“Se há uma lição que podemos aprender com a luta contra o racismo, tanto em nosso país como no seu, é que o racismo precisa ser conscientemente combatido, e não discretamente tolerado”
A frase de Nelson Mandela, líder sul-africano perseguido por brancos e que se tornou presidente da África do Sul precisa ser repetida e entendida. A luta contra o preconceito exige uma atitude ativa de todos, inclusive do esporte.
Dados do Observatório do Racismo no Futebol, do meu amigo Marcelo Carvalho, mostram que o racismo continua presente no futebol brasileiro. O relatório sobre 2023 aponta um crescimento de 40% em relação a 2022. Marcelo acredita que “os números mostram que jogadores e torcidas estão mais atentas aos casos de racismo. Antes, a gente silenciava. Agora, temos voz”. Ou seja, as pessoas estão denunciando mais.
Mesmo assim, o ambiente está (bem) longe da civilidade. No Brasil, nos estádios sul-americanos e do mundo se repetem cenas de preconceito contra negros, gays, mulheres e minorias religiosas.
O preconceito vive e o futebol caminha a passos lentos para combatê-lo.
A luta contra o racismo no futebol é recente. Só para lembrar alguns fatos: a política de direitos humanos da FIFA é de 2017, o primeiro seminário contra o racismo da CBF é de 2023 e quase nenhum time foi punido com rigor por conduta preconceituosa da própria torcida.
São avanços, claro, mas que aconteceram pelo que Mandela ensinou: racismo precisa ser combatido, não discretamente tolerado. Foi isso que atletas, coletivos globais de direitos humanos, sociedade e mídia cobraram do movimento esportivo, que começou a agir.
Nesta terça (19) (estrategicamente véspera do dia da Consciência Negra), a CBF começou a implantar o “Protocolo dos Braços Cruzados”. O protocolo prevê que os jogadores devem cruzar as mãos na altura dos pulsos para sinalizar ao árbitro que foram alvo de insultos racistas.
A CBF segue uma recomendação da FIFA, que a Conmebol também passou a adotar nas fases finais da Libertadores e Sul-ameircana. A medida é novo avanço, mas ela precisa ser efetiva para que se possa comemorar.
A FIFA abraçar esse debate e a CBF seguir essa política nada mais é do que entender o compromisso que o esporte tem. Até acho que as duas entidades estão atrasadas na luta contra o racismo, mas antes tarde do que mais tarde. Afinal, estamos falando de algo óbvio e básico. O racismo é um crime inafiançável, uma violação de direitos humanos que destrói a estrutura de uma sociedade democrática
A FIFA sugeriu neste ano, inclusive, mudança nos Códigos Disciplinares, colocando a perda de pontos em manifestações preconceituosas graves. Esse passo ainda não foi dado. Sem cobrança forte e coletiva, dificilmente será.
Sugeriu depois que Vini Jr levantou os braços contra o racismo, usando o talento, o nome e a força que tem para combater o preconceito. Isso gerou irritação e provocou transformações efetivas, já que tiveram o apoio de grande parte da sociedade.
Assim como essa orientação da FIFA – que ainda não passou do discurso, a Espanha puniu pela primeira vez por crime de ódio ( na Espanha racismo não é crime) torcedores que ofenderam Vini Jr durante um jogo do Campeonato Espanhol. Dois anos de cadeia.
Essa é uma medida efetiva. Os braços cruzados e a orientação da FIFA pela perda de pontos em manifestações preconceituosas ainda não são efetivas.
Assim como os tribunais esportivos precisam ter uma conduta efetiva de combate ao preconceito, não sendo “discretamente tolerantes” a esses crimes.
Futebol tem compromisso com Direitos Humanos
O movimento jurídico do esporte precisa lembrar disso, sempre. Na proteção de direitos humanos, os julgadores do movimento esportivo devem ir além do regulamento de uma entidade. Eles podem, inclusive, buscar o que prevê o estatuto da entidade-mor do futebol mundial.
Para lembrar:
O art. 3, traz o compromisso de que a “FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos”.
Em 2019, o Código Disciplinar da FIFA se posicionou de maneira firme, apresentando caminho para punições à violação de Direitos Humanos, como injúria racial e homofobia. E previa penas duras.
Diz o art 13, em tradução livre:
13 Discriminação – Qualquer pessoa que ofenda a dignidade ou integridade de um país, uma pessoa ou grupo de pessoas por meio de palavras ou ações desdenhosas, discriminatórias ou depreciativas (por qualquer meio) em razão da raça, cor da pele, etnia, nacional ou social origem, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição ou qualquer outro motivo, serão punidos com uma suspensão de pelo menos dez jogos ou um período específico, ou qualquer outra medida disciplinar apropriada .
Lembrando que todos que fazem parte da cadeia associativa do futebol e aderem às regras da Fifa.
Postura ativa do esporte
Mas além dos regramentos esportivos, é importante lembrar que o direito vai muito além daquilo que está tipificado de maneira geral e abstrata. No caso concreto, princípios, direitos humanos e peculiaridades precisam ser analisados.
Esporte não se separa do direito, nem da proteção de direitos humanos. Existe caminho para se punir o preconceito. Além de campanhas que conscientizam, é preciso punir. A força coercitiva do direito também tem papel educativo.
A verdade é que o mundo não aceita mais apenas uma conduta passiva de respeito aos direitos humanos, é preciso uma conduta ativa, de combate ao preconceito.
Afinal, direitos humanos vão além de políticas. Eles precisam ser práticas permanentes.
Sim, estamos avançando, mas dá para acelerar o ritmo.
Neste dia 20, é preciso lembrar de Mandela: “o racismo precisa ser conscientemente combatido, e não discretamente tolerado”
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