Por Morgana Moraes Fonseca
O futebol há muitos anos habita o imaginário e os sentimentos de muitos torcedores, ele desperta sentimentos como poucos outros acontecimentos na vida do torcedor apaixonado, é impossível prever o que acontecerá em uma partida de futebol.
Na atualidade verdadeiros espetáculos são criados para atrair e entreter os torcedores, obviamente que no maior conforto e segurança possível, mas nem sempre foi desta forma, na antiguidade eram utilizadas as arenas, palcos de areia onde eram celebrados combates entre animais e gladiadores, e que hoje são grandes estádios.
A história das transmissões televisivas dos grandes espetáculos é que gera o início de um novo movimento, antes nunca aproveitado, ou contabilizado no caso, é analisado com mais critério e cuidado o retorno financeiro que o espetáculo dentro das quatro linhas pode render através dos torcedores que estão em casa, ou seja, antes da criação e regulamentação do direito de arena os clubes de futebol não recebiam nenhum valor das emissoras de televisão para a transmissão e retransmissão das partidas de futebol.
Então o ano de 1973, foi promulgada a Lei de Direitos Autorais, Lei nº 5.988, e com ela surgiu um novo instituto ainda novo para o direito e também para as entidades de futebol, o direito de arena.
Direito de Arena
Contudo a introdução do direito de arena, em uma lei que regulava os direitos autorais provocou diversas críticas entre os grandes doutrinadores brasileiros, já que para eles os jogadores de futebol não poderiam ser chamados de artistas, autores ou intérpretes, pois as partidas de futebol não eram consideradas como obra ou execução artística.
Transcorrido alguns anos, em 1988, a nova Constituição Federal, demonstra a preocupação do legislador com a imagem da pessoa. A Carta Magna traz como cláusula pétrea a proteção à imagem, dentre os direitos e garantias fundamentais ao homem, no seu artigo 5º, caput, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Mas não foi olvidado, no novo texto constitucional a imagem coletiva, ela também integra o rol de incisos do artigo 5º. Ele está disposto no inciso XXVIII, “a”, onde diz que “a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.
Posteriormente em 1993, foi criada a primeira lei desportiva Lei nº 8.762, Lei Zico, em seu escopo ela traz o direito de arena em seu artigo 24, praticamente com a mesma redação dada pela Lei de Direitos Autorais, mas com um parágrafo a mais, que destaca os flagrantes do espetáculo.
Após cinco anos da publicação da Lei Zico, é promulgada a lei vigente que dispõe as normas gerais sobre o desporto Lei 9.615/1998, ou Lei Pelé, em sua redação original o artigo 42, que trata a respeito do direito de arena, continua com a garantia de 20%, a título de direito de arena a ser repassado aos jogadores.
Em 2000, o Clube dos 13, que era a União dos Grandes Clubes de do Futebol Brasileiro, fez um acordo com os sindicatos dos jogadores de futebol, e a CBF, onde os sindicatos passariam a receber somente 5% do valor total dos contratos, sindicatos estes dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, tempo depois o acordo passou a valer também aos sindicatos de Santa Catarina, Paraná, Norte e Nordeste.
Obviamente que esse acordo não impediu que os jogadores buscassem em juízo a diferença do direito de arena não repassado a eles, ou seja os 15%, porque a letra da lei é expressa, que é somente em caso de convenção em contrário, não menciona acordo.
No ano de 2011, depois de muitas discussões, ações paralelas, o fim do Clube do 13, o início das negociações individuais de cada clube com as transmissoras de televisão, foi publicada a Lei nº 12.385, que alterou de muitas formas a Lei Pelé, e oficializou o percentual do direito de arena, que foi reduzido de 20% para 5%.
A partir deste ponto, depois de uma breve contextualização a respeito do que é o direito de arena, sua criação e suas alterações legislativas ao longo dos anos, analisamos ele no novo diploma jurídico vigente a Lei nº 14.597/2023, A Lei Geral do Esporte, que acrescenta novos pareceres, mas também mantém muito do que já existia em vigor na Lei Pelé.
Ele aparece no capitulo que trata dos meios de difusão dos eventos esportivos, que inicia no Art. 159, que apresenta o seguinte texto “A difusão de imagens captadas em eventos esportivos é passível de exploração comercial.”
