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Depressão e desporto

Este é um assunto que é visto como tabu, mas que precisa ser enfrentado para que vidas sejam salvas.

Na última semana uma notícia abalou o mundo desportivo: Santiago García, de 30 anos, atacante do Godoy Cruz, foi encontrado morto em sua casa, na região de Mendoza, Argentina[1].

Por ter testado positivo para a Covid-19 no dia 22 de janeiro, o atleta uruguaio estava isolado até dos familiares. Morro García era jogador do Godoy Cruz da Argentina desde 2016. Pouco antes do ocorrido, o uruguaio enviou mensagem para um amigo a dar conta de que iria pôr fim à própria vida. De imediato, as autoridades foram avisadas e deslocaram-se para o local.

De acordo com a TYC Sports, a depressão do uruguaio já era conhecida e estava inclusive a receber tratamento psicológico.

Desde a primeira edição do Manual de Direito do Trabalho Desportivo abordei este tema tão delicado e complexo.

O sindicato internacional dos atletas (conhecido como FIFPro), frequentemente divulga estudos envolvendo a saúde dos atletas profissionais. Curiosamente a depressão é uma das doenças mais frequentes e que atinge mais de um terço dos jogadores de futebol[2].

É bem verdade que essa patologia pode ser encarada como o mal do século e acaba sendo pouco combatida em razão da discriminação que ainda existe. É uma doença silenciosa, apesar de ser apontada pela Organização Mundial da Saúde como a quinta maior questão de saúde pública do mundo, podendo chegar ao topo das doenças que mais ceifam vidas nos próximos anos.

Se levarmos em conta o cenário de isolamento provocado pela pandemia em razão da Covid-19, estes números podem ser ter evoluído em demasia.

Em razão da queda de rendimento e consequente ida para o banco de reservas, o jogador uruguaio Abdón Porte, ídolo do Nacional de Montevidéu, ceifou a sua vida em pleno campo no ano de 1918. Tal fato demonstra que há mais de um século, ou seja, desde os primórdios dessa prática desportiva, os males atualmente existentes já afligiam os atletas.

As doenças do cérebro são associadas ao estilo de vida que o ser humano leva e segundo Fernanda Moreira de Abreu[3], “a depressão se torna cada vez mais frequente à proporção em que a sociedade moderna cresce em complexidade, exigindo sempre maior inibição de impulsos e maior conformidade a um grupo. É consequência do ritmo acelerado da vida, do caos tecnológico, da alienação das pessoas, do colapso da estrutura familiar, da solidão e do fracasso dos sistemas de crença”.

Além desses fatores, pode ser inserida a constante cobrança por metas satisfatórias, sendo que essas cobranças são generalizadas e padronizadas, sem levar em consideração a aptidão de cada indivíduo e as suas limitações.

Os sintomas de depressão e de ansiedade são mais frequentes do que se imagina entre jogadores e ex-jogadores, principalmente de futebol.

A partir da década de 1990 a saúde mental dos atletas passou a ser tratada com maior atenção. Inúmeros clubes passaram a contar com o auxílio de psicólogos para orientar os jogadores, o que ocorreu, inclusive com a seleção brasileira de futebol.

Em matéria assinada pelo jornalista Marcelo Alves[4], de acordo com levantamento realizado pelo FIFPro, 38% dos 607 jogadores em atividade e 25% entre os 219 ex-jogadores disseram ter sofrido de depressão ou ansiedade nas quatro semanas anteriores a que foram entrevistados.

Os números confirmam a gravidade do problema e mostram que ele está aumentando, em comparação com pesquisas anteriores. No estudo anterior do FIFPro, 26% dos jogadores relataram ter sofrido de depressão e ansiedade.

O atleta profissional está exposto a uma frequente ocorrência de lesões e essas são uma constante na vida do atleta. Tal fato pode ter influência direta com a depressão. De acordo com o estudo divulgado pelo sindicato internacional Atletas que tiveram três ou mais contusões graves estão entre duas e quatro vezes mais propensos a sofrer com esses problemas.

Além de depressão e ansiedade, 23% dos atletas e 28% dos ex-atletas disseram sofrer de distúrbios do sono. Outros 15% dos atletas e 18% dos ex-atletas reportaram sofrer com problemas de estresse. Problemas como abuso de álcool foram relatados por 9% dos jogadores e 25% dos ex-atletas. O consumo de cigarro ocorre entre 4% dos atletas e 11% dos ex-atletas.

Na pesquisa anterior, o número de jogadores fumantes era de 7%, enquanto os que apresentavam problemas com álcool era de 19%.

O ex-jogador belga Jean-Marc Bosman, foi o responsável pela extinção do “passe”, no final da década de 1990. Depois de ter sido negada a sua transferência do RFC Liège para o Dunkerke, Bosman levou o seu pleito até a corte da União Europeia para poder se transferir para o clube da França. Na ocasião, o Liège era o detentor do seu passe, mesmo após o término do contrato. A corte deu ganho de causa a Bosman iniciando uma nova era que terminaria com o passe no futebol.

Foi a partir dessa decisão que todo jogador em fim de contrato passou a ser livre para se transferir para outro clube. Com isso, os atletas ganharam mais poder nas negociações contratuais. Tudo por causa de Bosman. Atualmente estão em vigor os direitos federativos, mas que não guarda semelhança com o passe.

Bosman pode ser considerado um mártir, tendo em vista que passou a ser rejeitado pelos clubes até encerrar a carreira e atualmente tem uma vida difícil em Liège, recebendo um simbólico auxílio do governo. Além das dificuldades financeiras, Bosman luta contra a depressão e o alcoolismo.

Lamentavelmente muitos atletas não procuram ajuda ou não reconhecem que precisam de socorro, razão pela qual não são raros os casos extremos que envolvem a doença em análise.

O goleiro alemão Robert Enke pode ser citado como um exemplo de consequência fatal do problema. Foi um atleta bem sucedido com passagens pelos clubes Hanover 96, Borussia Monchengladbach, Benfica, Barcelona, Fenerbahce, Tenerife, além da própria seleção alemã de futebol. Todavia a bem sucedida trajetória escondia um problema grave e silencioso: o atleta sofria de depressão e tirou a sua própria vida no ano de 2009 quando se atirou na frente de um trem.

O mais importante é a quebra desse preconceito e tabu que ainda pairam sobre as doenças do cérebro e que podem ter um desfecho trágico.

……….

[1] Morro García jogou no Nacional, do Uruguai, de 2008 até 2011. Em seguida, foi contratado pelo Athletico-PR e jogou em 2011 e em 2012 pelo clube paranaense. Em seguida, se transferiu se transferiu para Turquia, onde vestiu a camisa do Kasimpaşa de 2012 a 2013. O atacante chegou ao Godoy Cruz em 2016 e, com a rápida quantidade de gols marcados, conquistou os torcedores.

[2] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de Direito do Trabalho Desportivo, 3ªedição – LTr 2020. p. 344.

[3] ABREU, Fernanda Moreira – Depressão como doença do trabalho e suas repercussões jurídicas – LTR – São Paulo : 2005, 1ª edição, P. 25.

[4] Disponível em: http://oglobo.globo.com/esportes/um-terco-dos-jogadores-de-futebol-sofre-de-depressao-17698576 – acesso em 01/02/016.

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