eliminação do atleta a participação ou cumplicidade em tentativa de suborno, destinado a causar, promover ou facilitar a derrota de um quadro, bem come o fato de ter conhecimento da tentativa e não denunciá-la imediatamente
35.
Estará sujeito a grave punição aquele que, direta ou indiretamente, induzir ou tentar induzir o atleta a proceder, em campo, de maneira desvantajosa para o quadro a que pertence, ou a algum árbitro ou linesman, com o Propósito de persuadi-lo ao desempenho da função, por forma que assegure ou facilite a vitória de uma determinada associação. Apurada a infração, o responsável ficará inhabilitado [sic] para ocupar cargo ou função em entidade desportiva e para ser sócio, atleta, dirigente, treinador, massagista ou empregado a serviço dos desportos. Se do fato ou fatos compreendidos neste item resultar a responsabilidade de alguma entidade desportiva, será esta suspensa e, no caso de reincidência, ser-lhe-á cassada pelo C. N. D. o direito de funcionamento.
Ou seja, os dispositivos transcritos visavam proteger o esporte de alto rendimento contra atitudes que atuavam contra a igualdade do esporte. Mesmo lá em 1942, quando o Direito Esportivo começava a ser entendido e aplicado no Brasil, já se via a necessidade de proteger a integridade do esporte.
E ainda hoje, o esporte no Brasil e no mundo se vê ameaçado.
Importância da autorregulação do esporte
Além do papel do Estado, que trabalha para investigar casos de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, julgar e punir, o esporte também precisa agir e se proteger.
No futebol, o trabalho de monitoramento, com o auxilio da ciência e tecnologia se tornaram vitais para combater essas quadrilhas cada vez mais sofisticadas. Algumas Federações estão recebendo apoio de empresas de apostas on-line para investir contratar empresas especializadas em identificar manipulação de resultados.
Inclusive, sobre apostas, a Fifa traz em seu Estatuto, no art 2, o “compromisso de combater a manipulação de resultados, defendendo a integridade das competições”. E, no Código de Ética (26.2), traz que “pessoas submetidas a esse Código são proibidas de participar, direta ou indiretamente, em apostas, loterias ou eventos similares…”
A Fifa coloca diretrizes gerais. Mas as associações nacionais e clubes podem expandir essas limitações. A CBF tem regras e muitos clubes têm colocado a proibição de “qualquer tipo de relação com sites de apostas” nos contratos com atletas e técnicos.
Agora, é fundamental que todos adotem práticas que contribuam para a preservação dos princípios do desporto, protegendo o fair play e a integridade esportiva. Lembrando sempre que a ética no esporte transcende a mera observância das regras determinadas em códigos e regulamentos.
Os princípios éticos são convenções não positivadas que nos orientam o modo de agir.
Ou seja, proteção!
Fazer o certo é sempre o certo. Inclusive regulamentar e fiscalizar uma atividade legalizada.
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