John Textor, empresário americano dono da SAF Botafogo/RJ poderá ser punido por alegações que envolvem grandes clubes paulistas em envolvimento de manipulação de resultado, caso não apresente provas formais do que afirma.
Caso reste comprovado que não houve manipulação de resultados, podem ter desdobramentos nas esferas cíveis, criminais e desportiva.
O ponto de partida para se analisar a repercussão jurídica do que foi afirmado pelo empresário que comanda a SAF do Botafogo começa pela tipificação dos crimes contra a incerteza do resultado esportivo, o qual já havia previsão no revogado Estatuto do Torcedor, e agora consta expresso no art. 198 e seguintes da nova Lei Geral do Esporte.
Vale mencionar que o Código Brasileiro de Justiça Desportiva possui, em seu art. 84, a possibilidade de pedido de impugnação da partida, tendo legitimidade pessoas jurídica ou natural que tenham imediato e comprovado interesse no resultado. Assim, há instrumento e forma própria prevista no CBJD os quais Textor poderia se valer para comprovar o que alega, sem incorrer em atos ilícitos na forma de declarar os supostos fatos.
Ainda sob o aspecto desportivo, o CBJD prevê no art. 221 que dar causa, por erro grosseiro ou sentimento pessoal, à instauração de inquérito ou processo na Justiça Desportiva pode ensejar em punição de suspensão de quinze a trezentos e sessenta dias e multa de R$ 100,00 a R$ 100.000,00.
O que se sabe, também, que a partir do que foi falado por John Textor, a Justiça Desportiva determinou um prazo para apresentação de provas para apurar a materialidade infracional do que foi mencionado. Nesse caso, em não sendo cumprida a referida determinação, o americano pode ser suspenso automaticamente, até o cumprimento da determinação, podendo ainda ser punido por 90 a 360 dias, ou até eliminado, caso haja reincidência desta infração.
Na esfera cível, pode incidir a responsabilização civil, incluindo danos morais, com base no preceito estabelecido no art. 927 do Código Civil. Assim, aquele que causar dano a alguém por ato ilícito, fica obrigado a reparação correspondente, sendo este ato ilícito especificado no art. 186 do mesmo código.
No âmbito criminal, os fatos em questão alegados por John Textor são definidos como crime, muito embora a divisão doutrinária acerca de pessoa jurídica poder ser vítima do crime de calúnia. Em síntese, calúnia é um crime que compreende na imputação falsa de um fato criminoso. Apesar de constitucionalmente previsto a responsabilidade penal em crimes contra a ordem econômica e financeira, econômica popular e o meio ambiente, discute-se e indaga-se se o clube ofendido, poderia figurar como sujeito passivo do crime de calúnia, por tratar-se de pessoa jurídica.
Por outro lado, evidente que se comprovada a materialidade dos fatos alegados por Textor, haverá a devida atuação dos órgãos competentes para apuração e punição dos envolvidos em manipulação de resultados.
Importante esclarecer, ainda, que as declarações do dono da SAF do Botafogo,
possuem teor de substancial importância e não foram ignoradas pela Justiça Desportiva, mas a mera afirmação não possui condão de ensejar uma denúncia, mas tao somente uma instauração de inquérito para apurar os fatos imputados em sua fala. Tanto assim, que o tribunal desportivo se movimentou, instaurou um inquérito onde determinou que Textor apresentasse provas a respeito do que foi citado.
Isso porque, as meras alegações não possuem força probatória e não há qualquer validade jurídica para embasar uma acusação formal, que corresponde à denúncia, justamente por isso se determinou através deste inquérito a apresentação de documentos e outros materiais com informações cabais que possam demonstrar um mínimo de indícios de verdade no que foi alegado, para então, se instaurar uma investigação, tanto na esfera desportiva, como na criminal.
Nada substancial foi apresentado até o momento, ao menos do que consta publicamente. Ainda assim, em vista à buscar mais elementos para além das alegações de Textor, a Procuradoria da Justiça Desportiva possui competência de prosseguir com o inquérito dentro das questões alegadas pelo dirigente, ainda que por outros meios que não dependam dele, através do avanço investigações. Contudo, com o que se tem até o momento, não há elementos suficientes para oferecimento de uma denúncia.
