Search
Close this search box.

Dia Mundial Contra Trabalho Infantil. E como fica o esporte?

“Olha aí/ olha aí/ olha aí/ ai o meu guri/ olha aí/ olha aí/ é o meu guri/ e ele chega/ chega suado e veloz do batente/ e traz sempre um presente pra me encabular. Boto ele no colo pra ele me ninar/ de repente acordo/ olho pro lado/ e o danado já foi trabalhar, olha aí.” Nesta quarta-feira (12) é comemorado o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil. Mas em 1981, Chico Buarque já alertava para o fato de crianças estarem trabalhando tão precocemente no Brasil. De lá para cá, pouca coisa mudou. A última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) mostra que esse problema social atinge mais de 2,7 milhões de crianças brasileiras entre 5 e 12 anos.

Porém, quando o assunto é o esporte, a questão fica ainda mais complexa, porque, para que o garoto e a garota consigam realizar o sonho de viver profissionalmente em alto rendimento, é preciso que desde cedo treinem com afinco para conseguir ultrapassar o limite entre o sonho e a realização de se tornarem esportistas. Não são raros os casos de atletas que começaram a treinar antes dos seis anos de idade. Por isso é preciso ter cuidado redobrado nesses casos.

“Além dos direitos trabalhistas, os atletas menores  de idade devem estar protegidos de qualquer situação de risco, conforme disposições especiais a eles aplicáveis, por força dos princípios da proteção integral e prioridade absoluta, previstos no artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”, alerta a advogada Luciane Adam, especialista em direito trabalhista, em entrevista ao Lei em Campo.

A tragédia no Centro de Treinamento do Flamengo, em que dez jovens jogadores das categorias de base do clube morreram depois de um incêndio, ligou o sinal de alerta no Ministério Público do Trabalho.

De 1º a 5 de abril, o MPT realizou fiscalizações em CTs e alojamentos das categorias de base de mais de dez clubes de futebol espalhados por seis estados no país. Entre as irregularidades, constatou-se a existência de instalações elétricas precárias e a falta de certificado de conformidade de proteção contra incêndios, como exigido pelo Corpo de Bombeiros.

No Rio de Janeiro, o MPT, além de fiscalizar os clubes, atuou para garantir o pagamento das indenizações trabalhistas aos envolvidos no incêndio do CT do Flamengo.

“O mais importante é os clubes terem a consciência de que a vida dos adolescentes está sob o seu resguardo. Não quer dizer só integridade física, mas também psicológica. Têm de melhorar o atendimento psicológico, evitando qualquer tipo de excesso e abuso, além da segurança. A gente não quer ver repetido o que poderia ter sido evitado, como a tragédia no Ninho do Urubu”, explica a procuradora do MPT Patrícia Sanfelici, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância).

Entre as principais questões encontradas pela força-tarefa do MPT estão as que dizem respeito às condições de saúde e segurança do trabalho nos alojamentos, bem como irregularidades no trabalho do atleta mirim. O órgão defende o uso do contrato de aprendizagem para garantir o respeito aos direitos dos atletas mirins.

“A contratação do atleta mirim pode ser feita com o contrato de aprendizagem. Assim, o atleta mirim vai estar desde o começo protegido. O contrato de aprendizagem tem a exigência para que a criança permaneça na escola, por exemplo”, argumenta a procuradora Patrícia Sanfelici.

Uma das saídas para essa questão é a exigência de profissionais de assistência social nos centros de formação das categorias de base.

“O trabalho infantil vai tirar da criança o tempo que ela tem para brincar, estudar e descansar. Além disso, é extremamente comum que roube dela o direito de estar na escola. A evasão escolar é uma das principais causas do trabalho infantil. O adolescente é uma pessoa que está em processo de desenvolvimento, afastado da família. Tem o sonho de ser jogador, e muitas vezes esse sonho é frustrado. Portanto, é preciso apoio para que ele possa passar por isso com o menor dano possível e partir para a vida adulta sem trauma”, analisa a procuradora do Ministério Público do Trabalho.

Outro caso recente que chamou a atenção do órgão foi a negociação em que o Cruzeiro cedeu parte dos direitos federativos de um adolescente de 11 anos como garantia de um empréstimo adquirido pelo clube.

“A gente não admite como trabalhador antes dos 14, que é a idade mínima para o contrato de aprendizagem. Antes disso pode haver o desenvolvimento lúdico, mas não o competitivo”, explica Sanfelici.

A formação profissional por meio da aprendizagem é uma das melhores formas de combater o trabalho infantil. Na condição de aprendizes, em 2018, o Brasil contratou mais de 444 mil adolescentes, 15% a mais em relação a 2017, de acordo com as secretarias do Ministério da Economia. Porém, ainda existem mais de 510 mil potenciais vagas que deveriam ser destinadas aos aprendizes nas empresas no país.

Mas a legislação brasileira é branda para quem emprega crianças no país.

“O trabalho infantil é ilegal, mas não é tipificado no Código Penal como crime. No entanto, se o explorador do trabalho infantil expuser o menor a maus-tratos, pode ser responsabilizado criminalmente”, adverte a advogada Luciane Adam.

De acordo com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, o Brasil registrou, nos últimos 11 anos (2007 a 2018), quase 44 mil acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos. Nesse mesmo período, 261 meninas e meninos perderam a vida trabalhando.

Por isso, a letra de “Criança não trabalha”, de Arnaldo Antunes, continua atual e com compreensão necessária.

“Giz, merthiolate, band-aid, sabão/ tênis, cadarço, almofada, colchão/ quebra-cabeça, boneca, peteca, botão/ pega-pega, papel, papelão. Criança não trabalha, criança dá trabalho. Criança não trabalha.”

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.