No campo, a capitã liderava a sua esquadra rumo à conquista do território em disputa. Não haveria de fazer tudo sozinha, claro. Ao seu lado aquelas que aguardavam os sinais ao longo do trajeto certeiro por onde a bola haveria de caminhar, de pé em pé, no espaço que se estreitaria até a linha do gol. Centímetro por centímetro, a dez e faixa já havia estudado as particularidades da grama a ser duramente tomada até a baliza oposta. Não sendo o caso de se beneficiarem de uma avenida do lado de lá, porquanto, claro, se tratava de fortes adversárias, o planejamento exigia encontrar onde estaria a passagem que dava caminho até a glória. Tinha que ser um dia de glória. Mais um, entre tantos já vividos até ali. Era tanto o querer, que a ideia de lhe interromperem a jornada não tinha lugar na cabeça.
Passada a análise inicial, a etapa seguinte sabia a capitã ser de igual seriedade. Após o rabiscar entre um lado e outro à procura de espaços, seria preciso aproveitá-los ao consegui-los. Por isso, também se preparara para arquitetar como haveriam de superar a muralha que encontrariam meticulosamente plantada debaixo das traves. Entre tantas dúvidas quantas sejam possíveis de existir em uma partida de futebol, uma coisa era certa: ainda que chegadas em excelente condição até a cobiçada entrada da área, a baliza não as esperaria ostentando um imenso vazio. Estaria prontamente armada, com seu também fiel pelotão. A capitã sabia. A bola não haveria de se fazer entrar sozinha. Não bastasse o quanto torcessem por qualquer deslize, qualquer um mesmo, monumental ou de menor monta, daquelas que tinham por dever afastar a redonda dali, toda ação coordenada só terminaria em êxito caso o empurrão linha adentro fosse cirúrgico. Preciso. Mortal.
Começado o jogo, há coisas que pouca gente sabe. Diferente das ciências exatas que acompanham os scouts e as análises de desempenho, em dado momento já não se pode prever o funcionamento dos próprios órgãos. Quando eles brincam de trocar de lugar, as pernas passam a ser coordenadas por aquele que comanda o sentimento, e não os impulsos. Porque seus tantos anos de campo lhe permitiam saber disso, ela havia tratado de passar às outras orientações sobre o que aconteceria a respeito, quando a hora chegasse. Pra que não se assustasse com o ocorrido quem lhe ouvia e seguia. Disse a elas que seria preciso confiarem que de sentimento também surgem os movimentos, apesar de os cientistas dizerem o contrário. Isso, até certa altura, avisou ela. Acontece pouco antes de as pernas que se tem certeza estar movimentando entrarem, de vez, em greve. Pelo maltrato, se negam a responder mesmo ao mais profundo ímpeto de vontade. Como se as conexões a que os membros têm a obrigação de obedecer fossem enfraquecendo pouco a pouco, muito a muito, até desaparecerem. Seria preciso se prepararem também pro momento em que o coração ainda bate forte pelo querer, mas o sangue insiste em não chegar.
Com um gol atrás no placar, essa é a hora do “e se”. E se isso, e se aquilo outro, vão dizer na tentativa de tapear o tempo e reescrever os lances torturantes vividos nesses minutos. Em vão. Porque o jogo não respeita outro resultado que não seja o dele. Por mais que a gente queira o contrário. E essa é a dura beleza do imprevisível que nos sustenta vidrados ao longo de (talvez mais de) noventa minutos. Ainda assim, de pé, a capitã vê as suas teimarem contra as probabilidades, o cansaço, e a dor. Perderiam, mas não por falta de entrega. Também disso ela sabia. Se o perder é parte indissociável do ganhar e a derrota acontece tanto quanto a vitória, é preciso, vez ou outra, provar do seu amargor. Pra rever. Pra crescer. Pra querer de novo.
Por isso, chegado o momento, escolheu cuidadosamente as palavras que iriam marcar pra sempre a eliminação. Curioso ou não, tinham algo que ver com tudo isso. E, assim, com todas elas. E com todas que estavam por elas. Se, como disseram uma vez, o futebol é o espelho do mundo, somos quem escuta as suas vozes. E, uma vez ouvidas, quem vai contar pros outros o que foi, o que é, e o que será.