Outro desdobramento que decorreu das alegações de John Textor foi o seu chamamento para depor na CPI instaurada para investigar casos de manipulação de resultado no futebol. A esse respeito, importante contextualizar que
caso os fatos declarados por Textor sejam verdadeiros, representaria mais um imenso desastre no esporte.
Isso dado que há uma desvalorização expressiva no esporte sob a ótica ética e comercial, se considerar o esporte como um produto onde não conta com a devida credibilidade, ou que não esteja permeado pela integridade que garante a imprevisibilidade nos resultados.
Em outras palavras, se retira do esporte a sua essência e melhor característica que é a incerteza do resultado esportivo, disputado por meio de jogo limpo, com regras e organização pautada na integridade e ética esportiva.
Além disso, a regularização das apostas esportivas vem sendo um tema de substancial relevância, seja pelo montante que engloba, e que pode ser revertido tributariamente em favor do país, seja pelos pontos sensíveis que atinge, como a integridade esportiva, a lisura das competições, quem pode jogar, o que pode ser apostado, como se mapear o mercado cinza, como canalizar os apostadores para o mercado regulamentado brasileiro. São diversas demandas a serem respondidas, um trabalhoso desafio para ser resolvido em prol do esporte e da sociedade.
Portanto, macular a integridade e desvirtuar a imprevisibilidade do resultado esportivo envolvem questões de ordem pública, além de representar um revés para toda sociedade em um país em que o futebol é tão difundido.
Com isso, pode-se afirmar que é razoável a oitiva de alguém que levanta publicamente tais afirmações, e coaduna com o objetivo da CPI que é responsabilizar quem de direito estiver contrário às previsões legais que visam assegurar a integridade esportiva.
Por fim, considerando haver fundamento fático e jurídico nas alegações de Textor, a partir de indícios de materialidade delitiva, o caminho para apreciação e respectiva responsabilização dos envolvidos deverá observar as regras desportivas.
Para questões relativas à disciplina esportiva e competições, a competência da justiça desportiva é soberana. Primeiro, deve-se apurar dentro da justiça desportiva se de fato houve ou não prática de manipulação de resultados.
Juridicamente, o caminho correto a ser seguido por Textor seria apresentar uma notícia de infração, conforme previsão do art. 74 do CBJD, o que conduziria a análise meritória da Procuradoria para dar sequência ao caso, a partir da análise dos documentos, e das respectivas materialidades infracionais e indícios de autoria.
Em uma hipotética decisão condenatória proferida pela Justiça Desportiva, cabe recurso para esta própria, sendo a justiça comum competente somente se houver prescrição, conforme previsão constitucional.
A partir da condenação final e definitiva da Justiça Desportiva, pode-se iniciar adicionalmente o processo criminal e cível para as demais responsabilizações, tendo em vista ser crime previsto na Lei Geral do Esporte.
Vale esclarecer que nesse caso, ainda que a justiça comum atue para apurar e julgar o crime contra a incerteza do resultado esportivo, esta não possui competente para desfazer a decisão da justiça desportiva.
Por fim, importante mencionar que se John Textor não comprovar as acusações feitas e for condenado pela Justiça Desportiva, a punição incidirá com eficácia imediata em território brasileiro, podendo a CBF reportar a decisão para o Comitê Disciplinar da FIFA e requerer a aplicação global dos efeitos da condenação. Não obstante inexistir previsão especifica no CBJD a respeito, a extensão dos efeitos da sanção para esfera global possui previsão no código disciplinar da FIFA (art 70) e no art 12.2 do RSTP da FIFA, que ao contrário do que estabelece o art 174 do CBJD, o qual determina a suspensão da aplicação da pena caso o atleta, punido no Brasil, passe a jogar no exterior, tenha a eficácia da sanção estendida para a nova associação estrangeira que esteja filiado o clube que vincule o atleta, desde que cumpra os requisitos do citado artigo quanto ao mínimo de sanção imposta.
Crédito imagem: Botafogo/Divulgação
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