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Desfutebolizar é preciso

– Homenagem ao professor Álvaro Melo Filho –

No Brasil, todo aquele que se inicia no estudo da legislação esportiva, se depara com a realidade estranha de encontrar leis esportivas que falam diretamente ao futebol, mas que trazem escassas referências a outras realidades esportivas.

De tal modo, é um enorme alento para todo o pensador dos fenômenos olímpicos no Brasil encontrar referências doutrinárias que defendam a necessidade de pensar o Direito para além do futebol.

Apesar de ter encontrado alívio em outros doutrinadores, como Valed Perry em sua “Crônica de uma certa Lei do Desporto” e Manoel Tubino no clássico “500 anos de Legislação Esportiva Brasileira”, foi com o professor Álvaro Melo Filho que dei nome à minha angústia legislativa e encontrei as ferramentas que me ajudaram a realizar o correto advocacy dessa causa: desfutebolizar a lei brasileira.

Desfutebolizar a lei seria trazer para a regra a objetividade e a exatidão esperadas por nós operadores do Direito, a correta descrição dos fatos sociais: muito embora os legisladores tenham cogitado apenas o futebol como expressão da prática esportiva, fato é que existem muitos outros esportes que merecem previsão legislativa e, portanto, a segurança jurídica pretendida para o futebol.

“Não existe lei do futebol. É necessário ter a lei geral de desporto”, nos ensinou o Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e Livre-Docência em Direito Desportivo pela Universidade Federal do Ceará.

Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo, do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo como Presidente de Honra, além de diretor da centenária Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, por dois mandatos, o professor Álvaro Melo Filho nos deixou em 6 de agosto de 2019 e, mesmo quando pretendia comunicar os temas relativos ao futebol, nos dava as oportunidades necessárias para pensar corretamente os demais esportes. Como ao citar a criação da Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut), exemplo que, na opinião do professor, demonstrava a “futebolização das normas”: “Não é Probasquete, não é Provolei, assim como não é Aptenis, Aphandebol”, zombava.

Tive a honra de participar de duas iniciativas de construção colaborativa que muito me orgulham, notadamente pela oportunidade de estar ao lado desse mestre, quais sejam as Comissões de Estudos Jurídicos do antigo Ministério do Esporte e da Comissão de Juristas do Senado Federal que elaborou o anteprojeto que deu origem ao PLS 68/2017 e à PEC 9/2017, ainda em tramitação. Desses encontros, lembro com carinho das ocasiões em que o professor Álvaro usava a palavra e, sem pretender protagonismo, compartilhava conhecimentos e vivências e confirmava com gestos as opiniões com as quais comungava, enquanto ouvia a todos cuidadosamente.

Mais do que a prática da boa e velha educação que facilita os relacionamentos, a postura do professor nos dava lições constantes da fidalguia que só se observa nos melhores e mais raros mestres, fosse ao defender o direito de um colega apresentar sua posição, mesmo divergente da maioria ou quando indicava a leitura de autores que discordavam das suas posições.

Dizem que cultura é o que fica, mesmo depois que pensamos ter esquecido tudo o que nos foi ensinado. Desse modo, devo ao professor Álvaro Melo Filho as generosas lições sobre Direito Esportivo e convivência cordial que trago sempre comigo: referência quando o assunto é legislação esportiva, nos deixa a saudade de uma escuta generosa e do seu tom conciliador, além da certeza de que está vivo em seus livros e demais escritos e no que representou para a realidade esportiva nacional.

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