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“Desempregados Futebol Clube”

Na efervescência das transferências, entre dezenas de atletas e alguns milhões de dólares, a impressão é de que os bolsos dos calções no futebol profissional estão cada vez mais cheios. Envolvendo os brasileiros, contratações celebradas na liberdade de ir e vir. Me lembrei de uma história. Em 2001, a Lei Pelé completava três anos desde a aprovação e o fim do curto período de transição entre o jogador com dono e o passe livre. Como tudo que muda de repente, e que, no caso dela, muda muita coisa, falava-se um bocado sobre como seria o novo mundo do futebol. Era o começo de uma nova era para as transferências. O fim do passe. Salários mínimos. Seguros contra acidente de trabalho. Ferias. Décimo terceiro. FGTS. Todo o pacote do trabalho tinha finalmente chegado ao jogador. E isso causava comoção.

Na discussão sobre os artigos, incisos e alíneas da mudança, o debate corria entre a necessidade de proteção dos clubes brasileiros que haveriam de ver seus atletas cruzando o atlântico em busca de maiores salários, e o direito destes últimos de fazê-lo. Tudo muito acadêmico. Jurídico. Legal. O suficiente pra fazer com que a Zero Hora publicasse uma série de reportagens sobre aqueles para os quais não tinha “antes” ou “depois da Lei Pelé”. Pra isso, era preciso estar empregados. Na série que batizou de “Desempregados futebol clube”, dizia que a Lei Pelé era como um debate longínquo, de magistrados, cujo eco nunca chegaria no cotidiano da parte pobre e majoritária do futebol. Com razão.

A extinção do passe não era algo de se ignorar, é verdade. A imposição de um salário mínimo (que agora tinha que estar na carteira) também não. Mas o fato é que essa coisa toda ainda aproveitava a pouca gente. Por causa de três probleminhas: falta de time, de estádio e de dinheiro. Como numa conversa entre milionários e ricos, que para os pobres não afeta nem mais nem menos, disseram que, dos 22 mil atletas registrados na CBF, só mil trabalhavam o ano todo.

“Coisa mais triste acordar de manhã e ter que correr sozinho.” Isso quem disse foi o Odair, depois que ouviu do outro lado da linha o dirigente do Inter dizer “tu não serve mais”. A explicação podia ser a lesão que veio no final do empréstimo pro Fluminense. Um estiramento mal sarado. De capitão dos juniores da seleção pro time do Desempregados F.C. Na esperança de voltar a jogar, acordava cedo pra correr em volta do campinho da região. Ainda era melhor que muita gente, que, na falta de um, subia e descia a avenida contando os postes. Caso do Claudiomiro. Trabalhava três meses por ano durante o estadual, e depois se virava de chapeador pra pagar as contas. Pra família era um alívio. No futebol, os três meses de anotação na carteira (que a Lei Pelé mandou fazer) não eram dinheiro no banco. Contou que uma vez pagaram o salário em rifa, pra ele vender.  Depois do estadual, o clube fechou as portas. Dariam nove meses até o campeonato começar de novo. Histórias lá de trás. Anos depois, a conta ainda é a mesma. Entre o destino sem glória e a fama épica, são muitos os jogadores, e só 11 as camisas.

Referências

11 gols de placa: uma seleção de grandes reportagens sobre o nosso futebol/organização Fernando Molica.

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