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Desafios Jurídicos e Tributários para a Regulamentação do Fantasy no Brasil

O Fantasy Sport, uma competição virtual onde os jogadores montam equipes fictícias com base no desempenho real de atletas, é reconhecido como um jogo de habilidade, no qual estratégia e análise são fundamentais para o sucesso. A Lei nº 14.790/2023 classifica o Fantasy como esporte eletrônico, diferenciando-o das apostas esportivas e jogos de azar, categorias nas quais a sorte predomina. Essa distinção é essencial para evitar o enquadramento equivocado em regimes jurídicos inadequados.

  1. Diferença entre Fantasy Sport e Apostas Esportivas

Embora Fantasy Sport e apostas esportivas compartilhem uma base em eventos esportivos reais, há diferenças fundamentais. No Fantasy, a habilidade de análise do jogador é crucial: é necessário escolher os melhores atletas virtuais, considerando desempenho histórico, lesões e outros fatores. Nas apostas, o ganho depende de prever um resultado, o que pode ocorrer sem estratégia ou conhecimento aprofundado, sendo em grande parte determinada pela sorte.

Além disso, enquanto as apostas esportivas são consideradas loterias, o Fantasy Sport é uma atividade privada, com características semelhantes a um esporte. O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024, entretanto, incluiu o Fantasy no mesmo regime tributário das apostas, submetendo-o ao Imposto Seletivo (IS). Isso resulta em uma classificação errônea e cria um desafio regulatório significativo.

  1. Implicações da Reforma Tributária e a Aplicação do IS

A Emenda Constitucional 132/2023, ao simplificar o sistema tributário, introduziu o Imposto Seletivo (IS) sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao ambiente. Embora as apostas esportivas possam se encaixar nesse critério, o Fantasy Sport, um jogo de habilidade, não gera os mesmos impactos. A natureza digital do Fantasy, sem vínculos diretos com produção de resíduos ou consumo de recursos naturais, não justifica sua inclusão no regime de IS. Ainda, sua baixa frequência de uso reduz o potencial de vício, segundo estudo da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS) em parceria com a SOS Jogador, que concluiu que a atividade tem impacto limitado na saúde pública.

Por isso, a incidência do IS sobre o Fantasy não atende ao requisito constitucional de danos à saúde ou ao meio ambiente. O Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou que a ausência desse critério torna a tributação inconstitucional, como no caso de contribuições de melhoria que exigem valorização do imóvel para serem aplicadas.[1] Assim, estender o IS ao Fantasy ignora sua natureza e pode violar o princípio da legalidade tributária.

[1] “Recapeamento asfaltico. Não obstante alterada a redação do inciso II do art. 18 pela Emenda Constitucional n. 23/83, a valorização imobiliaria decorrente de obra pública – requisito insito a contribuição de melhoria – persiste como fato gerador dessa espécie tributaria. Hipótese de recapeamento de via pública ja asfaltada: simples serviço de manutenção e conservação qu e não acarreta valorização do imóvel, não rendendo ensejo a imposição desse tributo.” (RE 115863, Relator(a): CÉLIO BORJA, Segunda Turma, julgado em 29-10-1991, DJ 08-05-1992 PP-06268 EMENT VOL-01660-03 PP-00520 RTJ VOL-00138-02 PP-00600)

  1. Principais Argumentos para a Exclusão do IS

a) Natureza do Jogo: O Fantasy envolve habilidade e estratégia, fatores que o afastam dos jogos de azar, cujos resultados dependem majoritariamente da sorte. Os jogadores utilizam análise estatística e conhecimento esportivo para obter resultados, o que difere de apostas em eventos isolados e imprevisíveis.

b) Premiações e Competição: No Fantasy Sport, as recompensas são pré-definidas e não variam segundo o número de competidores, ao contrário das apostas, onde a premiação se ajusta conforme o número de participantes e as probabilidades calculadas pelos operadores. Além disso, no Fantasy, a competição é entre os próprios jogadores, e não entre o apostador e a casa de apostas.

c) Impacto na Saúde e no Ambiente: Sendo uma atividade digital, o Fantasy não causa impacto ambiental. Além disso, com competições vinculadas a eventos esportivos reais, a prática ocorre em uma frequência limitada, o que reduz a probabilidade de desenvolvimento de vícios, diferenciando-o de outras modalidades de jogo com alta reincidência.

d) Princípio da Legalidade: O PLP 68/2024 considera o Fantasy como um “concurso de prognóstico” para incluir a modalidade no regime do IS, embora a legislação vigente, como o artigo 49 da Lei 14.790/23, o defina como esporte eletrônico. Isso implica que a tentativa de enquadramento do Fantasy no IS desconsidera definições legais já estabelecidas e viola o artigo 110 do Código Tributário Nacional, que impede alterações no conceito de institutos do Direito Privado pela legislação tributária.

e) Natureza Extrafiscal do IS: O IS foi criado para corrigir distorções de consumo associadas a bens e serviços prejudiciais, não para gerar arrecadação tributária. A aplicação ao Fantasy, uma atividade que não causa danos, sugere um viés arrecadatório incompatível com sua função extrafiscal.

  1. Recomendação de Regulamentação Adequada

Diante desses pontos, o mais adequado é que o Fantasy seja excluído do regime de prognósticos e do IS, mantendo sua classificação como esporte eletrônico. Isso evitaria a criação de barreiras fiscais que não correspondem aos riscos da atividade, evitando precedentes perigosos no uso de impostos extrafiscais para fins arrecadatórios.

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