Art. 160. Pertence às organizações esportivas mandantes o
direito de arena, que consiste no direito de exploração e
comercialização de difusão de imagens, abrangendo a
prerrogativa privativa de negociar, de autorizar ou de proibir a
captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão
e a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de
evento esportivo de que participem.
Este artigo já estava incluso na Lei Pelé, a partir da promulgação da “Lei do Mandante”, nº 14.205/2021, porém como pode ser visto o §1, foi vetado, sendo ele,
“§ 1º Salvo convenção ou acordo coletivo de trabalho em
contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da
exploração de direitos de difusão de imagens de eventos
esportivos serão repassados pelas organizações esportivas de
que trata o caput deste artigo aos atletas profissionais
participantes do evento, proporcionalmente à quantidade de
partidas ou provas por estes disputadas, como parcela
indenizatória de natureza civil.”
§ 1º (VETADO),
contudo, este mesmo texto já existia na Lei Pelé, foi ele acrescentado no ano de 2011, pela Lei 12.395, e repetido/mantido pela Lei 14.205/2021, sendo a única diferença nesta última, é que o direito pertence ao clube mandante.
Este veto na Lei, pode vir a dificultar ainda mais a questão do pagamento do direito de arena aos atletas, pois este já é um problema recorrente nos tribunais, justamente pelo fato dos valores pagos aos clubes serem de certa forma uma incógnita, poucas vezes este montante é revelado, desta forma, este veto vem a prejudicar mais ainda os jogadores.
§ 2º O pagamento da verba de que trata o § 1º deste artigo será
§realizado por intermédio dos sindicatos das respectivas
categorias, que serão responsáveis pelo recebimento e pela
logística de repasse aos participantes do evento, no prazo de
até 72 (setenta e duas) horas, contado do recebimento das
verbas pelo sindicato.
§ 3º É facultado à organização esportiva detentora do direito
de arena e dos direitos comerciais inerentes ao evento
esportivo cedê-los no todo ou em parte, por meio de
documento escrito, a outras organizações esportivas que
regulam a modalidade e organizam competições.
Esta questão é nova no ordenamento, em momento algum é referido que o mandante, ou detentor dos direitos pode ceder em parte.
§ 4º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, pertence às
organizações esportivas responsáveis pela organização da
competição o direito de autorizar ou de proibir a captação, a
fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão e a
reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de
eventos esportivos compreendidos em quaisquer das
competições por elas organizadas, bem como de autorizar ou
de proibir a exploração comercial de nome, de símbolos, de
marcas, de publicidade estática e das demais propriedades
inerentes às competições que organizem.
§5º Fica vedada a prática de proveito publicitário indevido e
ilegítimo, obtido mediante o emprego de qualquer artifício ou
ardil, sem amparo em contrato regular celebrado entre partes
legítimas e com objeto lícito e sem a prévia concordância dos
titulares dos direitos envolvidos.
Muito possivelmente este §5, foi acrescentado a Lei para tentar coibir o marketing de emboscada, de certo modo muito comum em grandes eventos, eventos principalmente de visibilidade internacional.
§ 6º Na hipótese de realização de eventos esportivos sem
definição do mando de jogo, a captação, a fixação, a emissão, a
transmissão, a retransmissão e a reprodução de imagens, por
qualquer meio ou processo, dependerão da anuência das
organizações esportivas participantes.
§ 7º As disposições deste artigo não se aplicam a contratos que
tenham por objeto direitos de transmissão celebrados
previamente à vigência desta Lei, os quais permanecem regidos
pela legislação em vigor na data de sua celebração.
§ 8º Os contratos referidos no § 7º deste artigo não podem
atingir as organizações esportivas que não cederam seus
direitos de transmissão a terceiros previamente à vigência
desta Lei, as quais poderão cedê-los livremente, conforme as
disposições previstas no caput deste artigo.
9º Não constitui prática de proveito econômico indevido ou
ilegítimo a veiculação, pelas empresas detentoras de
concessão, de permissão ou de autorização para exploração de
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como
de televisão por assinatura, da própria marca e a de seus canais
e dos títulos de seus programas nos uniformes de competições
das entidades esportivas e nos demais meios de comunicação
que se localizem nas instalações dos recintos esportivos.
