O Direito de Imagem é mais um daqueles institutos trabalhistas desportivos maculados pela vigência simultânea da Lei Geral do Esporte-LGE (Lei n. 14.597/23) e da Lei Pelé (Lei n. 9.615/98).
Conforme já se explicou em obra própria[1], “… o direito de imagem é a contratação da exploração individualizada da imagem e voz dos atletas. Geralmente, de maneira pessoal ou por via de empresas instituídas pelos próprios jogadores, com a finalidade de promover a venda de produtos ou serviços empresariais, de forma desatrelada da competição desportiva, valendo-se apenas da fama atlética para propagação comercial, de licenciamento de produtos, serviços, dentre outros”.
A diferença básica entre as previsões legais do Direito de Imagem no art. 87-A da Lei Pelé e no art. 164, caput, § § 1o e 2o da LGE estão nas seguintes pautas: esta autoriza expressamente a contratação da imagem do atleta via pessoa natural ou pessoa jurídica, esclarece que os proventos da figura jurídica não podem substituir a remuneração proveniente da relação contratual trabalhista, e, somente abrangem, no máximo, até 50% de sua remuneração laboral. Por outra via, aquela não é explícita quanto as primeiras vigas supradescritas, circunscrevendo a retribuição da imagem até o limite de 40%.
Entre as três (3) diferenças de textos normativos discorridas acima, a que gera mais problema é a do valor do percentual, divergência legal que causou até a anulação de uma questão objetiva de primeira fase do concurso para o Ministério Público do Trabalho (MPT) em curso (divulgação no decorrer desta semana).
Quanto à normatividade de o Direito de Imagem envolver a possibilidade de contratação por pessoa jurídica constituída pelo jogador profissional na LGE, inexistente na Lei Pelé, nada de obstáculo, pois esta já permitia contratá-lo em contrato civil separado do contrato especial de trabalho desportivo.
Nesse sentido, se o vínculo da explanação de imagem é civilístico, não faria nenhum sentido que fosse, de alguma forma, vedado ou restringido por intermédio de uma pessoa jurídica criada pelo atleta contratante, mormente quando esta empresa passa a reger outras atividades civis desportivas, coligadas à imagem do seu constituinte (projetos sociais, donatários, etc.).
Em relação à segunda modificação da LGE em face da Lei Pelé em matéria de Direito de Imagem mencionada alhures, afirmar que a remuneração de imagem não deve substituir a configurada em relação de emprego entre o atleta e a organização esportiva contratante, apenas reforça legalmente aquilo que já predomina em ampla jurisprudência da Justiça Especializada do Trabalho ao longo de vários anos.
O ponto sensível de embate se cinge ao percentual autorizativo da LGE que elevou para 50% o que era 40% no texto da Lei Pelé de retribuição pertinente ao Direito de Imagem, podendo restar mais 50% de remuneração trabalhista atinente ao contrato especial de trabalho esportivo.
Ora, sabe-se que a remuneração laboral reflete sobre verbas rescisórias, décimo terceiro, férias, um montante valorativo maior, assim como o seu registro na CTPS gera uma carga tributária mais elevada que recai sobre a organização empregadora e o jogador empregado.
Com efeito, tal mudança atrai novamente a aplicação do decantado princípio da aplicação da norma mais favorável, a significar que, em uma ponderação entre os dois textos legais, não prevalece o método clássico de dissolução de confronto entre normas cíveis (derrogação da Lei anterior pela Lei posterior), mas sim deve prevaler a Lei Pelé que traz um limite de percentual menor de 40%, sendo mais benéfica ao atleta empregado.
O leitor mais atento, com uma observação cível, deve estar questionando: mas o Direito de Imagem declaradamente pelas duas (2) Leis não tem uma natureza civil, pronvindo de contratualidade civilística, por quê incidiria o princípio juslaboral defendido acima?
Embora as duas Leis expressem que o Direito de Imagem e o Direito de Arena são de natureza civil, portanto, automaticamente de caráter indenizatório, são dois institutos conexos ao contrato especial de trabalho desportivo.
Nos termos normativos da LGE e Lei Pelé só subsistem contratos de Direito de Imagem e de Arena porque existe primeiro a atividade econômica desportiva e o seu consequente contrato especial de trabalho esportivo. Por isso mesmo, este autor também defende que a competência material originária para julgar confitos desses direitos, conexos aos direitos trabalhistas dos atletas, são da Justiça do Trabalho (art. 114, caput, I, VI, da CF/88), conforme se espelha fortemente nas demanas do ramo perante à Justiça do Trabalho.
Não obstante, a elevação da possibilidade de retribuição do Direito de Imagem na Lei Pelé de 40% para 50% da LGE se reflete imediatamente na redução remuneratória laboral do atleta e da carga tributária (ambas matérias de ordem pública por se imiscuir em conteúdos de indisponibilidade jurídica).
Enfim, a incidir o princípio da norma mais favorável, enquanto coexistir o vigor das duas Leis, a norma inteira da Lei Pelé deve afastar a da LGE em planos de Direito de Imagem, levando-se em consideração que a raiz principiológica justrabalhista é mais vantajosa ao atleta hipossuficiente, preservando também os campos previdenciários e tributários inerentes.
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[1] RAMOS, Rafael Teixeira. Curso de direito do trabalho desportivo: as relações especiais de trabalho do esporte. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 301-302.