Na passada sexta-feira, dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher, foi noticiado o seguinte: “Seleção feminina dos Estados Unidos processa federação por ‘discriminação salarial’”, esclarecendo-se que “Jogadoras dizem ser obrigadas a disputar mais jogos que atletas da seleção masculina e que, apesar de ganharem mais jogos, continuam a receber salários mais baixos do que os homens”.
Essa notícia me deu o mote para lembrar aqui uma questão há muito aflorada: a discrepância existente em Portugal no nível dos prêmios monetários que são atribuídos às mulheres desportistas, quando comparados com os montantes pagos aos praticantes desportivos masculinos – cenário com réplicas noutros países, diga-se.
Existe, de fato, uma tendência para se atribuir às mulheres prêmios (substancialmente) inferiores aos dos homens, matéria que em 2012 chegou a ser objeto de uma Resolução da Assembleia da República, recomendando ao governo que “[a]dote todas as medidas necessárias à eliminação das desigualdades nos prêmios desportivos (gender gap)”, no contexto da “tomada de medidas de combate às discriminações entre mulheres e homens nas competições desportivas” (Resolução da Assembleia da República n.º 80/2010).
Não me refiro em particular à consagração legal dos “prêmios de mérito desportivo” – essa matéria está coberta por uma portaria, de 2014, que não distingue homens de mulheres quanto aos “(…) resultados desportivos a considerar, o montante e os termos da atribuição de prêmios em reconhecimento do valor e mérito de êxitos desportivos”. Refiro-me, outrossim, a múltiplas provas que se realizam pelo país fora em que, por idêntica prestação/exigência desportiva, se paga mais ao homem do que à mulher: o homem recebe mais “prize money” do que a mulher pela participação; o homem recebe mais do que a mulher pela vitória; um terceiro lugar feminino na competição X para mulheres vale menos monetariamente do que o terceiro lugar masculino na mesma competição X mas para homens.
Há diversos fundamentos legislativos que concorrem na defesa da igualdade entre homens e mulheres no desporto, designadamente em sede de prêmios desportivos, muito em especial os seguintes:
a) De acordo com o artigo 79º da Constituição da República Portuguesa, todos os cidadãos têm direito ao desporto, devendo-se, também nesse âmbito, assegurar a aplicação do princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, também ínsito na nossa Lei Fundamental, concretamente no artigo 13º, e bem assim no artigo 2º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (LBAFD);
b) Nos termos do artigo 2º, n.º 2 da LBAFD, “[a] atividade física e o desporto devem contribuir para a promoção de uma situação equilibrada e não discriminatória entre homens e mulheres”.
Assim se explica o V Plano Nacional para a igualdade de gênero, cidadania e não discriminação, que o governo aprovou para o horizonte temporal 2014-2017, em que se afirma que “(…) a atividade desportiva pode constituir-se como uma aposta de elevado valor estratégico para a construção de uma sociedade pluralista, participativa e igualitária” e se define como objetivo a “eliminação da segregação do gênero na prática das modalidades desportivas” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2013, de 31 de dezembro; Área Estratégica 2 – Promoção de Igualdade entre Mulheres e Homens nas Políticas Públicas).
E é também por esses motivos que legalmente se atribui à Administração Pública Desportiva responsabilidades nesse domínio: de acordo com os Estatutos do Instituto Português do Desporto e Juventude (I.P.), aprovados por portaria, compete ao Departamento de Desporto daquele instituto “estimular e apoiar a execução de projetos que tenham como finalidade o reforço da participação das mulheres (…) na prática do desporto”.
Admito que alguns dirão que homens e mulheres no desporto são realidades desportivas e sociais bem diferenciadas, pelo que, na prática, não existe um benefício ou privilégio dos homens nem um correlativo prejuízo das mulheres, ou seja, tratando-se o desigual na medida da desigualdade não existe desrespeito, pelo princípio constitucional da igualdade.
Parece-me, no entanto, que, cada vez mais, a realidade demonstra o contrário, ao ponto de, como vimos, o legislador identificar e referenciar a existência de discriminações injustificadas, e, coerente e sequencialmente, tentar desenhar meios legais e institucionais de combater essa realidade.
Quanto mais perpetuarmos a diferença de tratamento entre homens e mulheres num regulamento de prova/competição, mais eternizamos a discriminação, a segregação e o desequilíbrio entre os dois sexos, desmotivando as mulheres na participação desportiva e, quando esta existe, na motivação pela luta pelos lugares cimeiros. Ora, isso é precisamente o contrário da ratio dos instrumentos legislativos existentes acima referidos.
Por conseguinte, convirá que as mulheres desportistas que sejam e se se sintam lesadas impugnem determinadas normas de regulamentos de provas/competições, tentando obter dos tribunais a declaração de nulidade dessas normas, por inconstitucionais e ilegais. Se e quando se consolidar uma jurisprudência consistente nessa matéria, o caminho será como outros trilhos civilizacionais que aproximaram a mulher do homem, na sociedade como no desporto. Vamos a isso?