Art. 161. A difusão de imagens de eventos esportivos na rede
mundial de computadores deve respeitar as disposições deste
Capítulo.
Outro artigo acrescentado de suma importância, pois com a evolução tecnológica, e com as transmissões cada vez mais sendo feitas através de canais da internet, como Youtube, Facebook, ou alguns streamings, é necessário que seja regulamentado este tipo de transmissão e captação.
Art. 162. A comercialização de direitos de difusão de imagens de eventos esportivos deve resguardar os seguintes princípios:
I – o interesse público na difusão dos eventos esportivos do modo mais abrangente possível;
II – o direito do torcedor de acompanhar a organização esportiva, a competição e os atletas de seu interesse;
III – a liberdade de comunicação;
IV – a liberdade de mercado;
V – a livre concorrência e a prevenção às práticas de mercado anticompetitivas;
VI – a integridade do esporte, a igualdade entre os competidores e a solidariedade esportiva;
VII – a proteção da empresa nacional e da produção de conteúdo próprio local.
Art. 163. O detentor dos direitos de difusão de imagens de eventos esportivos é obrigado a disponibilizar, em prazo não superior a 2 (duas) horas após o término do evento esportivo, imagens de parcela dos eventos aos veículos de comunicação interessados em sua retransmissão para fins exclusivamente jornalísticos, observado o seguinte:
I – A retransmissão destina-se à inclusão em noticiário, após a realização da partida ou do evento esportivo, sempre com finalidade informativa, proibida a associação de parcela de imagens a qualquer forma de patrocínio, de promoção, de publicidade ou de atividade de marketing;
II – A duração da exibição das imagens disponibilizadas restringe-se a 3% (três por cento) do tempo da prova ou da partida, limitada a 30 (trinta) segundos, exceto quando o evento tiver duração inferior, vedada a exibição por mais de uma vez por programa no qual as imagens sejam inseridas e
quando ultrapassar 1 (um) ano da data de captação das imagens;
III – Os veículos de comunicação interessados devem comunicar ao detentor dos direitos a intenção de ter acesso ao conteúdo das imagens disponibilizadas da prova ou da partida, por escrito, em até 72 (setenta e duas) horas antes do evento;
IV – A retransmissão deve ocorrer somente na programação dos canais distribuídos exclusivamente no território nacional.
Alguns pontos a serem salientados destes últimos artigos, e incisos específicos, pois pela literalidade da Lei, soam como ambíguos. Como o Artigo 162, inciso IV, que diz respeito a liberdade de mercado, o inciso VII, do mesmo destaca muito bem a proteção da empresa nacional e da produção de conteúdo local, vão de certo modo contra ao artigo 163, inciso IV, onde expressa que a retransmissão deve ocorrer somente na programação dos canais distribuídos exclusivamente no território nacional.
Com destaque a este ponto, onde fica a liberdade de mercado, é justamente através da captação jornalística, e retransmissão de jogos, ou de pequenas imagens, que o Brasil pode ampliar a venda do seu produto, “os campeonatos”, aos outros países, fica muito confuso se lidarmos com este texto de forma totalmente literal.
Algo a ser observado com certa atenção, também está presente no Artigo 163, inciso II, quando veda a exibição por mais de uma vez por programa no qual as imagens sejam inseridas e quando ultrapassar 1 ano da data da captação das imagens, seria aplicável este inciso, por exemplo no caso das retransmissões de jogos como ocorreu durante o período do Covid 19, onde diversos jogos de futebol foram retransmitidos em rede nacional aberta, por não haver programação para suprir tal demanda, seguindo este raciocínio, se algo similar ocorrer novamente, deverá haver alguma medida para que permita as emissoras manter a sua programação.
Parágrafo único. O disposto no caput e no inciso III deste artigo
não se aplica aos casos em que o detentor dos direitos de
difusão de imagens de eventos esportivos autorizar o
organizador do evento a reservar espaço na arena para que os
não detentores de direitos realizem a captação das imagens
para a exibição de flagrante de espetáculo ou evento esportivo.
Em suma, este é um direito que pertence exclusivamente as organizações esportivas, no caso atual, a mandante do jogo, não existe relação alguma com o direito de imagem, este que pertence exclusivamente ao jogador de futebol.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo