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Desaparelhamento do esporte nacional

Nos termos do artigo 217 da Constituição Federal de 1988, “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais”.

Mesmo havendo o compromisso constitucional de que o Estado assuma um protagonismo quanto ao incentivo à prática esportiva no país, nos deparamos com o recente desaparelhamento da Secretaria Especial de Esporte noticiado pelo Blog Olhar Olímpico  https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2020/09/09/secretaria-de-esporte-entra-em-crise-apos-saida-de-600-terceirizados.htm .

Segundo a matéria, na última semana, houve o desligamento simultâneo de cerca de 600 funcionários terceirizados que exerciam funções na mencionada secretaria do Ministério da Cidadania.

Fato é que esse desmonte do esporte nacional já era esperado desde 2018, quando a equipe do presidente Jair Bolsonaro anunciou a extinção de 14 ministérios, dentre os quais o do Esporte, existente desde 1995.

Naquela oportunidade, se discutiu a queda do status do esporte justamente após a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio2016 e o fato de que, deixando de ser ministério, perdia benefícios como orçamento e corpo técnico próprios e caía na vala comum das negociações políticas dentro de um super ministério com tantas competências como é o da Cidadania.

De fato, a transformação dos órgãos do governo federal, de onde emergiu a Secretaria Especial de Esporte, como parte do novel Ministério da Cidadania, parecia mesmo o desenho de uma crise sem precedentes para o esporte, que esmagado pelos antigos e também suprimidos Ministérios do Desenvolvimento Social, da Cultura e do Trabalho, perdeu o destaque recebido desde o governo Fernando Henrique Cardoso, onde nasceu sob o rebuscado nome de Ministério Extraordinário do Esporte e contou com Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, como ministro.

Fosse no mundo corporativo, um turnover (rotatividade de colaboradores) assim tão elevado – “cerca de 2/3 das pessoas que trabalhavam na pasta foram desligadas”, segundo a matéria jornalística – seria obviamente um indicador de baixo desempenho, por representar perdas consideráveis a qualquer organização: perda de talentos para a concorrência, sobrecarga de trabalho para os profissionais que ficam, desequilíbrio em seu clima organizacional, os custos elevados com as rescisões e com as novas contratações, sem contar o surgimento de um  possível passivo trabalhista, além de um possível descrédito da marca e da perda de competitividade no mercado.

Mas, em se tratando de um órgão público, a justificativa comum é a mera aplicação do princípio da austeridade sobre os gastos sociais, sem se computar, no entanto, seus funestos efeitos.

No caso do esporte olímpico, que já sofre para finalizar com retidão o Ciclo Olímpico de Tóquio, restam mais questionamentos que respostas: projetos de lei de incentivo deixarão de ser analisados? Setores que concedem as bolsas aos atletas realizarão suas tarefas a contento? A certificação anual das entidades, a cargo da Secretaria de Esporte, quanto ao cumprimento dos artigos 18 e 18-A da Lei Federal nº 9.615/98, serão realizadas tempestivamente?

Fato é que, por vias transversas, a postura do atual governo robustece a defesa da autonomia desportiva festejada nos artigos 217, inciso I da Carta Magna e no 2º, inciso II da Lei nº 9.615/98, mais um motivo pelo qual não deve sofrer interpretações que a deformem ou suplantem.

Ainda que essencialmente privado quanto à sua organização e funcionamento, o esporte, na forma como garantido pela legislação brasileira, ainda requer políticas públicas que garantam resultados para a ampla maioria dos cidadãos, sob pena de ser declarada pelos órgãos de controle externo e pela sociedade sua total incapacidade em garantir os comandos constitucionais.

Resta a esperança de dias melhores para o esporte nacional.

……….

*Dedico a coluna de hoje às advogadas Christiane D´elia, Leila Barreto e Márcia Santos da Silva que, após tantas ideias compartilhadas, me inspiraram a pensar o Direito e a vida.

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